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sábado, 25 outubro 2014 16:23

CORTEJO EM NOVEMBRO DE 1950

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1 - O CORTEJO -1950

A recuperação e restauro do prelo que imprimiu os jornais em Castro Daire, em tempos idos (tarefa de que fui incumbido orientar de modo que ele não perdesse a sua identidade)  obrigou-me a vasculhar algum do produto calcado pela sua «platina» e levou-me até ao ano de 1950, mesmo ao meio do século XX. E para quem não se preocupa apenas com a espuma dos dias, dizer mal do que se por aí passa hoje, do Governo e coisas mais, alguns deles a dizerem que antigamente é que era bom, nada melhor do que, mostrar em fotografia, o artigo que ficou escrito nas colunas do jornal «A Voz do Paiva», nº 420 de 7 de Abril de 1951, decalcando o Relatório assinado pela Mesa da Santa Casa da Misericórdia, em 24 de Fevereiro de 1951, relativo a um cortejo que teve lugar no dia 12 de Novembro de 1950.

1-Cortejo-Cujó-Mamouros - CópiaAssistir a este CORTEJO, a todo o seu movimento, colorido e protagonistas,  é mergulharmos em profunda Idade Média. É regressarmos a esse Portugal agro-pastoril povoado do litoral ao interior,  como tão bem exemplificam os recursos que as povoações tinham em nãos para se mostrarem solidárias com a Santa Casa. E ressalta à vista que as terras mais afastadas da sede do concelho, devido aos maus acessos e lugares distantes,  não perdiam tempo com carros e carretas. Agarravam na «notinha» e «tomem lá», não se fala mais nisso. Outras, onde o «metal sonante» escasseava, nomeadamente as povoações serranas a norte do Paiva,  botavam mão dos produtos agrícolas e derivados, como,  por exemplo, os «colmeiros» e os carros de «palha» que serviam para cobrir casas, barracas e alpendres, e bem assim encher colchões de particulares e de pensões.. Daí a uma década este mesmo Portugal seria despovoado pela emigração de «salto» para a «estranja». E  a minha geração e descendência recusaria fazer parte integrante desse Estado Novo, velho de séculos.

E deixo para um post posterior o que se me oferece dizer pelo facto de CUJÓ aparecer em primeiro lugar na listagem feita. Cheira-me que aqui andou influência política de duas pessoas muito amigas. Uma era o meu pai, Salvador de Carvalho e a outra o Dr. Luís de Azeredo Pereira,  o Provedor da Santa Casa, cumulativamente Presidente da Câmara.

2 - O CORTEJO - 1950

Aprendi não sei com que MESTRE ligado ao modo como «fazer história» que o investigador tem, por vezes, de se valer do «não dito» nos documentos em que se apoia.. E a explicação de CUJÓ aparecer em primeiro lugar na lista do Cortejo, só se «descobre» pelo cruzamento de informações que sobre o mesmo assunto ficaram, mesmo que não «ditas» e/ou não apareçam ligadas a ele de forma clara e expressa..

2-MÕES-RERIZ - - Redz

 

Neste caso está em sabermos que Cujó tinha acabado de se emancipar civilmente da freguesia de S. Joaninho (1949) com o apadrinhamento do Dr. Luís Azeredo Pereira, então Presidente da Câmara e, no presente caso,  Provedor da Santa Casa, que assina o Relatório de Contas. E esse apadrinhamento, cuja fundamentação deixei escrita no meu livro «Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva», publicado em 1993, encontra aqui a sua extensão. À frente da luta pela independência estava o meu pai Salvador de Carvalho, escorado no apoio político-administrativo do Dr. Luís Azeredo Pereira e outros. Certamente todos aqueles que ferravam o dente nas perdizes e nos coelhos que o meu pai lhes oferecia em prol do bem comum e em prejuízo da prole que ferrava o dente na côdea seca, sem conduto, da broa de milho ou de centeio que cultivávamos, segávamos, malhávamos, moíamos e cozíamos. Os interesses colectivos a isso o obrigavam. E a estes anos de distância, informado e estudioso que sou dos factos e dos meandros da política e do papel do homem público, muito me honra que o meu pai, no exercício da cidadania, para o bem de todos, tenha sacrificado algum conforto pessoal e de família. E o facto de assim ser, de haver disso memória pessoal e os documentos o comprovarem, não pode inibir-me de dizê-lo e de comentá-lo. E nesse contexto Cujó, fez questão de não envergonhar o «padrinho» e marcou a diferença, apresentando-se no cortejo com «nove carros» e S. Joaninho, apenas com «quatro». É só ler. E, face à leitura dos donativos das restantes freguesias e povoações, facilmente se concluirá que o critério de «número de carros», na ordenação das freguesias e povoações, para Cujó aparecer em primeiro lugar na lista, dizia o «não dito»,  pois outras freguesias e povoações que incorporam o cortejo fizeram-no com mais carros e, seguramente, com donativos mais valiosos.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.