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segunda, 08 abril 2024 16:19

NA SENDA DA “RAÇA BOVINA PAIVOTA” (2

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SABER LIVRESCO E SABER DO CAMPO

Deixada a serra, deixados os montes de CUJÓ, longe da bosta de vaca e das caganitas das ovelhas e das cabras,  que não  se cheiram nem veem nas iluminuras dos pergaminhos e livros de horas medievais, nunca esquecendo tais feições e odores, animais tão úteis e afetivos meus companheiros de vida, procurei saber, em tempo próprio, algo mais sobre eles, sobre as suas origens, seus habitat natural, tempo de domesticação, porte físico e comportamento selvagem e livre.

 

SEGUNDA  PARTE

E, claro está, não tardei a esbarrar com as pinturas e gravuras referidas na PRIMEIRA PARTE deste apontamento e, no que a Portugal diz repeito, mais propriamente ao meio onde fui nado e criado, aldeias e terrenos baldios e cultivados, que dão corpo e relevo à bacia hidrográfica do RIO PAIVA, esbarrei nos montes de páginas impressas e, entre eles, a volumosa obra “MONARQUIA LUSITANA”de Frei BERNARDO DE BRITO. E, ainda que sendo volumosa, impressa em grafia arcaica, li e bebi sofregamente a parte onde refere a GENTE, os ANIMAIS e os PRODUTOS NATURAIS da terra LUSITANA, incluindo serra do MONTEMURO e as que lhe são próximas da Gralheira e Freita.

Para comodismo de leitura e divulgação, verti o texto para ortografia atual, tal qual se segue: 

MONARQUIAHá também na Lusitânia um monte de maravilhosa grandeza que  os antigos chamavam Alcoba e nós agora  partindo-o em diversos nomes o fazemos diferente em  muitos lugares, chamando uma parte dele  serra de Besteiros, outra Alcoba, como os antigos chamavam e assim em outras partes até se juntar  com a serra do Monte de Muro.

É a maior parte desta serra pelos altos estéril e de mui pouco pão e o mantimento ordinário dos moradores é algum milho que colhem e pouco centeio (…) os vales deste monte são em algumas partes fresquíssimos e abundantes de fruita de espinho e outra de várias castas(…)

Quase junto com esta serra, fica logo a que vulgarmente se chama Monte de Muro e os antigos com pouca diferença chamavam mons Muro. 

Toma grande distância de terra e seus altos são asperíssimos, habita-se alguma parte dele com trabalho dos moradores, porque a terra dá mui pouca cevada  e quase nenhum trigo, e o mais que tem é centeio, de que vivem miseravelmente.  Não se cria em todo ele vinho, nem fruta que possa trazer recreação aos moradoresa. A gente é grosseira e rústica em seu trato. Veste pobremente e o vestido vulgar é burel grosseiríssimo. As mulheres são pouco para cobiçar, porque além da pobreza que costuma dar pouco lustre, têm elas de si tão pouco nas feições naturais, que entre mil se não achará uma que tenha mortas cores de formosa. São robustas, trabalhadeiras e amigas de granjear sua vida, castas pelas maior parte e desamoráveis para os estrangeiros. 
Os homens são robustos, sofredores de trabalho e se tivessem exercício de armas, fariam grandes efeitos na guerra.

Criam-se neste monte muitas vacas bravas, de pequenos corpos, mas mui fortes para trabalhar e para comer de gosto singularíssimo. Tiram dela alguma manteiga que ordinariamente lhe serve de azeite. Faz menção deste Monte nosso Laymundo no terceiro livro e Resende no primeiro”.

Já fiz uso deste autor quando escrevi sobre a «MULHER DO MONTEMURO» (cf. texto online) mas o que me fez retornar, desta vez,  a Bernardo de Brito, (à MONARQUIA LUSITANA) foi para associar o que ele diz sobre as “muitas vacas bravas” que se criam no Montemuro “de pequenos corpos, mas mui fortes para trabalhar” com o que sobre o mesmo gado, gentes e produções agro-pecuárias diz Rui Fernandes, «tratador de lonas e bordates» de Lamego, no século XVI”. 

LAMEGODiz Rui Fernandes (ver texto ao lado) que de “Maio a Setembro as vacas pastam na serra e de Setembro a Maio pastam na Gândara, junto do mar, entre Aveiro e Coimbra”, sendo certo que, se os donos as não acompanham «elas são já tão sentidas no tempo que se o tempo é quente muitas se vêm por si e se o tempo é frio, por si se vão».

(…) Estas vacas são de 5, 6, 7, arrobas. Dão os mais formosos touros que se podem haver. Deste peso são mui ligeiros em correr e mui dextros em ferir. Nunca homem de cavalo entrou com eles em curro e mui poucos livres os podem filhar que os não matem”.

Temos assim dois autores do século XVI a reportarem-se ao tamanho e peso do gado vacum que pastava na serra do Montemuro, sem lhes atribuírem qualquer RAÇA. Mas ficamos a saber tratar-se de GADO de pequeno porte, de pouco peso e hágil no correr e no ferir. Sem classificação, embora, ambos autores deixam informação bastante sobre o seu porte anatómico e comportamento natural adequado ao seu habitat montanhoso, com neves frequentes, frio e de pastos pobres, a pontos de, em busca de melhor alimentação, esse GADO BOVINO fazer tansumância natural, instintiva ou vigiada pelos seus donos, lá para as terras mais baixas e quentes, entre Coimbra e Aveiro.

Temos assim a referência a uma raça de gado vacum “pequeno e robusto” que se aproxima daquele que pastoreei na minha juventude, em Cujó, dito GADO PAIVOTO, “vacas paivotas”. As mesmas que os dicionários «DE MORAIS» e «LELLO UNIVERSAL», dizem ser “uma variante do GADO AROUQUÊS”. 

RELATÓRIO- 1945E igual CLASSIFICAÇÃO ficou no “Relatório de Contas, da Câmara Municipal, em 1945”, quando, referindo-se  ao gado abatido no matadouro (cf. texto ao lado) diz que “pertencia à raça arouquesa,  ou antes, à raça paivota que é uma sub-divisão daquela”.  Algo confuso, não? Arouquesa ou Paivota? 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.