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domingo, 03 setembro 2023 17:10

LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (18)

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HISTÓRIA

 Assumido lenhador na FLORESTA DAS LETRAS,  primeiro historiador, poeta e escritor natural do concelho de CASTRO DAIRE, com a biqueira do sapato no degrau do pódio  (menu=categorias) «Discovery & Science» de "NOTABLE PEOPLE" disponível no GOOGLE  (  https://tjukanovt.github.io/notable-people), para respeito e consideração  dos estudiosos e  despeito dos imbecis,  sem agulhas nem carris, enroscados nos seus covis, eis-me de podão em punho a penetrar mato dentro e deixar mais algumas clareiras abertas na área do conhecimento relativo a estas PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO, de LAMELAS.

LANELAS CÁ E LÁ.2

Nesta altura da caminhada, olhando para trás vemos recuperadas no fio do tempo, demarcadas na  poeira  do espaço, as referências aos primórdios da realidade  serrana, vegetal e humana, a existência do TEIXO, essa árvore sagrada dos Celtas, que pagã virou cristã, tornada escultura e altar de Santa Bárbara, vemos as marcas da romanização representada na medalha da GUARDA PRETORIANA, vemos  a identificação de alguns moradores no século XIII (1258), vemos a mudança da CAPELA DE S. LOURENÇO, do velho ermo a descambar para os Mortolgos e as pedras, em 1700, a serem zorradas para o sítio da povoação onde se encontra atualmente o templo, vemos a colocação do retábulo de talha dourada, em 1712, vemos a construção da nova e vetusta Igreja da Senhora dos Remédios, da iniciativa de José Lopes, em 1858 e adivinhamos a difícil vida dos primitivos povoadores de Lamelas, a viverem de uma economia assente na agricultura e pastorícia, vemos a chegada das primeiras empresas e empresários ligadas à indústria de madeiras e panificação, pois como diz o povo “haja saúde e coza o forno”.

OS TENDEIROS

manuscritoÉ tempo, pois, de deixar aqui a pegada dos naturais de Lamelas que, conjugando a atividade agro-pastoril com o comércio, decidiram fazer pela vida estendendo a sua economia doméstica a feiras e mercados

Com efeito, se no Custilhão muitos dos seus naturais se dedicavam à compra e venda de cabritos, os cabriteiros, pelas aldeias do concelho, se em Vila Pouca eles se dedicavam ao negócio da carnes, vacas, vitelos e quejandos, os talhantes, muitos dos habitantes de Lamelas, optaram pelo comércio ambulante, acorrendo com os seus produtos de vestuário às feiras e mercados semanais, quinzenais e mensais que existiam nas redondezas.

Isto faz-me regressar aos impostos foralinos tabelados por “carga maior”, isto é, carga de cavalo, macho ou mula, “carga menor”, isto de burro, jumenta ou jumento, e “costal”, correspondente ao produto transportado por uma pessoa. Todo o almocreve que fosse portador de tais “cargas” e, de forma ambulante, assentasse banca numa praça dos concelhos sabia quanto tinha a pagar por isso.

E se nos situamos no ano de 1844, encontramos a designação dada a estes profissionais do comércio dada pelo Presidente da Câmara de Castro Daire de então. O caso foi que, nesse ano, a Câmara Municipal, na sessão do primeiro de dezembro, decidiu remeter ao «Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor António de Lemos Teixeira de Aguilar», a residir no Porto, uma carta do seguinte teor:

"Tem V. Exa. junto à Praça pública desta vila um terreno que na frente confina com a continuação da rua que dirige para o Largo da Praça e de um lado parte com as casas que foram de José de Almeida Botelho e hoje são de Rita Simões, viúva de João Figueiredo, e do outro com casas  da viúva e herdeiros de José Teixeira de Lima, desta mesma vila.

Este terreno que antigamente era o solo de casas que foram demolidas não rende atualmente alguma utilidade a V. Exa. Enquanto nele não fizer reedificar as casas demolidas, ou outra alguma obra que o tape sobre si e destine a algum uso útil.

Mas este terreno enquanto assim está aberto e vago pode prestar a este Município alguma utilidade, franqueando-o a Câmara às Regateiras, ou Tendeiros, ou a Vendilhões ambulantes, especialmente nos dias de Mercado Mensal que se faz nesta vila (…) Contudo se V. Exa. se designar conceder-nos interinamente o uso daquele terreno para o sobredito fim, nós tomamos ao nosso cuidado o fazê-lo limpar e desimpedir do terraço,  cascalho e entulho de que esteja pejado”.

Temos assim a informação de que a Câmara Municipal precisava de alargar o espaço público para a FEIRA MENSAL, na PRAÇA AGUILAR e que esse espaço se destinava a ser usado pelas “regateiras, tendeiros ou vendilhões ambulantes”. 

tendeiro-3 - Cópiatendeiro-4 - CópiaO documento não identifica a terra da naturalidade dos COMERCIANTES, mas é de crer que entre os «Tendeiros» figurassem alguns naturais de Lamelas, pois aqueles que tiveram a gentileza de falar comigo quando os interpelei sobre o negócio que praticavam chamaram a si próprios a designação de “feirantes”, ou “tendeiros” o que bem pode remeter para esses tempos. Alguns deles, deixaram de “feirar” e fixaram-se na sede do concelho com porta aberta de «pronto-a-vestir».

Seja qual for, porém, a designação que melhor lhes assente nos tempos atuais, tempos em que eles se deslocam em automóveis e camionetas estradas fora no exercício das suas profissões, vai para eles a simpatia do historiador. Isto de ganhar a vida com a mercadoria “às costas” não é para todos. É preciso espírito de abertura aos espaços e às gentes. É preciso não temer frios e chuvas. É preciso espírito de entrega ao cliente rezingão que chega e protesta por tudo e por nada. É ter uma paciência de Jó e uma capacidade relacional humana, a toda a prova. É preciso ter stok bastante  de produtos para poder atender a diversidade de gostos e necessidades de quem compra.

É isso. Este tipo de profissionais, de “feirantes” e “tendeiros”, semelhantemente aos agricultores e pastores serranos, são autênticos heróis, autênticos povoadores deste Portugal Periférico. Por eles se move (ou moveu) a economia local e do país. 

URGUEIRA MOTA-2Entrevistei alguns deles na feira do “Crasto” e o último, fora dela, foi o senhor João Morais, a propósito de uma urgueira que existe no lameiro da senhora sua mãe, Dona Ermelinda, senhora idosa que, à falta de vaga no concelho, está a ser «acompanhada» num Lar de Idosos, em Aguiar da Beira.

Disse-me que corria as povoações do concelho a vender “produtos de primeira necessidade” que tinha 53 anos de idade, 35 de “patrão” e 6 de empregado.

joão moraisE coi junto dessa urgueira, no lameiro de sua mãe que ele foi ele o responsável pela limpeza do lameiro cumprindo religiosamente a recomendação feita pela senhora sua mãe de «não cortar aquela urgueira. 

Com efeito, tendo sido esse arbusto tão pródigo a fornecer as suas lenhas e raízes ao ser humano, RURAL E CITADINO,  durante séculos, vê-lo em “vias de extinção”, pela serra fora, é, para todo o estudioso, para todo o Historiador, para todo o amante da NATUREZA,uma grande dor de alma.  

E, pelos vistos, sem estudos botânicos, de fauna e flora,  ou coisa que o valha, sem  preocupações de caráter ecológico e/ou  de biodiversidade, a Dona Ermelinda levada tão só por respeito a um “monumento” vegetal herdado dos seus antepassados, velhinha e doente, recomendou ao filho João Morais para “limpar o lameiro, mas não cortar a urgueira”. Uma lição de identidade. Foi o que ele fez, com a garantia de assim proceder “na suavida”. (Cf. Vídeo em rodapé)

E daí, o meu espanto e regozijo simultâneo, ao ver uma URGUEIRA (não sei se “gandarinha” se “reagueda”) em plena povoação de LAMELAS, encostada ao muro granítico tradicional que separa o negro alcatrão da estrada e o velho lameiro verde, onde, de quando em vez, pastam ainda algumas ovelhas, como bem mostras as fotos ao lado.

Sabido isto, bem posso dizer que esta aldeia possui ali, à beira da estrada uma  “relíquia serrana” em vias de extinção. Ela ornamenta aquele muro de lameiro, muro também ele com evidente carga histórica. Outros residentes na aldeia ou fora dela, se calhar julgando-se mais “civilizados e cultos”, teriam lá posto um muro de pedra polida revestido, sabe-se lá, de uma cerca com o caraterístico buxo dos cemitários, igual a tantas outras que vedam quintais particulares e jardins públicos. 

VIDEO URGUEIRA:

  https://youtu.be/LLGPy2ZrN90?

NOTA: As torgas (raízes) que ilustram o texto que escrevi especificamente sobre a urgueira, disponível neste site, são propridade dos irmãos  Hélio Silva e Agostinho Silva, de LAMELAS, que as preservam em suas casas como elementos decorativos. Por solicitação minhae consentiram que eu as fotografasse e que fizesse delas o uso que entendesse. Por isso as coloquei  no  RIO DO CONHECIMETO, na «cova de carvão», com os meus agradecimentos aos dois cidadãos com RAIZES na SERRA.

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.