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quarta, 30 agosto 2023 15:49

LAMELAS «PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO» (DEZASSEIS)

Escrito por 

HISTÓRIA

 Assumido lenhador na FLORESTA DAS LETRAS,  primeiro historiador, poeta e escritor natural do concelho de CASTRO DAIRE, com a biqueira do sapato no degrau do pódio  (menu=categorias) «Discovery & Science» de "NOTABLE PEOPLE" disponível no GOOGLE  (  https://tjukanovt.github.io/notable-people), para respeito e consideração  dos estudiosos e  despeito dos imbecis,  sem agulhas nem carris, enroscados nos seus covis, eis-me de podão em punho a penetrar mato dentro e deixar mais algumas clareiras abertas na área do conhecimento relativo a estas PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO, de LAMELAS.

  ALFREDO MORGADO FERREIRA

ALFREDO MORGADONesta minha saga de não deixar no esquecimento as pessoas que, fazendo legítima e esforçadamente pela sua vida, levaram longe o nome do nosso concelho, sempre por boas razões, transcrevo do meu livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», editado em 1995, semelhantemente ao que fiz com os empresários anteriores, transcrevo as palavras que ali deixei sobre o  empresário, Alfredo Morgado. Ora veja-se:

 1 – VELAS

capa-reduzAlfredo Morgado, jovem, curioso e observador, não esqueceu o «modus  fasciendi» e o tipo de ferramentas utilizadas que vira na velha «fábrica» de Albino Cerieiro, onde aprendeu a arte.

Em 1975 foi à Alemanha, à cidade de Fulda, para ver as novidades técnicas aplicadas ao fabrico de velas. Mete na bagagem alguns catálogos de Arthur Weissbach, com nomes, categoria, modelos e descrição de várias máquinas. Mais informado sobre o assunto segue  dali para a França com destino à firma da «Viúva Júlio Dinis e Filhos», regressando depois a Portugal sem dar por perdido  o tempo e as despesas que gastou nas viagens. Ele estuda. Ele informa-se. Ele tornou-se conhecedor de todas as técnicas e segredos do ofício. 

Ao ser entrevistado para efeitos deste trabalho, avivam-se na sua memória, as palavras parafina, estearina, ácido esteárico e outras matérias destinadas  ao  fabrico  de velas. A sua cabeça retém de cor nomes de produtos químicos, tabelas, pesos e percentagens. Ele estudou a evolução das técnicas do fabrico da vela na História. Sabe que a agulha do pinheiro foi o pavio utilizado pelos povos primitivos na manufatura de velas. Sabe que a resina preta ou pez, o sebo e a cera de abelha, envolvendo fios de cânhamo ou de outras plantas, foram recursos utilizados pelo homem em busca de iluminação esporádica e transportável. Sabe que, no século XVI,  Brez  introduziu   os   moldes  na manufatura das velas e daí para a frente o seu aperfeiçoamento nunca mais parou até se chegar às máquinas automáticas e complicadas do seu tempo.

Nos catálogos de Arthur Weissbach figuravam o desenho e a descrição em língua francesa, inglesa e alemã da  «Kerzenzug-maschinen», uma máquina que ele logo pensou construir a partir do modelo e da literatura anexa.

LAMELAS-1Assim o pensou e assim o fez. Era uma  «máquina de estirar» com dois cilindros que incluía no seu funcionamento o consumo de vapor gerado por uma caldeira e também um ventilador. Acionada por motores elétricos, com correias de transmissão e carretos de desdobramento, os pavios a passarem de um tambor ao outro, a produção deixava de ser manual, de tipo intermitente, e passava a ser automática, de tipo contínuo.

A experiência não resultou 100%, mas na sua oficina, em Lamelas, uma «Kerzenzugmaschinen», (made in Lamelas), testemunha ao visitante curioso, ou ao investigador da arqueologia industrial, a capacidade de iniciativa, a imaginação e persistência de Alfredo Ferreira Morgado.

Mas não só. Um olhar em redor logo depara com três «trançadeiras» de pavios, sem as quais era impossível fabricar velas, a não ser que se comprassem mechas feitas. Sem as quais era impossível dar luz ao povo, às capelas e às igrejas. São autênticas peças de museu que aguardam um museu condigno para as receber. 

Sensível à sugestão que lhe fizemos para as ceder gratuitamente para um museu do trabalho, um museu de tecnologia industrial, para não pensarmos somente nos museus da arte com pinturas ou esculturas de artistas consagrados, disse que sim, que as cedia de boamente. Em Castro Daire, contudo, não há, nem se vislumbra vir a haver, um museu com essas características, por isso, nada melhor que recolher as peças na Escola Preparatória, pois, ainda que fora do seu complexo fabril, não deixarão de ser observadas pelo corpo docente e pelos alunos, nem estes ficarão sem resposta às perguntas que elas lhes suscitarem. Ainda bem que assim foi, pois foi por falta de iniciativas destas que, tantas outras peças levaram descaminho, nomeadamente um «torcedor» manual de fabrico caseiro, quando foi substituído por aquelas «trançadeiras» . 

LAMELAS-2Quando do meu trabalho de investigação integrada na minha «licença sabática» solicitei-lhe e eu concedeu duas «TRANÇADEIRAS» para o MUSEU que criei na ESCOLA PREPARATÓRIA DE CASTRO DAIRE, onde eu era professor. De boa mente ele acedeu ao meu pedido e essas duas peças museológicas ligadas à ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL ficaram a fazer parte do mobiliário museológico da ESCOLA. Essas e outras que recolhi em Cujó, nomeadamente um ARADO CELTA e um ALMOFARIZ DE PEDRA que era dos meus avós. Cabe perguntar: onde param hoje essas peças?

E foi assim que Alfredo Morgado Ferreira abastecia a «Casa Balula» de Viseu, a «Discomer» de S. Pedro do Sul e tantos outros distribuidores espalhados pelo país inteiro. Velas com marca própria - uma Virgem Santa carimbada - eram inconfundíveis pelos seus acabamentos. Não tinham aspeto de fusos como muitas outras. Com a mesma bitola a todo o comprimento, bico arredondado, faziam jus a Castro Daire e ao seu produtor.

Hoje não fabrica. Entrevistei-o em 1994. A eletrificação das nossas aldeias, a exigência cada vez mais notória das populações por uma melhor qualidade de vida, o reconhecimento das vantagens que se tiram de um simples interruptor que, com um pequeno gesto, põe a casa iluminada, os melhores meios de transporte, imobilizaram-lhe as máquinas e remeteram a luz mortiça da vela, cuja produção em série chega das firmas especializadas, quase exclusivamente, para os templos e procissões. Mas até nos templos o tempo vai impondo os seus ditames. Em muitas igrejas também a luz da lâmpada elétrica vai tomando o lugar das velas de cera e lamparinas de azeite.

Como fabricante de velas, o reinado de Alfredo Morgado Ferreira acabou na passada década de oitenta.

 

 

2 - FABRICO DE ENSEBITE

 ensebite-1Um pouco à margem dos objectivos deste trabalho, que visa essencialmente as técnicas e equipamentos industriais (artesanais e mecanizados) que passaram para o domínio da arqueologia, não é despiciendo referir ainda que a actividade de Alfredo Morgado Ferreira  não se ficou pelo fabrico de velas. Nem a elas se dedicou exclusivamente quando estava no auge da produção. Desde 1967 que possui a patente nº 137.272 para o fabrico de «ENSEBITE», registada nos Serviços competentes. Pedido o seu registo em 1966, ele é feito em 21 de Setembro de 1967 e posteriormente revalidado até 1997.

E é assim que da sua oficina artesanal têm saído, durante todos estes anos, algumas toneladas desse produto. Manufacturado em barras, estas são destinadas às regiões do Douro e do Dão. Produto preferido a muitos outros pelos vinicultores e armazenistas, dada a prova que tem dado como bom vedante que é para o vasilhame. Nos rótulos que envolvem as barras colocadas no mercado, lê-se o seguinte:

a) ENSEBITE

 Mastic sintético para vedação de vasilhame. Substituto do sebo com alto poder de aderência e vedação para cubas, tonéis, pipas, etc. Não é comido pelos ratos, não tem cheiro, não comunica gosto ao vinho e não seca

.b) ENSEBITE

ensebite-2 Sempre o melhor. Fabricado por: Produtos CASTRO, tel. 33293  CASTRO DAIRE –PORTUGAL. Peso aproximado: Vermelho 375g. Amarelo 250g.

Segue-se no mesmo rótulo um retângulo de publicidade, fazendo-se eco da qualidade do produto, aconselhando o seu consumo a todos os vinicultores. Termina com a identificação de alguns dos seus componentes, que vêm a ser:   Cn. H2n + 2 sólidos e líquidos

3 - FABRICO DO CORAMIDO

Mas não paremos por aqui. Sob o telhado que cobre a vasta área dos seus domínios sai ainda um outro produto. É o «coramido», corante destinado a «queijos, pastelaria, confeitaria e doçaria».

Na base do seu fabrico está a Orellana importada do Brasil. A marca gravada nas embalagens de plástico transparente leva consigo, dentro de um círculo, outra referência importante: o monograma do fabricante seguido do nome de CASTRO DAIRE, em letra maiúscula.

Com código de barra e tudo, como mandam as normas da CEE e não tarda que uma nova máquina de embalagem venha a fazer parte do equipamento que já possui»

*

*        *

Os nomes dos empresários e artes que acabei de referir, ligados às EMPRESAS que assentaram alicerces laboraram em território de Lamelas constam do meu livro «CASTRO DAIRE, INDÚSTRIA, TÉCNICA E CULTURA», editado em 1995, cuja capa deixei acima.  Livro esgotado há muito, foi com grande satisfação minha, que uma das residentes na aldeia com quem falei a propósito da CAPELA DE SÃO LOURENÇO, sua vizinha, me disse possuir e ter bem guardado um exemplar em sua casa. Quando a interpelei nas minhas pesquisas disse-me imediatamente que me conhecia, pois até possuía um livro meu. Não destoa, assim, que eu puxe  para aqui o acolhimento que esse meu trabalho mereceu do, então Presidente da Câmara, JOÃO AUGUSTO MATIAS PEREIRA, natural da terra.

E porque a morte o levou prematuramente, é um tributo que faço à  sua MEMÓRIA, com toda a minha gratidão,  transcrevendo de uma gravação áudio as palavras por ele ditas na cerimónia do seu lançamento, que teve lugar no salão nobre dos PAÇOS DO CONCELHO. Assim:

 

 Fareja1-João Matias - Cópia020 - Cópia«  (...) Imprescindível se torna avaliar costumes, danças, cantares, atitudes, crenças, ferramentas, utensílios e tudo o que constitui uma  praxis  específica. O concelho de Castro Daire é, neste aspeto, uma fonte que jorra abundantemente para o amante da nobre tarefa de investigar. É um atrativo para aquele que, não se contentando com meras aparências, pesquisa o que, vulgarmente, pode parecer desprezível e sem valor. O que é iluminado e orientado pelo saber académico e pela experiência nestas andanças não menospreza a observação das transformações culturais e procura, com subtileza, identificar os elementos que unem ou separam o dia-a-dia menos recente dos tempos hodiernos. Tem sido esta a atitude desse insigne investigador da História Local - Dr. Abílio Pereira de Carvalho, também bem patente em  «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura». (...) Ao autor e a todas as pessoas que, de algum modo, contribuíram para a realização deste trabalho manifestam o concelho e a Câmara Municipal a sua gratidão». «(…)  É  uma obra do Dr. Abílio Pereira de Carvalho, um autor já consagrado em virtude de muito que tem dado de si, do seu tempo e da sua competência ao estudo aturado de múltiplos aspetos histórico-culturais do concelho. Para além de inúmeros artigos em diversos órgãos da imprensa regional, o Dr. Abílio já deu à estampa diversas obras (...) Nos últimos tempos, o autor, aproveitando a licença sabática, lançou-se a um grande empreendimento que é um autêntico inventário da indústria e da técnica que deu à nossa cultura uma identidade própria. Caracterizado por um visualismo muito próprio do investigador, o Dr. Abílio viveu, nos últimos tempos, um nomadismo característico de quem, não se poupando a esforços, percorre montes e vales para elaborar um trabalho de índole científica e proporcionar (...) uma tradução fiel do mundo que nos rodeia. Foi desta procura incessante dos factos e do intento de conhecer «in loco» a realidade, que resultou o conhecimento do saber e do saber-fazer retratado em «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura». (...) Pela minúcia revelada, pelo conjunto de atividades tratadas e porque cremos que constitui um valioso testemunho tanto para o presente como para as gerações vindouras, em boa hora deliberou a Câmara Municipal responsabilizar-se financeiramente por esta primeira edição. ...) Aos senhores professores peço que utilizem este rico inventário do património espalhado pelo concelho para que as nossas crianças e jovens conheçam este elo de ligação entre o presente e o passado. (...)

Agradeço-lhe esta obra em nome do concelho e fique ciente que a Câmara nada mais fez que, dentro da política cultural adotada, apoiar uma obra de um castrense acerca do que é nosso e que é para nós».



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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.