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terça, 11 julho 2023 12:13

LAMELAS - PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO (4)

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HISTÓRIA

Nunca é demais apelar à juventude estudiosa, nem toda ela de formação «copy/paste»,  que ler e pensar também cansa. E quem produz conhecimento «lendo e pensando» merece preito e respeito pelo seu trabalho intelectual que lega à comunidade académica ou simplesmente curiosa.

Ora, deixando os remotos tempos da «CIVILIZAÇÃO CASTREJA», dos nossos antepassados Celtas, Lusitanos e Romanos, dos quais somos legítimos herdeiros genéticos e culturais, mantendo o TEIXO,  essa árvore de vida longa, que acabei de referir, como elo de ligação entre o PASSADO  e o PRESENTE,  essa  idosa e resistente testemunha do reino da botânica que viu chegar os romanos no século III a.C. que os viu partir no século V vencidos pelos visigodos;  que viu chegar os árabes em 711, comandados por Tarik; que os viu partir em 1492 com a conquista de Granada; que os viu sair do Algarve em 1249, conquistado definitivasmente por D. Afonso III; que viu os povos nativos conquistados pagarem impostos aos povos conquistadores, é tempo de falarmos de uma das preocupações deste monarca. D. Afonso III,  no sentido de saber qual o caminho ou descaminho que levavam os impostos, os foros, a ele devidos. E para isso temos de recorrer às INQUIRIÇÕES DE 1258, mandadas fazer por ele pois elas são ricas a fornecer-nos informações sobre gente rica e pobre.

 

 

Mas aqui, semelhantemente ao que já disse anteriormente, assumindo o papel de almocreve das letras que transporta nos alforges do conhecimento muito do que estudei na longa caminhada que já levo de vida,  pego   n’«Os Lusíadas», Canto I, est. 33)  e busco nas  palavras do nosso épico a justificação para o uso da LÍNGUA em que foram escritos esses textos históricos, muito antes de Camões saber ler e escrever.  Assim:

CAPÍTULO III

 

«Sustentava contra ele Vénus bela,

Afeiçoada à gente Lusitana

Por quantas qualidades via nela

Da antiga tão amada sua Romana:

Nos fortes corações, na grande estrela

Que mostraram na terra Tingitana,

E na língua, na qual, quando imagina,

Com pouca corrupção crê que é a latina».

 

Deixados esses remotos tempos e conhecedores que somos da língua que herdamos dos romanos, botemos mão às INQUIRIÇÕES DE D. AFONSO III, de 1258, já que elas se destinaram a averiguar qual o descaminho que, por Portugal inteiro, estavam a levar os foros do rei, geralmente pagos em espécie e, portanto, ligados à atividade agro-pastoril, como era a que praticavam as GENTES das NOSSAS TERRAS.

PRIMEIRA PARTE

D.Afonso IIIE, postos nelas, nas INQUIRIÇÕES, os olhos, não tardaremos a reconhecer que  é nessa língua que « com pouca corrupção crê que é a latina», que foram escritos os documentos históricos que nos informam da vida, das gentes e dos povos que habitavam em redor de nós, no afastado século XIII, cerca de 300 anos antes de Camões escrever a sua imortal obra, para honra nossa. Esses documentos permitem-nos saber também quais as demais povoações e quintas que, para além de Lamelas, integravam o concelho de Castro Daire. Assim:

Maurus Pelagii, judex de Castro dixit, quod villa de Castro de Ario et Linhares, Faregia, et Baltar, et Faregias, Felgosa, Felgosia, Moastium, Os Braços, Covelias, et Lamelas, et Barrial de Homizio, tote iste  aldeole sunt de Castro e de suo termino. Et villa de Castro de Ario et tote iste aldeole sunt forarie Regis de jugata”.

Sabido isto, destaquemos, agora, de entre elas todas, as GENTES e as TERRAS DE LAMELAS:

Petrus Pelagii, de Lamelas juratus et interrogatus dixit quod Maria Menendi ava ejus testavit  hermetiagio de Dono Roberto unam hereditatem forariam Regis de jugata in termino de Castro qui  dicitur Pala de Pito, tempore istius Regis.

Petrus Pelagii filius de Dono Pelagii dixit similiter. Pelagius Menendi dixit similiter. Menendus Petri juratus  dixit semiliter”.

Posto o que esclarecidos ficamos que Pedro Pelágio, natural de Lamelas, disse que a sua avó, Maria Mendes, tinha legado ao Mosteiro da Ermida uma herdade foreira ao rei “de jugada” sita em Colo de Pito. Testemunho esse que foi corroborado por mais três ajuramentados.

E a mesma testemunha acrescenta:

Quod Dominicus Menendi, de Lamelas testavit ecclesia de Castro unam pezam de hereditatem foraria Regis in Lamelas in loco qui vocatur Vallis de Perro Pay, tempore Regis Sancii fratris istius Regis.

Pelagius Menendi juratus dixit similiter. Johannnes Dominici dixit similiter. Menendus Petri dixit similiter”.

E admitindo que os meus seguidores me dispensam de verter para o “português corrente” a grafia medieval, prossigo transcrevendo o texto impresso por forma a ficar claro que, gente de Lamelas, em terras de Lamelas, subtraíam ao rei os foros que lhe eram devidos, transferindo-os para os proprietários que julgavam serem-lhe mais úteis ao seu futuro “post mortem”.  Assim:

Pelagius Menendi de Lamelas juratus dixit quod ipse et Manrina Menendi soror ejus dederunt in vita sua ecclesia de Castro unam hereditatem forariam Regis de jugata in termino de Castro in loco qui vocatur Alcayve, tempore istius Regis.

Johanes Dominici dixit quod Pelagius Menendi dedit eidem ecclesia sua parte de ista hereditate.

Pelagius Menendi de Lamelas juratus dixit, quod Petrus Petri de Castelo de Ario pepegit dare annuarium fratribus Hospitalis in perpetuum de casali, quod fuit de Dominicus Fagildis de Lamelas, medium morabitinum veterem, quod casale est forarium Regis de jugata.

Petrus Martini de Felgosia juratus dixit similiter.

Item, Pelagius Menendi juratus dixit quod Dominicus Fagildiz testavit hermitagio de Donno Roberto uma magnam pezam de hereditate forariam Regis de illo casali de Lamelas, quod fui de Dominico Fagildi, in Pala de Pito tempore Regis Sancii fratris istius Regis.

Johannes Dominici de Lamelas juratos dixit similiter. Menendus Petri juratos dixit similiter. Johannes Martini de Covelias dixit similiter.

Johannes Dominici de Lamelas juratus dixit quod Donna Godina mater ejus testavit ecclesia de Castro duas leyras forarias Regis de jugata in termino de Lamelas in loco que dicitur Thaas, tempore Regis Sancii fratris istius Regis.

Salvator Menendi de Lamelas juratus dixit quod Godina Michaelis testavit ecclesia de Castro unam  leyram  de hereditate foraria Regis in Covelias tempore istus Regis.

Paschacius Michaelis juratus dixit similiter. Menendus Petri dixit similiter. Pelagius Petri dixit similiter.

Peschacius Michaelis juratos dixit, quod Donna  Sol mater ejus testavit eidem ecclesia  unam pezam  de hereditate foraria Regis in termino  de Lamelas in valle que vocatur de Monione Menendi, tempore istous Regis.

Menendus Petri juratus dixit quod  Maria Pelagii mater ejus trstavit ecclesia de Castro unam hereditatem forariam Regis in termino de Lamelas in loco qui dicitur Cernada tempore istus Regis.

D.Sanco-IIReparámos que as testemunhas nos seus depoimentos dizem que alguns desses foros tinham mudado de «senhorio» no tempo de D. Sancho «fratris istius Regis», quer dizer, irmão de D, Afonso III.

Com efeito  o reinado de D. Sancho II, caraterizou-se por uma visível incapacidade administrativa e confusão política, situação a que o Papa Inocêncio IV, no o Concilio de Lyon, em 1245, veio a pôr termo com a deposição do monarca e, consequentemente, a subida ao trono de D. Afonso III.

Estas e outras INQUIRIÇÕES são preciosos documentos para o conhecimento deste PORTUGAL PERIFÉRICO nos princípios da nossa nacionalidade. Eles fornecem-nos os NOMES de algumas pessoas que por cá residiam e TOPÓNIMOS que, alguns deles, se mantiveram até ao PORTUGAL que hoje somos. Integram as atuais MATRIZES PREDIAIS. Daí, o quanto deviam ser preservados, em vez de pagados e alterados como por cá vemos.

 E foi graças à saga levada a cabo pelos INQUIRIDORES no sentido de apurarem o descaminho dos foros reais, que, através dos testemunhos prestados pelas pessoas mais idóneas e sabedoras residentes, constatamos não só que os beneficiados deles eram os Mosteiros da Ermida, do Hospital e igreja de Castro, mas também o estatuto social de alguns intervenientes, nas doações testamentárias.

E convém ter presente que, naquele tempo, poucas eram as pessoas que antepunham ao seu nome próprio o título “DOM”, atribuído não só aos nobres, mas também aos cavaleiros-vilãos, possuidores de cavalos e capazes de poderem ajudar as hostes cristãs contra a mourama. E, em Lamelas verificamos ter havido um Donno Pelagii, uma Donna Godina e uma Donna Sol, presumivelmente esposas de maridos com igual estatuto social. E deve notar-se que em todo o texto só aparece o topónimo «Lamelas»  apontando para a existência, na altura, de uma só povoação, provavelmente Lamelas de Cá. Voltarei ao assunto mais adiante. 

E aqui chegados, sabido que o nome de PELÁGIOS, pais e filhos, hoje praticamente desaparecidos das nossas pias batismais, era frequente nesse tempo, como direi lá mais para diante quando abordar a RECONQUISTA CRISTÃ e CULTO DOS NOSSOS HERÓIS E SANTOS. 

E isso tem uma explicação, numa sociedade cujo imaginário ultrapassa as fronteiras da realidade e do visível. Não faltam por aí «estórias» de lobisomens, de bruxas, lendas de mouras encabtadas, e almas  penaas». E daí ao culto dos nossos HERÓIS E SANTOS é um «saltinho de pardal»

Convém lembrar, para já,  que PELÁGIO era o nome do HERÓI que, nas Astúrias, derrotou os MOUROS, na batalha de Covadonga, dando  início à RECONQUISTA CRISTÃ. Ele, o HERÓI MILITAR. Mas não faltou também o Santo do mesmo nome. Esse chegaria como orago de templos que se iam erguendo pelo território conquistado. Bem perto de Lamelas temos o S. PAIO,  seja, S. PELÁGIO, seja, S. PELAIO, (V. Pouca) que virou apelido de família SAMPAIO. E também na Igreja de Vila Boa, arredores de Mões. E desaparecido aue foi das pias batismais o nome próprio de HERÓI de Covadonga, ficou disseminado, entre nós,  o apelido SAMPAIO, derivado do Santo com esse nome. Voltarei ao tema, lá mais para diante.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.