CAPÍTULO I
CASTRA CASTRORUM
O título em latim usado nesta crónica fui buscá-lo ao Boletim Informativo que foi fundado em Castro Verde pelo Dr. José Francisco Guerreiro Colaço, boletim onde colaborei até retornar ao meu concelho de origem: Castro Daire.
A profissão obrigou-me a saber e a ensinar o que era a ROMANIZACÃO em todo o território que constituiu o IMPÉRIO ROMANO. E o professor João Inês Vaz, falecido prematuramente, arqueólogo e ex-governador Civil do distrito de Viseu, que foi meu amigo e camarada no Partido Socialista, deixou na monografia “CASTRO DAIRE”, editada em 1986 pela Câmara Municipal, matéria bastante sobre as marcas dela existentes no concelho de Castro Daire. Em boa verdade, a ele devo muito do que sei sobre os artefactos romanos que lhe serviram para o CAPÍTULO que dá corpo ao miolo dessa MONOGRAFIA, feita conjuntamente por ele e pelos Drs. Alberto Correia, Alexandre Alves
De todos esses artefactos destaco a moeda romana encontrada em Mões, na Portela, à qual ele se refere assim:
“Trata-se de um denário de prata, cunhado em Lugo e datado da época de Tibério que reinou entre 14 e 37 d.C. A moeda apresenta no anverso uma cabeça laureada à direita e a legenda TI CAESAR DIVI AVG F AVGVSTVUS. No reverso tem gravada uma figura indecifrável e a legenda PONT MAXIM”.
E conclui: “é mais uma prova da romanização destes lugares no século I da nossa Era.” (pp. 110) E na página seguinte estampa a imagem da moeda. O seu anverso, reverso e legendas.
Não vou discorrer sobre a INSCRIÇÃO existente no penedo de LAMAS DE MOLEDO, nem sobre o troço da ESTRADA ROMANA que, pela parte poente, circunda o morro onde se alcandorou o velho “crasto” celta, romano, medieval e tempos fora, que se tornou o casco da vila de Castro Daire. Sobre isso já deixei matéria bastante impressa, digital e em vídeo, lamentando eu nesses meus trabalhos, claro está, que desse troço de ESTRADA ROMANA (o mais extenso que se conhece nas redondezas geográficas) devidamente requalificado, se não tenha feito dele um atrativo turístico, nestes tempos em que tanto se fala de TURISMO CULTURAL. Sim, muito se fala, mas tão pouco se faz. Nem vou falar do resto das muralhas nas Portas do Montemuro (recinto amuralhado que deu o nome à serra) , não vou falar das ruinas do Monte de S. Lourenço, sobranceiro a Casais do Monte, e do que resta outeiro da Maga, arredores de Mões, inseridos na Civilização Cstreja e, portanto, celta e conquistadores subsequentes.
E não discorrendo sobre isso, o que me leva então a revisitar a matéria da ROMANIZAÇÃO no concelho de Castro Daire?
É simplesmente o facto de mostrar uma verdade de La Palice: a história, seja ela local, nacional ou universal, é sempre ma obra inacabada, uma obra em aberto. E toda e qualquer abordagem feita, por mais fundamentada que seja academicamente, a descoberta de documentos ou artefactos novos, podem alterar o que foi “dito e feito” ou, simplesmente, complementar e consolidar tudo isso, até que novas descobertas e abordagens apareçam.
E esses documentos e artefactos podem resultar da laboriosa e cansativa investigação académica, ou do cansativo e laborioso trabalho do camponês de poucas letras que, cavando a sua horta, deixando nela o seu suor, se dá conda da enxada ter batido em algo estranho. E, sentindo isso, curva a espinha, mete os dedos na terra e, sem esperar, tem na mão uma RELÍQUIA HISTÓRICA.
Aconteceu na Relva, freguesia de Monteiras, com o senhor Agostinho Miguel que, no ano de 2007, andando a cavar o seu quintal, junto da sua residência, no sítio do «Oradouro», encontrou um molde céltico lavrado em xisto, sobre o qual já escrevi e publiquei uma crónica ilustrada. (Ver fotos)
Trazer à colação este artefato encontrado na Relva, bem distante de Lamelas, é tão só porque ele se liga, seguramente, aos CELTAS numa fase proto-cristã como sugere o molde da CRUZ nele lavrada e aos CELTAS se ligar também o TEIXO, umas das suas árvores sagradas que, tendo desaparecido ha muito de Portugal, um deles deixou pedaços do sua ossatura em Lamelas de Lá. peças recentemente transformadas em escultura e altar de Santa Bárbara., como direi desenvolvidamente lá mais adiante.
Aconteceu também, recentemente, com o senhor Agostinho da Silva, de Lamelas de Lá, que passeando-se no sítio denominado a QUINTA, descobriu, em 2022, a peça que ilustra esta crónica e da qual irei fazer um vídeo.
É uma peça, cujo metal de cunhagem ignoro, pois não sendo especialista na matéria, tão só conhecedor de que, na antiguidade, tanto as moedas, como as medalhas, podiam ser cunhadas usando os variados metais e ligas, nomeadamente, o ouro, prata, cobre e níquel, ferro, estanho, platina, chumbo e zinco.
Por isso, não me atrevo a dizer qual o metal ou liga em que ela foi cunhada. Mas, mesmo assim, arriscaria ser bronze prateado. Tem sete centímetros de diâmetro e exibe, a olho nu, os maus tratos dados pelo tempo e trambolhões sofridos serra abaixo, por caminhos, cômaros, lameiros, rios e ribeiros.
Dito isto, seguindo o método do professor João Inês Vaz (entretanto falecido) passo a descrever:
No anverso mostra uma cabeça com capacete e penachos seguramente identificado com a “guarda pretoriana”. E no reverso uma águia bicéfala tendo no centro um escudo, esquartelado, cujos elementos em cada quartel não consegui decifrar. No topo, entre as cabeças de águia está uma coroa e um furo, este feito posteriormente, sinal evidente de ter sido utilizada como adorno pendente.
Assim sendo, temos mais uma prova metálica (mais medalha pendente do que moeda) a testemunhar a presença dos romanos neste concelho. E sabendo nós que o imperador Constantino pôs fim à GUARDA PRETORIANA no ano de 312, ciente das ameaças que esse corpo militar representa no império, podemos concluir que esta PEÇA terá sido feita antes desse ano e, perdida ou deitada fora, por inútil, caída ali mesmo ou ali chegada por arrastamento, por aluvião. e Bem andariam os responsáveis pelo Pelouro da Cultura Municipal, se procedessem à sua aquisição com vista a guardá-la e expor no MUSEU com o merecimento que se deve a todo e qualquer DOCUMENTO HISTÓRICO.
Gosto de pesquisar nos ARQUIVOS, aprender com a leitura de manuscritos e estudos impressos, mas gosto igualmente de acompanhar aprender com quem pisa o chão, quem olha em redor, quem do solo arranca estes documentos, seja a cavar uma horta para plantar cebolo, seja vê-los, em passeio pelos campos e serra, e , tão só, apanhá-los à flor do solo.