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segunda, 16 janeiro 2023 18:44

HERÓIS DA SERRA (5)

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HERÓIS DA SERRA (5)

Quem sair de Castro Daire em direção a Lamego pela ESTRADA NACIONAL N. 2 (ultimamente tão badalada), depois de passar a chamada Reta do Comprido e deixar, à direita, o Restaurante Parque, uns poucos metros adiante encontra, à esquerda, derivando para Cinfães, a estrada 221. Um pouco mais adiante, à direita deriva a estrada que leva ao Custilhão e, mesmo em frente, do lado direito, na curva que vira à esquerda, encontra-se, ainda de pé, mas já abandonada, a casa que foi do último GUARDA FLORESTAL. Um pouco mais à frente a A24 entronca na EN2.

 

PRIMEIRA PARTE

Vale Cuterra-2 - Cópia 2Fiz este introito para dizer que, nesta minha perseguição dos TOPÓNIMOS, não obstante o professor antropólogo, Moisés Espírito Santo, no desenvolvido trabalho que fez sobre TOPONÍNIA, nos ter alertado para o quanto eles tem de “aleatório”, eu os persigo sublinhando a sua resistência à erosão do tempo, vencendo, quiçá, a adulteração gráfica feita pelos nossos escribas do passado e do presente. São palavras que nos permitem refazer o passado e/ou acompanhar a exploração agrícola e pastoril serra fora. E bem assim os nomes dos povoados existentes, em 1258 e outros que apareceram depois. Gente camponesa que, à força da enxada e não da espada, como o “Conquistador” D. Afonso Henriques, conquistaram e povoaram a serra, sem necessitarem dos cognomes de “povoadores” e “lavradores”.

mapaNessa perseguição tem hoje cabimento falar de VALE CUTERRE. Aquele vale que chegou aos nossos dias. Ele situa-se ali, um pouco acima de Vila Pouca, entre Custilhão e Vilar. A sua linha de água (sem nome) irriga terras de pasto e de granjeio, antes de desaguar ao rio Pombeiro/Vidoeiro (rio que tenho visto com estas duas designações) que vindo dos lados do Mezio, passa aos pés de Mouramorta, do Vilar e Codessais, onde, há poucos anos, foi feita uma mini-barragem a montante das cascatas da POMBEIRA. Desagua no rio Paiva e se as cascatas da POMBEIRA atravessaram os tempos históricos com esse nome, à semelhança das CASCATAS DO NIAGARA, CASCATAS DO CONGO, CASCATAS DO NILO, muito se estranha que o rio apareça com o nome VIDOEIRO. É, porém, assunto que deixo para os cartógrafos.

Bem ao fundo desta povoação do Vilar, uma boa dúzia de poldras graníticas atravessam o rio, permitindo, assim, a passagem dos peões entre as duas margens. A passagem dos quadrúpedes, carros e carretas, porém, continua a ser a vau, seja de passagem para Lamelas, Vila Pouca ou Castro Daire (e vice-versa), seja simplesmente para carregar matos e lenhas produzidas no chamado Monte da Lapa e tapadas particulares nela existentes.

 

Vilar-PolgrasEsse caminho atravessa obrigatoriamente um complexo de ruínas de casas e cortelhos que foram outrora, seguramente, habitação de gentes e animais. Umas com estrutura de primeiro andar (sobrado e lojas) e outras somente cortelhos ou casas téreas.

Visitei e fotografei esse complexo de ruínas em 2004. E, com a documentação disponível (sem qualquer estudo arqueológico) alvitrei a possibilidade de terem sido uma GAFARIA ou o HABITÁCULO dos 4 monges da Ermida que as INQUIRIÇÕES DE 1258 dizem morar no Vilar, nessa altura.

Mas, neste fazer e refazer a HISTÓRIA, seguindo o princípio já por mim enunciado noutras crónicas, assumindo que a HISTÓRIA, “local, nacional ou universal, é sempre uma obra inacabada, uma obra em aberto. E toda e qualquer abordagem feita, por mais fundamentada que seja academicamente, a descoberta de documentos ou artefactos novos, podem alterar o que foi “dito e feito” ou, simplesmente, complementar e consolidar tudo isso, até que novas descobertas e abordagens apareçam”, parece-me que chegou o momento para carrear para aqui mais informações por forma a valorizarmos toda e qualquer documentação escrita ou arqueológica que venha a produzir-se posteriormente e manter aberto o livro que nunca se fechou, nem fecha.

SEGUNDA PARTE

Com os olhos já cansados de tanta leitura, fito-os, ainda, nas INQUIRIÇÕES DE D. AFONSO III, de 1258, através das quais vejo que os INQUIRIDORES, chegados a Castro Daire, procederam à recolha de informações convenientes ao conhecimento do caminho e ou descaminho que levavam os foros régios. E, lendoa-as a esta distância de tempo, bem podemos dizer que, nessa altura, nesses primórdios da nossa nacionalidade, era um “ver se te avias” entre os moradores a chamarem a si, sem escrúpulos, ou a doarem à Igreja e Mosteiros (qual obra pia) o que ao Rei pertencia.

Estamos no século XXI, fica longe o século XIII, já viveu e morreu muita gente, mas o que não morreu foi o velho hábito de, então como agora, haver gente que, igualmente sem escrúpulos, chama a si aquilo que aos outros pertence.

No momento e para os fins que viso, que é tentar localizar o sítio “dicitur Valle Cuterre” convém colar aqui o nome das “aldeole” que formavam o concelho de Castro Daire. Assim:

2004Maurus Pelagi dixit quod villa de Castro de Ario et Linhares et Faregia et Baltar et Faregias, Felgosa, Felgosia, Moastium, Os Brazos, Covelias et Lamelas et Barrial de Homizio tota iste aldeole sunt de Castro de Ario et suo termino; et villa de Castro de Ario et tote iste aldeole sunt forarie Regis de jugata”.

Vemos, assim que o termo de Castro Daire, em 1258, incluia a “aldeole” de COVELIAS, topónimo, entretanto desaparecido e sobre o desenvolvi uma pesquisa que me levou a concluir tratar-se da atual Santa Margarida, mas que, no século XIX, Joaquim Azevedo, na sua “História Eclesiástica da Cidade e Bispado de Lamego, 1877”, desigou como sendo BERLENGAS.

E porque trago eu COVELIAS à colação? Pela simples razão de que estando focado no topónimo VALE CUTERRA, ele nos aparecer situado no “termo de Castro Daire” como sendo terras de cultivo, assim:

1 - “Dominucus Veegas de Castro, juratus e interrugatus dixit quod Dominucus Petri socro ejus testavit ecclesia de Castro unam leyram forariam regis de jugata in termino de Castro in loco qui dicitur Vallis Cuterri tempore Regis Sancii fratris istius Regis”.

- “Johannis Martini de Covelias juratus dixit quod Maria Veegas de Covelias testavit ecclesia de Castro duas leyras forarias Regis de jugata in termino de Covelias et una jacet in Vale Cuterri, et alia jacet in fine de Rozadas, tempore Domini Regis Sancii fratris istius Regis.

 

paredes1a3 - “Dominucus Johannis de Felgosa juratus dixit quod Leogundina mater ejus testavit tempore Regis Sancii fratris istius Regis unam hereditatem forariam Regis in termino de Castro in loco qui dicitur Valis de Guterri”.

Passadas de fio a pavio, salvo leitura mais minuciosa do que a minha, só estas referências aparecem nas Inquirições de D. Afonso III, de 1258.

Referências ditas e coadjuvadas por pessoas, devidamente identificadas, moradoras nas proximidades, conhecedoras do assunto tratado e capazes de deporem sob juramento perante os INQUIRIDORES que, ao serviço do Rei, registaram os seus trstemunhos.

TERCEIRA PARTE

 Topónimo identificador de propriedades rústicas, sem referência a qualquer povoado ou casal e residirem ali, esta segunda parte incluirá as informações e documentação nova que aportou aos meus arquivos, trazida pela mão solidária de JOAQUIM CARVALHAL, natural do Custilhão, cidadão que, a partir da leitura de alguns livros meus, anotando os nomes de pessoas e lugares dispersos nas suas páginas, resolveu pesquisar por conta própria e, não só confirmar o “dito e o feito”, mas também somar valiosa documentação extra e conexa, por forma a fazer mais luz sobre isso e até a ampliar, significativamente, os conhecimentos que dessa documentação defluem. (Continua)

Abílio/janeiro/2023

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.