Trilhos Serranos

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sexta, 30 agosto 2013 12:14

AUTÁRQUICAS 2013 (2)

Escrito por 

TERMAS DO CARVALHAL 
UM PROJECTO SEMPRE ADIADO (II)

 E é ainda o cidadão que se assina com as iniciais «J.S.» que em três colunas de «A União» continuam a falar das Termas. Assim:
«A causa primordial do estado primitivo em que as águas se encontram é, segundo dizem, a falta de dinheiro.
Havemos de concordar que esse obstáculo não é de pouca monta, todavia não é, de forma alguma, insuperável.
A questão tem a seu favor o elemento fundamental: a riqueza da água. Riqueza bruta, inexplorada, é verdade mas, em todo o caso, é riqueza e riqueza incalculável.
(…)
O que se tem dado com as Águas do Carvalhal é um pouco, salvo seja, do sintoma do marasmo inepto e de relaxamento criminoso. Porque neste caso não é só o Município, em cujas mãos estão as águas, a perder. É também o público, é também a humanidade que sofre e que exigem do semelhante mais diligência e mais decisão no modo de tratar. Ou explora ou dê a explorar.
Consta-nos que tem havido na mente das vereações que têm passado pela edilidade uma certa relutância a qualquer empresário. O nosso povo persiste ainda dominado por muitos prejuízos, por muitos conceitos antigos na atmosfera dos quais nasceu, cresceu e foi educado. Ora, urge ensinar que as maiores fortunas que existem, os maiores empreendimentos e as melhores casas industriais, comerciais e agrícolas que existem, devem o seu principal influxo ao crédito, à exploração ao negócio especulativo.

(…)
É claro que as Águas depois de exploradas dão um rendimento soberbo, um juro que muito em breve pagará o capital.
(…)
Pode haver para os indivíduos razões respeitáveis que muitas vezes impeçam de recorrer ao empréstimo quando este se imponha, mas para as corporações administrativas, para os Estados, a falta dos empréstimos é um erro imperdoável, é mesmo uma péssima administração.
A teoria de que as gerações presentes têm o direito a usufruir todos os benefícios possíveis da civilização, do bem-estar e da facilidade do viver, é um princípio que até hoje não vimos impugnado.

Carvalhal-1-1945-RelatórioAssim como os presentes contribuíram com o seu esforço, com o seu trabalho, com os seus haveres, com as descobertas da civilização, com os primores da educação, para que os vindouros se aproveitassem de tudo isso, justo e legítimo é que esses vindouros compartilhem um pouco do sacrifício e do esforço que tais benefícios e aperfeiçoamentos produziram e eles herdaram. É mesmo dever seu, pois não é moral, não é grato que se receba uma herança avantajada, sem um movimento compensador. E é mesmo económico, pois a experiência prova que aquelas fortunas para as quais nós contribuímos com alguma coisa do nosso suor, da nossa alma são sempre mais estimadas, mais poupadas e mais fecundas do que aquelas que herdamos simplesmente como uma espécie de riqueza de acaso, de sorte, de nascimento, caindo do céu aos trambolhões. Essas, em geral, voam, evaporam-se e raro é que alcancem a 2ª ou 3ª geração.
Portando julgo ter provado que, se amanhã, os habitantes do concelho de Castro Daire que então existirem herdarem da geração presente uma dívida nada terão que estranhar pois, a par dela, herdaram a obra a que o respectivo capital foi aplicado e que se sobra é mais que suficiente para amortizar e solver essa dívida.
E ao mesmo tempo que isto acontece, vamos nós apreciando e gozando um pouco com o dinheiro que há-de ser pago, pelos que hão-de vir» (3)  

E «J.S.» continua nos números seguintes do jornal a discorrer sobre as Termas, sempre no sentido de serem rentabilizadas em prol dos cofres municipais e do bem comum. Assim:

«Se o Município de Castro Daire não saísse da receita e despesa ordinária e da eventualidade normal, sem activo nem passivo de grande monta, podia, na verdade, orgulhar-se d’uma vida espartana, sem desequilíbrios nem comoções. Mas não passaria d’isto. Cristalizava no marasmo, na rotina, alheio ao progresso e às necessidades crescentes da civilização. Podia, na melhor das hipóteses, um ano ou outro juntar alguns contos de reis, provenientes de saldos e com ele abrir um troço d’estrada para esta ou aquela freguesia, fazer fontes e chafarizes, abrir e calcetar algumas ruas, mas obras de fôlego de arrojo e de iniciativa larga, não podia certamente intentá-las. (sugere que a Câmara faça um empréstimo de modo a desenvolver as Termas e diz  (...) Assim o rendimento que há de ser tirado das Águas do Carvalhal, depois as obras necessárias feitas, depois de convenientemente conhecidas e reclamadas tem que chegar para ir, de ano a ano, amortizando o empréstimo, pagar os juros e sair ainda, desse rendimento, uma parte para novos melhoramentos e novas aplicações (...) (4)  

E este assunto só volta às colunas do mesmo jornal em Março de 1913, com o título em caixa alta, e em forma de pergunta “E O CARVALHAL?” e subtítulo «Ou já ou será tarde» O projecto, a meu ver, bem concebido e explicado, ficou perdido na imprensa e é hoje um documento histórico que joga a favor do seu autor e desfavor dos autarcas que lhe não deram ouvidos.  
Não cabe aqui seguir toda a trajectória história das Termas do Carvalhal e ainda que tenha respigado das fontes dados de sobejo para mostrar o quanto elas têm servido de «bandeira política» aos partidos que almejam, mandato após mandato, gerir o Município, ao ponto de, como vemos, os balneários, por decisão dos nossos edis, não passarem disso mesmo, um edifício onde os aquistas e utentes se metem numa banheira, inspiram e expiram o ar das suas águas para desentupir as vias respiratórias,  ou apanham uns esguichos de mangueira, para não falar das moderníssimas massagens, não resta um metro de espaço de lazer, não se vislumbra a sombra de uma árvore, nem há sinais da planificação urbana como protagonizou o cidadão «J.S.» em 1912. Mas cabe deixar aqui, ainda, um novo projecto feito em 1945, sendo presidente da Câmara  o Dr. Luís Azeredo Pereira.

Relatório de 1949-50

Carvalhal-2-1945.Relatório«Ao cabo de alguns anos, foi, finalmente, elaborado o ante-plano de urbanização das Termas do Carvalhal.
A grande demora foi motivada pela falta de planta topográfica e apresentar por uma Comissão, a quem, superiormente, foi adjudicada a execução destes trabalhos em todo o País e que não cumpriu o estipulado.
Uma vez na posse de todos os elementos, alguns por nós fornecidos e das demais peças essenciais para tão importante trabalho, não tardaram os técnicos urbanistas a apresentar, primeiro um esboço do ante-plano, por fim, este, o qual mereceu depois de devidamente apreciado a aprovação da Câmara e do Conselho Municipal.
Foi remetido ao Ministério das Obras Públicas, aguardando-se a sua aprovação.
Esteve patente ao público e dele foi do conhecimento à Direcção Clínica da Estância e às diversas entidades das Termas do Carvalhal. 
Trata-se de um trabalho grandioso, sobre o qual a Câmara emitiu o seguinte parecer que, mereceu o aplauso incondicional do conselho Municipal:
(...)
Merece inteira aprovação, já, porque nele está previsto o futuro desenvolvimento de tão rica estância de águas, quase inexplorada, já porque, o mesmo contém, sem luxos inúteis ou grandezas desnecessárias, tudo o que é essencial e necessário a uma moderna Estância Termal. E porque ainda estão decorrendo as negociações precisas para a constituição de uma empresa com capacidade financeira para a realização e total execução do plano, quer por esta forma quer pelo recurso a um empréstimo, se aquela não tiver viabilidade, disporá a Câmara de possibilidades financeiras para a realização de tão importante e urgente obra”.Para a sua total execução, a fazer em algumas dezenas de anos, necessários se tornam avultados capitais.

 Deste lugar se apela, de novo, para o bairrismo dos castrenses.
Está nas Termas do Carvalhal a maior riqueza do concelho.
Foi lançada a ideia da constituição de uma sociedade.
Forme-se uma empresa com capitais suficientes que de garantias de uma administração séria e proveitosa para o desenvolvimento das Termas, que a Câmara Municipal e o Estado dar-lhe-ão todas as facilidades, fornecendo-lhe as maiores e mais seguras vantagens”.(6)

 Ora aqui deixo matéria bastante de reflexão para os cidadãos que, neste ano de 2013, sendo pretendentes à gestão do concelho até 1917, saibam que as suas decisões de hoje, baseadas nos conceitos económicos e culturais que lhes formata o espírito, vão ser vistas no futuro, tal qual vemos hoje as do passado. Com glória ou sem glória.  

Nota: ainda que numeradas, omiti propositadamente as referências às fontes por saber que existem por aí uns passarões que, não queimando as pestanas a lê-las, se servem das minhas referências bibliográficas e citam os textos como se por eles tivessem sido consultados e lidos. Só por isso.

 Abílio/Agosto/2013

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.