Trilhos Serranos

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quarta, 05 agosto 2020 12:35

GENTE DE FORA, GENTE NOSSA

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IMPULSOS DE AMIZADE

No dia 08-06-2020 alojei no Youtube um vídeo, feito em 1992, que me tinha sido cedido em 2010, há dez anos, portanto, pelo meu amigo Rui Peixoto. Um senhor natural de Azeitão que, com esposa e filhos frequentavam, anualmente, e durante 30 anos as Termas do Carvalhal.

Pragmático, reconhecida a composição química destas nossas águas termais e a necessidade de delas fazer uso, comprou uma casa na aldeia do  CARVALHAL e, com a família, para cá se mudava, com armas e bagagens, todos os anos, em tempo de férias.

1.m.vapor

Interessado em usufruir e pôr a família a usufruir das qualidades terapêuticas dessa nossa riqueza natural concelhia, interessado se mostrou igualmente em conhecer e registar a nossa “história, usos e costumes”. Cirandou por montes e vales, conheceu pessoas e, sabendo-me a pisar o mesmo terreno, não foi difícil chegarmos ao conhecimento e a tornarmo-nos amigos.

Foi nessa qualidade de pesquisa e registo que fez o excelente vídeo a demonstrar a fase do fabrico pão que vai da amassadura à cozedura, lá, nessa sua casa, no Carvalhal, com uma senhora da terra, a Dona Mabília, a meter “as mãos na massa”, a tender as broas de milho, a metê-las no forno, a tirá-las dele, a colocá-las em cima de uma mesa e dar-nos a permissão e privilégio de podermos ver aquele aspeto “rechinado” da côdea e sentir o cheirinho que só conhece quem já assistiu a tarefa semelhante, ou possui a capacidade sinestética de, à distância, ter a sensação de viver, sentir e cheirar a realidade transmitida, assim quentinhas, a pedir faca, manteiga e paladar apurado de gente ligada ao campo que valoriza o trabalho e o suor que dá colocar o “pão na mesa”, desde as sementes lançadas à TERRA MÃE.

2 mata bugalhãoNo filme, para além da protagonista em ação, a Dona Mabília (entretanto falecida) vemos a família Peixoto, a esposa e os filhos do “cameraman” (presente/ausente) que fez a gentileza de me oferecer essa relíquia, esse página de HISTÓRIA, hoje muito solicitada por passantes com vocação folclórica, mas, nesses recuados anos, só para gente com sensibilidade de deixar para a posteridade essa forma caseira de fazer e saborear o pão amassado e cozido à MODA ANTIGA. Farinha saída de moinho hidráulico, amassada no tipo de masseira/armário (que virou peça de museu) e cozido no velho forno aquecido a lenha, património extinto ou em vias disso.

Por uns dias, o padeiro e o pão com o carimbo da indústria moderna, massa enrodilhada nas pás movidas à força da energia elétrica, não entraram na moradia daquela família inteira. Ali no Carvalhal.

Pois.

E tudo a propósito deste casal, acompanhado de um outro casal seu amigo (esposa alentejana e marido transmontano) me darem o prazer de uma visita inesperada e de me fazerem companhia, um dia inteiro, cirandando por TERRAS NOSSAS e circunvizinhas.

3-muralhasOs filhos Peixoto, que no vídeo eram uns jovens estudantes, formaram-se e, pegados nos seus empregos, deixaram os pais livres, mesmo que acompanhando-os à distância, via telemóvel, saibam onde estão e com quem andam. O maravilhoso objeto dos tempos que correm.

Metidos no carro desse meu amigo (cinco ao todo), andámos por aí. Fiz as honras da casa o melhor que pude e soube. Da forma hospitaleira como foram recebidos e do restaurante onde foram servidos,  falarão eles. Do prazer que me deu a sua companhia, falo eu.

Fomos todos ao Santuário da Lapa e, feita a obrigatória visita ao templo (sem passarmos pelo “buraquinho”, vedado que está por cancelas de ambos os lados, fiquei a pensar se essa vedação está desligada ou conectada com  a interpretação pouco canónica dada pelo sociólogo e antropólogo MOISÉS ESPÍRITO SANTO no livro onde magistralmente trata do assunto e associa a saída da gruta ao nascimento de cada crente e órgãos femininos afins. E dá exemplos de outras grutas e outros rituais semelhantes. Explicações de sociólogos e antropólogos, um bocadinho mais sabedores do que alguns especialistas ditos «zeladores do culto», mas nem sempre zeladores da verdade. 

Lanchámos num café do qual sou cliente, desde os meus tempos de caça nos terrenos em redor. Atendeu-nos o atual proprietário, filho de uma simpática senhora que conhecia muita gente do concelho de  Castro Daire que ali fazia romagem anualmente. Faleceu há pouco tempo.

4 muralhas.2Ontem, almoçámos juntos, em Castro Daire, e depois subimos às PORTAS DO MONTEMURO. Ali, ao sítio das velhas “muralhas castrejas” que deram o nome à serra. Ali, onde chegavam os rebanhos da SERRA DA ESTRELA em transumância e pagavam o DÍZIMO à Igreja de ESTER, como se lê nas MEMÓRIAS PAROQUIAIS e eu deixei, em letra redonda, no meu livro “ESTER, PEGADAS NO TEMPO” e numa das minhas crónicas há muito publicada, nesta minha incansável tarefa de “virar frangos”.

E as ruínas das muralhas tinham de vir connosco. Uma das fotos documenta isso mesmo. Estamos sobre o troço do qual estou certo ser pisado por muita gente, sem se dar conta disso. Da obra em si e da história que ali está escrita.

E outro troço, mais uma rara planta - CALDONEIRA/CALDONEIRO - tinham de fazer parte da minha bagagem e, neste ano de 2020, à semelhança de outros anteriores, vir metida no meu bornal.

6- caldoneiraDois seres vivos em vias de extinção. A planta, que vai rareando entre carquejas, urgueiras, sargaços e penedos na serra do Montemuro e o “lobo ibérico” que, na mesma serra e arredores, ainda não se cansou de andar SOZINHO a uivar em defesa do nosso património histórico, natural, edificado, material e imaterial.

Das PORTAS DO MONTEMURO partimos para o mirabolante MIRADOURO DE SÃO CRISTÓVÃO, nas costas de Feirão, a ver Resende.

Para trás deixámos o Rossão, Campo Benfeito, a capelinha do Fojo. Atravessámos a “Ponte Cavalar” sobre o Balsemão, ali, onde o rio ilude o passante que, olhando para um lado e outro, hesita sem saber para que lado correm as águas (vá lá e confirme), passámos Feirão (a antiga terra dos artistas de chapéus de palha) e chegámos a S. Cristóvão.

A serra das Meadas que desce até Lamego e outros montes em redor quase assapam com o peso dos geradores eólicos. Quem duvidar da existência dos gigantes míticos e lendários, abra os olhos e as cancelas da imaginação e da criatividade humanas. São tantos. Tantos a fornecer energia limpa ao mundo. A serra sempre forneceu energia ao mundo. Aos naturais serranos e aos de fora. Durante séculos forneceu energia às aldeias, às cidades, vilas, castelos, mosteiros e casas senhoriais. Ele era a lenha. Ele era o carvão, ele era tudo quando ardesse, tudo o fizesse chama, brasa e desse calor.

S. Cristóvão-2Ao fundo o rio Douro, nesta quadra do ano, sem pressa de chegar ao Porto e ao Atlântico. Diferentemente no Inverno que corre apressado. E os poviléus dispersos pelas encostas e ravinas desta orografia sem símile, poviléus que até ele descem, ou que, em sentido inverso, sobem até aos geradores eólicos, são a marca esbranquiçada dos alçados das casas, e encarnada (dos telhados)  a sobressaírem do verde natural da paisagem. Aqueles edifícios atestam que ali há gente. Aquela gente que, seja a que se vê rodeada dos vinhedos do Douro, a receber subsídios por pipa, graças à área protegida,  seja a que se vê cercada das giestas, penedos e tojos do Montemuro, sem subsídio algum, mantém de pé este PORTUGAL PERIFÉRICO, em tempo de calor e de frio. São os HERÓIS DA TERRA. Homens e mulheres, pais, filhos, avós e netos que, sem cognomes de reis, nem identificados nos compêndios da história pátria, são os autênticos CONQUISTADORES, POVOADORES E LAVRADORES.

Claro que falei de HISTÓRIA, nos nossos reis, da GENTE NOSSA, em TERRA NOSSA e em TERRA ALHEIA por força de ganhar a vida fora da ucha onde nasceu. Os emigrantes. A Desertificação.

E estes dois casais de amigos que, sendo GENTE DE FORA, creio terem ficado um bocadinho mais GENTE NOSSA. Perdão. Já eram GENTE NOSSA, por isso nos visitaram e por isso me deram o prazer da sua companhia.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.