PRIMEIRA PARTE
O texto a que aludo foi rematado com uma fotografia onde eu e os meus alunos, em Castro Verde, estamos em torno de uma NORA, esse engenho que, através de alcatruzes, rodando à força de animal, traz à superfície a água indispensável à lavoura da horta ou do quintal.
Ora, se o texto falava de “A BOLA” e da LOUCURA que melhor símbolo podia eu ir buscar, agora, ligado à agricultura, para ilustrar um MUNDO DOENTE em que, no dizer do camponês, “anda tudo à nora” quando se não resolve um problema premente?
É isso. Nos textos anteriores, mau grado as vidas que a peste “COVID-19” já tinha ceifado no mundo, não deixei de referir “o lado simpático” do “CORONAVÍRUS” evocando o ditado popular: “há males que vêm por bem” manifestando o desejo deste ser um deles. E vaticinei que ele “tivesse vindo para apurar o faro dos nossos cientistas”.
E sim, parece, enfim, que eles, a fazer fé na comunicação social, romperam as barreiras das suas capelinhas e estão a partilhar, como nunca, os seus “segredinhos” para, em cooperação, forjarem uma arma poderosa capaz de combater e derrotar tão inesperado e mutante inimigo.
Tão pequenino e tão grande. Ele não tem o corpanzil do Obelix, não levanta menhires com toneladas de peso, mas, figura invisível a olho nu, microscópica, fez levantar de Changai um avião ANTONOV quadrimotor (um monstro voador) carregado com 80 toneladas de material (500 metros cúbicos) de equipamento destinado à proteção dos profissionais que, nos hospitais, e demais espaços de Saúde, esses pontas de lança no seu combate, esse EXÉRCITO que vai fazendo o que pode para suster o inimigo. Máscaras, luvas, toucas.
De lá, da China, donde partiu o ANTONOV partiu também o CORONAVÍRUS para o mundo inteiro. Poderoso. Pôs aviões em terra. Esvaziou estradas. Fechou fábricas e estabelecimentos comerciais. Discotecas e diversões mais noturnas. Fechou toda a gente em suas casas e pôs fora das cadeias alguns prisioneiros antes da pena cumprida. Poderoso, sem asas como o Antonov, nem voando pelo ar, em menos de nada fez mais pela descarbonização do planeta do que tudo que se fez e escreveu sobre a poluição, o aquecimento global e as alterações climáticas dele resultante.
Mas, neste mundo de investigação, quem tem a certezas? Eu, pelo menos, apesar das louváveis tentativas dos cientyistas, vejo “andar tudo à nora” e não sou suficientemente esperto para me sentar à mesa com quem, neste mundo tão incerto, tanta certeza tem. Visível é o embrulho social de angústia, medo e ansiedade que vitimou a humanidade. Constato uma limpeza em geral (mais nos idosos) e a angústia de médicos e enfermeiros (em Espanha) no dilema de escolherem entre ventilar uma pessoa infectada com 50 anos de idade e outra de 80. Ouvi em direto. Não é uma “fake-news”. Questão essa a que não fugiu o General Ramalho Eanes, um estratega credível nestas coisas da guerra, na entrevista que deu a Fátima Ferreira, no dia 1 de abril, depois do telejornal. Falou de estratégias e táticas. Primeiras linhas, segundas linhas e linhas da retaguarda. O papel de cada uma delas nesta guerra de pandemia. E curioso foi o facto de ele relembrar a falibilidade humana e admitir a possibilidade do VÍRUS ter escapado de qualquer laboratório. Ah! Onde é que eu já ouvi isto, ou coisa semelhante? Já sei. Vou repetir o que escrevi no texto “MUNDO DOENTE (2)”, em 18 de março p.p., referindo-me ao CORONA:
E neste mundo cão, tal “estratega”, escapulido ou não do berçário de qualquer cientista otário (ou menos otário do que sugiro) não deixa de ter, da minha parte, um certo lado simpático, que é obrigar a usar máscara aqueles que, para além de deficiências respiratórias, sofrem da crónica doença da hipocrisia, desfaçatez, falsidade e abuso do poder nas instituições em que têm assento”.
Ora, face a esta realidade mundial, visando esbater os efeitos devastadores da COVID-19 e deixar, aos que me leem, algum conforto, esperança e confiança na vitória da inteligência humana sobre tão malfazejo forasteiro, rematei esse meu apontamento com um texto que escrevi e publiquei, há muitos anos, glorificando a CIÊNCIA, outra que não a BIOLÓGICA. Transcrevo a última parte. Assim:
“Década de setenta. Século vinte. Era dos foguetões em busca de novos mundos novos céus. O mundo não é mais a terra dos Hebreus, a Europa, a África, a América, a Ásia, a Oceânia, a Antártida. A Terra torna-se Lua e a noite torna-se dia. O bobo não acredita mas a grande bola que à volta do Sol gravita é só um pontinho igual a tantos outros dispersos na gramática sideral. Gramática sem a qual, enfim, o livro do Universo por vasto que seja o saber jamais se poderá ler, mesmo sabendo-se grego e latim. Glória...glória...glória ao sonho etéreo dos Romeus apaixonados pelo firmamento, sonho de todos os Galileus, homens de ciência e de pensamento.”
Pois. Quando escrevi eu isto? Foi quando no meu 6º ANO LICEAL, no compêndio de PSICOLOGIA de Augusto Saraiva (há quanto tempo, senhoras e senhores!) li o que dele retirei para ilustração. Estávamos, então, nos anos 60 do século XX, mas, os tempos que correm fizeram um clic na minha memória e, voando no tempo e no espaço, levaram-me a aterrar no compêndio, em Moçambique, e a folheá-lo em busca da “reflexão sobre os valores”. Assim:
“Sábio, poderoso e rico, nunca o homem o foi tanto, ou teve tantas oportunidades de o ser. E contudo, jamais o homem se terá sentido tão desprotegido, ou infortunado, tão interrogativo (e ansioso) quanto ao destino que o presente e o futuro lhe reservam. Como explicar este paradoxo?” (ob. cit. pag. 20)
Lido e estudado nesses outros tempos longínquos, tempos que eu sentia promissores para a humanidade, crente na CIÊNCIA, contrapus àquele tom pessimista do autor a minha glorificação às capacidades do homem, mesmo sem ter ainda o treino e a ajuda da Heurística e da Hermenêutica, que vim a adquirir posteriormente.
No último programa “Prós e Contras” da RTP1, a jornalista Fátima Ferreira muito insistiu para que o virologista Luís Graça, do Instituto de Medicina Molecular, arriscasse um prazo para a existência de uma vacina. Cauteloso disse que talvez “dentro de dezoito meses”, mas não era categórico. O que podia garantir era que nunca, como agora, “houve tanto esforço coordenado entre institutos científicos e outras instituições” no sentido da sua produção.
É isso. Vendo, ouvindo e lendo os especialistas encartados, dado o estado atual dos conhecimentos científicos, leva-me a não ir à mesa lambuzar-me com o manjar cozinhado por cozinheiros que usam o tempero da certeza. Por agora, prefiro a sabedoria do camponês: “anda tudo à nora”.
E sendo assim, que campo lavrado, diferente deste, podia haver mais apropriado à semeadura da “desinformação”, quiçá, “conspiração” contra o “status”, contra os ditos e contraditos neste tempo de clausura, ansiedade, distância social antinatura, e privação do uso das mãos e dedos, as ferramentas primeiras do ser humano? Está visto. Quem não morrer do mal, morre da cura. Nada pode ir contra “a sua natureza”. E o ser humano é, desde a nascença, uma animal gregário, um animal social, comunitário, comunicativo, de afectos, de beijos, abraços e carícias físicas. A clausura, a distância social e isolamento vão deixar sequelas mentais profundas. E o exemplo dos eremitas, fugindo de “século”, aquela solidão levada ao extremo pelos “estilitas” empoleirados nos seus “pináculos” para mais longe estarem do mundo e mais perto de Deus, são pergaminhos poeirentos da HISTÓRIA. E até mesmo o caso de Diógenes metido no seu barril, que eu trouxe a preceito, foi uma filosofia cínica da moda, pois ele não dispensava a deslocação à cidade, ao convívio social e, em qualquer “ágora”, zurzir nos governantes e nas instituições.