A partir desse dia e dessa experiência, passei a ter em grande consideração esses “cavaleiros da estrada”. Na altura, genericamente de «macdam». E ainda hoje tenho em igual conta os mesmos profissionais, sabendo, embora das melhorias técnicas e ergonómicas introduzidas nos veículos, visando comodidade aos condutores e acomodação das mercadorias.
Outra lembrança retida na mochila é aquela em que me vi pela primeira vez sentado numa “Vespa” a convite de um amigo de estudos. Eu tinha mota (HONDA) e ele uma Vespa. Num intervalo das tarefas estudantis convidou-me a ser “pendura” e viver a experiência de montar uma ágil “italiana”. E lá fomos nós, marginal adiante, até à Costa do Sol. Uns bons quilómetros a respirar os ares quentes do Índico. Não seria por muitos anos mais.
Outra foi assentar o rabo na Vespa que o meu irmão Nuno tinha. Ele residia na Caparica. Estava ligado à Marinha e trabalhava num dos seus departamentos da costa. O trajeto entre a residência e o local de trabalho rompeu muitos pneus da “Rodinhas” como ele lhe chamava. Depois disso, nunca mais. A minha opção foi sempre por rodas diferentes. E se hoje trago à colação o “martírio” que foi viajar naquele camião, naquele “mostro” pesado, a par do prazer que foi montar as “italianas» referidas, é porque, ambas as máquinas e os seus condutores têm a minha admiração e respeito.
E depois de fazer o primeiro vídeo sobre as VESPAS que rodaram na ESTRADA NACIONAL Nº 2 - de Faro a Chaves – e do meu ex-aluno António, hoje industrial de padaria, ter feito questão de carimbar o passaporte nos Bombeiros de Castro Verde, onde soubera eu ter sido professor, instituição que, para ser fundada,também recebeu a minha assinatura, prometi a mim mesmo que não me ficaria por aí. A ESTRADA NACIONAL N. 2 tem para mim o fascínio de muitos anos de vida a rodar nela. Em toda ela. Era só esperar pela primeira oportunidade para sobre tais “insetos” eu fazer novo vídeo e nova crónica. E essa oportunidade surgiu no dia 29 de junho de 2019, dia da S. Pedro. Cá estou, pois, a cumprir a palavra dada a mim próprio, apesar de saber haver gente que não cumpre, como deve, o que a outrém promete.
Na altura que fiz esse vídeo, sabendo embora, muito da ESTRADA, pouco sabia de VESPAS, desse mítico veículo motorizado muito usado nos meus tempos de juventude, como já referi. Procurei, pois, fazer o meu trabalho de casa e investigar a HISTÓRIA da “rodinhas”, cuja anatomia se caracteriza por ser encorpada à frente e à retaguarda e adelgaçada no centro, semelhando o inseto que dá por esse nome. E tinha presente que toda a mulher que cuida da sua beleza física procura ter as medidas certas no «busto», «ancas» e “cintura de vespa”, sei lá se para se sentir bem consigo própria, ou para se tornar mais vistosa e apetitosa.
E vem a pergunta: como surgiu, então, ela, a Vespa, e porque e quando recebeu o nome desse inseto tão pouco simpático?
Foi assim:
Depois da segunda guerra mundial, a companhia Piaggio, em Itália, viu-se com os seus aviões destruídos e linha de produção imobilizada.
Ora, como os efeitos destrutivos da guerra se refletiam nas aldeias, vilas e cidades europeias, incluindo as estradas por onde dificilmente fluía o trânsito automóvel, «Enrico Piaggio, filho de Rinaldo Piaggio, decidiu abandonar a produção de aviões e virar-se para o fabrico de um meio de transporte moderno, barato, destinado a apto a rodar nas ruas e estradas destruídas».
E foi assim que, depois de rejeitar a primeira tentativa da MP5 - a Paperino - ele contratou um engenheiro de aviões chamado Corradino D’Ascanio, para redesenhar a scooter. E nasceu a MP6 com o motor montado do lado da roda traseira, de transmissão direta sem correia de transmissão, com pousa-pés, guarda-lamas e aventais dianteiros destinados a resguardarem a vestimenta do seu utilizador. Nem lamas, nem manchas de óleo e outras decorrentes estragariam a roupa do utilizador.
O empresário, ao ver o protótipo do MP6 pela primeira vez, exclamou: “Sembra una Vespa!”. Esta expressão chegou para o batismo. Se “vespa” (inseto) parecia, VESPA (motoreta) ficou e, em vez de voar, ei-la a rodar pelos quatro cantos do mundo, desde 1946. Com efeito, nesse ano, no ministério da indústria e comércio na cidade de Florença, no dia 23 de abril, a “Piaggio & Co. S.p.A”, registou a patente de uma “motocicleta com partes racionalmente aplicadas e elementos da estrutura combinada com o para-lamas e capô cobrindo todas as peças mecânicas do motor.”
E foi assim que este veículo maneirinho, de estrutura singular, capaz de transportar um mecânico envergando um fato macaco manchado de óleo, ou uma noiva vestida de branco, sem qualquer deles ter medo de sujar a vestimenta na sua deslocação, se tornou senhor dos quatro cantos do mundo. Não há continente que não conheça a Vespa, e já agora, por uma questão de justiça, também a sua símile Lambreta.
Sobre a Vespa, eu, que fui projetista de filmes em Tete, que me habituei a ver as grandes figuras do cinema nas telas, a preto e branco e cinemascope, tinha de transcrever para aqui o texto que retirei da Wikipédia. Assim:
Em 1952, Gregory Peck e Audrey Hepburn dividem o assento de uma vespa em passeio por Roma no filme Roman Holiday, resultando em um disparo de vendas da marca para mais de 100.000 unidades. Em 1956, John Wayne descia de seu cavalo para andar de vespa para se deslocar rapidamente entre sets de filmagens nos bastidores de seus filmes. Marlon Brando, Dean Martin e até mesmo a cantora e atriz Abbe Lane compraram Vespas. William Wyler filmou Ben Hur em Roma no ano de 1959 e durante a produção ele permitia que Charlton Heston abandonasse seu cavalo e carruagem para dar uma volta de vespa entre filmagens (...) Existe um museu e loja de presentes da Piaggio adjacente à planta central Pontedera, próximo à Pisa na Toscana. A exibição permanente inclui itens que participaram de exposições tais como o Guggenheim em Nova York e o centro Pompidou em Paris. O local também conta com uma exibição do modelo pessoalmente customizado por Salvador Dalí em 1962”
Por tudo isto é que existe um justificado “revivalismo” pelo mundo inteiro e não são poucos aqueles que, dedicando-se ao culto desse “inseto”, mantém o que herdaram de família ou compram novo, quando não fazem aquisição das que sabem abandonadas e sem vida, numa qualquer garagem, ou ponto de venda, para as recuperar, personalizar e pôr a “zumbir” por essas estradas fora.
Dito isto, acrescento que foi num “vespeiro” desses, com a marca trazidas pelos tempos, claro está, que me meti no dia 29 de junho p.p. para reportar o “XV ENCONTRO” realizado pela “BRIGADA VESPISTA DE CASTRO DAIRE”, sita no antigo campo de futebol do Barro Branco, junto a Lamelas e ao lado da ESTRADA NACIONAL N. 2.
Com rumo a Reriz, Gafanhão, Nodar, Parada de Ester, Eiriz, Mós, Faifa.
O pequeno almoço foi em Reriz. As Vespas pousaram no Gafanhão e os olhos dos seus utilizadores soltaram as asas e voaram por montes e vales a partir do Penedo da Saudade, no Gafanhão. Passada a Ponte de Nodar, sobre o rio Paiva, seguiu-se o almoço em Parada de Ester. E já não foram todas as Vespas que, depois dessa refeição, subiram e zumbiram na estrada que rasga transversalmente a serra do Montemuro, na vertente poente, a escorregar para o rio Paiva, no troço que liga Mós a Faifa. A seguir, na estrada regional nº 321 que liga Castro Daire a Cinfães, os finalistas da jornada dispersaram e cada qual, sozinhos ou em grupo, seguiram rumos diferentes. Era o fim do ENCONTRO, o DÉCIMO QUINTO.
E aqui deixo a identificação dos clubes ou agremiações que marcaram presença, ligadas que estão ao culto da mítica e cintada “italiana”:
Vespa Clube de Guimarães
Vespa clube de Gaia
Vespa clube de Barcelos
Vespa clube de Pinhel
Amigos da Vespa de Resende
Vespa clube de Verin(Espanha)
Vespa Clube da Lixa
Vespinhas do Castelo
Vespas do Marquês
Vespa Clube de Torres Vedras
Vespa Clube da Bairrada
Vespa Clube dos Bandeirinhas
Vespa Almourol
Vespa Clube Caminhos de Santiago
Vespa Clube do Porto
Vespa Clube Paperinos
Vespas do Mondego
Vespa Vintage
Vespas à Nora
Vespa Clube de Felgueiras
Vespa Clube do Minho.
Durante o almoço cada um destes clubes recebeu um trofeu de participação oferecido pela “BRIGADA VESPISTA DE CASTRO DAIRE” atualmente sob a direção de Vasco Alves, António Pinto, Beatriz Lemos, Vítor Loureiro, Sérgio Matos, Fernando Almeida, Ricardo Freitas.
Na sede da Brigada, para além do espaço de convívio, com um minibar e tudo, existe um anexo designado ALBERGUE, destinado a acolher e dar descanso a todo o caminheiro que, a pé ou sobre rodas, transite na ESTRADA NACIONAL n. 2. Quiçá o embrião de futuras e maiores instalações quando, efetivamente esta mítica ESTRADA NACIONAL, que atravessa Portugal inteiro, de Chaves a Faro, se torne tão mítica e tão utilizada, quanto já é a mítica RODINHAS que me foi dado ver, no dia 29, sem necessitar de entrar em qualquer Museu, fechado entre quatro paredes. Rodámos ao ar livre, atravessámos montes e vales, navegámos sobre as ondas deste mar interior, cada vez mais desertificado, mais desnudado de gente e animais, graças às políticas centralizadoras que, há séculos, imperam no país.
Tive o cuidado de fotografar e filmar algumas relíquias dessas, perdidas entre tantas, antigas e modernas, que marcam a sua singularidade. Elas são a prova viva do culto revivalista que, neste primeiro quartel do século XXI, alguns dos seus proprietários lhe dedicam.
E na mochila da minha memória arquivei mais um registo, neste ano de 2019. Morrer e a aprender. Na subida para o Gafanhão, a partir de Reriz, depois de Covelinhas e da Cruz do Braceiro, eu, que deveria rematar a retaguarda do desfile, tive de ultrapassar um «vespista» que, para subir a encosta, não teve outro remédio senão ajudar a companheira que montava, pé no chão aqui, pé no chão ali, à laia de quem anda de trotinete, passada a passada, sabendo do estado cansado do seu motor, sabedor da sua idade, não quis deixar a “velhinha” na garagem e fez gosto que ela se mostrasse e zumbisse serra fora, juntamente com as netas, bisnetas e, sei lá, tetranetas.
Ultrapassei ambos, mas não sem fazer jus ao cavaleiro e à montada. Iam ali dois gigantes da história. Quantos afetos os unem? Quanta dedicação? A “história com gente dentro”. A história que eu escrevo, aquela na qual as coisas, todas as coisas, mais não são do que a nossa “extensão humana”.
VÍDEOS:
PRIMEIRA PARTE: https://youtu.be/fKd8vfqJ7cE SEGUNDA PARTE: https://youtu.be/4o7iNh3a2_Q
TERCEIRA PARTE: https://youtu.be/qem47U2j7BY