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terça, 08 janeiro 2019 11:40

CUJÓ, LASTIMÁVEL “RÉQUIEM”

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CUJÓ - LASTIMÁVEL “RÉQUIEM” (10-05-2011)

Foi em1993 que a Junta de Freguesia de Cujó,  então presidida por Secundino de Carvalho, editou o feu livro “Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva”.

Nesse meu trabalho (feito pro bono) como aliás em todos os mais que escrevi, subordinados à temática da História Local e ao nosso património natural e construído, procurei, não só divulgar a matéria investigada, mas também sensibilizar os meus colegas e conterrâneos a fazer o mesmo, conforme suas possibilidades e sensibilidades.

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PEÇAS DO «HARMÓNIO» («ORGÃO» DESCONJUNTADAS .

 

Vem isto a propósito do que nesse livro escrevi sobre José Pinto Ramalho, um cidadão natural de Cujó, homem que, tendo ficado paraplégico, em resultado da queda de uma obra em que trabalhava em Mões, não se deu por vencido da vida e acabou por deixar nome e obra no domínio das artes.

A ele se deve o projecto em que assentou o corpo da Igreja Matriz, e a ele se devem vários instrumentos musicais, nomeadamente guitarras, rabecas e aqueles pequenos «órgãos sem tubos, com palhetas livres, registos, sistema de foles, teclado e pedal» conhecidos nos dicionários vulgares pelo nome de «harmónios».  Transcrevo desse meu livro, editado em 1993, o seguinte:

«Um deles, foi cedido gratuitamente à igreja local e ainda existe. Não é um harmónio qualquer. Foi concebido e manufacturado tendo em conta as suas funções de acompanhamento no «canto». Pelo processo mecânico do «transpositor» o músico faz a passagem de uma melodia de tons mais graves para tons maus agudos.

Este harmónio ainda existe, dizia eu. Por quanto tempo mais? Sendo um produto artesanal, é um exemplar único no mundo, apesar de poderem existir muitos que com eles se pareçam. Estamos a oito anos do século XXI. Maltratado, sem os cuidados de perseveração que merece, as térmitas vão exercendo nele o seu poder de destruição. É pena! Arrancado do templo e remetido para um compartimento da Residência Paroquial desabitada (o Pároco reside na povoação de Almofala),  é uma verdadeira afronta ao passado, à memória e à arte do artesão e não tardará a receber a extrema-unção.

Onde está a responsabilidade dos moradores, dos membros da Comissão Fabriqueira, dos familiares de José Pinto Ramalho e mesmo daqueles que têm o dever de sensibilizarem as populações para legarem o seu património histórico ao Museu Municipal, quando não podem ou não sabem preservá-lo? Os tempos mudaram. Hoje há licenciados naturais da terra: professores, juízes, advogados, clérigos, para não falar em tantos outros profissionais que tiveram de passar pelos bancos das escolas dos liceus e seminários. Residindo ali, ou não, cabe-lhes mostrar a diferença com pensamentos e obras».

AAF5CA05-253B-4280-8162-520E2368C572TECLADO MORTO, MUDO, SEM VIDA...


Apesar destas minhas advertências feitas em 1993 e dos apelos que fiz oralmente junto das pessoas que conheciam e tinham acesso a essa peça de incalculável valor histórico para a terra, nada se fez. O órgão apodreceu e desmantelou-se.  

Mas eis que, José Maria Duarte Bernardo, mais conhecido por Zé Tobias, há pouco tempo falecido num acidente de viação, no alto de Farejinhas, antes de falecer pôs-me ao corrente de que tinha salvado algumas peças do apodrecido harmónio. Estavam em sua casa.   Lá fui fotografar o que dele resta: pedaços de madeira amontoados, ossos de esqueleto desconjuntado e o teclado donde a «tia» Júlia Teixeira, («tia» Júlia Tibéria) em dias de missa cantada, arrancava os acordes que a sua arte mental e perícia de dedos lhe permitiam.  O que dele resta aqui fica, em homenagem as estas três pessoas: a José Pinto Ramalho, o artífice que, houvera na sua vida o «Programa das Novas Oportunidades» que hoje há, e que por aí distribui diplomas a torto e a direito, ele, sem nunca ter posto os pés numa universidade, envergonharia muitos daqueles que exibem o anel e o diploma de licenciados. À «tia» Júlia do Tibério, por ter aprendido e executado a música sacra que entoava na igreja nos meus tempos de pequenino. Finalmente a José Maria Duarte Bernardo, meu amigo Zé Tobias,  que teve a sensibilidade de salvaguardar e levar para sua casa as «ossadas» da peça que hoje aqui posso mostrar.

NOTA: publicado no velho site. na data supra: 10-05-2011.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.