FADO MENOR
Este é o título do pequeno/grande texto que me entrou, há dias , inesperadamente, mas com agrado, na minha caixa do correio. remetido pelo meu ex-professor Dr. Francisco Cristóvão Ricardo, a residir, atualmente, no Algarve. Meu professor que foi de Português, Literatura Portuguesa e Latim, é uma pessoa da minha estima e consideração. Grato lhe estou por tudo o que me ensinou.
O seu saber subiu até às páginas do jornal «Notícias de Castro Daire», em crónicas várias, mas, sobretudo, naquelas em que, de forma resumida, deixou a biografia de algumas figuras proeminentes da História Universal, com o título «De Viris Illustribus».
Respeitando o título que ele deu ao texto produzido - «FADO MENOR» - eu chamar-lhe-ia «FADO MAIOR», mesmo que ele pretenda, claramente, trazer aos tempos de hoje a «memória de infância», a sua ligação à escola, à alfarroba e educação doméstica da época. Assim:
FADO MENOR
(memória de criança)
Enquanto eu viver, hei de me lembrar sempre da casa dos meus pais, onde vivi toda a minha infância e as minhas primeiras férias escolares.
Hei de me recordar da palmeira que se erguia altiva e soberana, muito verde em frente da casa muito branca.
Hei de me lembrar do cinto do meu pai que me avisou cruamente por eu dizer “já vou”, em vez de “vou já”, ensinando-me a ser educado, obediente e responsável, lição que recordo e recordarei para sempre.
Hei de me lembrar de o ver levantar-se e, solenemente, cortar fatias de melancia ou de melão e dar a cada um a talhada que lhe era devida, todos ansiavam pela sua vez, ordeiramente, embora perguntássemos, em silêncio, chegará para mim?
Hei de me lembrar da voz estridente de meu pai a dizer Fracisco “ao ar”, ele não dizia Francisco para que a ordem “ao ar” fosse mais imperiosa e eu saltava da cama, sem ai nem ui, , e lá íamos nós varejar as alfarrobeiras, é para saberes, se perderes o ano, é o trabalho duro do campo que te espera. Eu queria dizer, mas eu não perdi o ano, eu até tive boas notas, mas não disse que ao pai não se replica.
A taberna era a segunda casa dos homens da minha aldeia. De manhã, patrões e criados passavam pelas tabernas e bebiam um cálice de aguardente, é para aquecer, sabemos hoje que a aguardente não aquece, a aguardente arrefece o organismo, o trabalho com a enxada é que os vai aquecer. À noite, vinham tarde, tinham de passar por três tabernas, uns não resistiam à taberna do Brito, outros passavam sem olhar a taberna do Sabino, o pai não resistia e bebia o seu copo na taberna do Bota.
Lá vinha ele, aos ziguezagues, eu esperava-o lá em cima, na varanda, horas a fio, sabia que os copos de vinho traziam a desarmonia dos meus pais, ele entrava no caminho de acesso à nossa casa, endireitava-se, olhava em frente, passo firme, ninguém diria que vinha com um copo a mais.
Um copo a mais não fazia os pais insultarem-se, nunca se ouviu chamar bêbado, traste, não se falavam até que uns dias depois o pai dizia não torno a beber, juro, e a paz trouxera a minha e a alegra dos meus irmãos, por uns tempos, àquela casa muito amada. Uma das minhas irmãs, sabedora das fraquezas humanas, disse não acredites na jura do pai, mas como é que ela pôde instalar a dúvida na mente de uma criança de 8 anos, sobre o juramento do meu pai?
Pecadilhos todos temos, pecados, talvez não. Por isso, aos domingos e dias Santos de Guarda lá íamos nós na carrinha puxada por um cavalo, a trote, à igreja de São Lourenço à missa do meio-dia fazer as pazes com o Senhor.