HISTÓRIA VIVA
A Póvoa do Montemuro é uma aldeia aninhada na encosta sul da serra de que tomou o nome, lá quase no topo, não longe das Portas.
Segundo as conclusões a que cheguei a partir das Inquirições de D. Afonso, de 1258, ela era a medieval povoação de Gandivao, referida nessas Inquirições, mas mudou de nome algures num tempo que não me foi possível apurar. Publiquei o resultado dessa minha investigação, há anos, no meu velho site «trilhos serranos» e também no «Notícias de Castro Daire».
Dessa aldeia era natural JOSÉ DA COSTA que, com a idade de cinco anos, descalço como a generalidade das crianças serranas do seu tempo, foi incumbido pelo seu pai, Evaristo da Costa, negociante de gado, de levar, de retorno à Póvoa, uma égua que ele tinha comprado na povoação da Pereira, para onde ela fugira, depois da comprada. Indo os dois buscá-la, num fim de tarde, o pai incumbiu o filhote de conduzir sozinho o animal de retorno à Póvoa, mas este, no percurso, virou a norte e não chegou ao destino. A noite caiu, a égua retornou à procedência e o menino ficou perdido na serra a noite inteira, apesar das buscas imediatamente iniciadas pelos populares, mal se deu por falta dele. Foi uma noite de lampiões espalhados pela serra misturados com chamamentos. Mas do menino, nem vislumbre, nem voz, nem eco. Só foi encontrado na manhã seguinte, na vertente norte da serra, a descambar para a povoação de Alhões, encostado a um muro de tapada, por um casal daquela aldeia que cedo partira para os campos.
Com cinco anos de idade, descalço, sem ar assustadiço, disse quem era e de onde era, com a maior naturalidade do mundo. Levaram-no para Alhões e, depois de tratado, todos estranharam o facto de ele não revelar sinal de medo, depois de perdido uma noite inteira na serra. Sem arranhão visível no corpo, perguntaram-lhe se não teve frio, se não se picou nos tojos e se não teve medo dos lobos, que havia muitos na época. Ele respondeu que não, pois esteve sempre acompanhado por "uma senhora que o protegia e, com uma luz, lhe indicava os carreiros para ele não se picar nos tojos".
- Uma senhora protetora com uma luz? Só podia ser Nossa Senhora. Milagre! Milagre!
O facto tornou-se conhecido nas redondezas e, a partir daí, o Zezito passou a ser conhecido por MENINO PERDIDO, alcunha que transmitiu a dois dos seus descendentes. Falei com um deles, neste ano de 2017. Ele contou-me a "estória", seguro de que é mais conhecido pela alcunha que herdou do pai, do que pelo seu próprio nome: António da Costa (foto mais abaixo)
Tendo isso acontecido no tempo em que Portugal inteiro era varrido, de norte a sul, pelo tufão das aparições, com epicentro em Fátima, , recentemente, aquando da visita do Papa aquele Santuário, o caso foi-me revelado por uma pessoa da serra propensa às coisas místicas e milagrosas. Aquilo do menino passar a noite ao relento, sem frio, sem medo e sem um arranhão no corpo, acompanhado por uma senhora protetora de luz na mão a guiar-lhe os passos (a pessoa que me contou isto nem se deu conta de que a senhora da luz o guiou para o lado errado e não para a casa do seu pai, na Póvoa, como era dever de uma protetora) só podia ser milagre. Ele ecoou pelas aldeias serranas e coisa estranha foi não ter havido, na altura, por estas bandas da serra, uma pessoa esperta, iluminada capaz de propagar esse milagre no lugar certo, por forma a que, algures no topo de um destes montes, se erguesse um templo de evocação a "Nossa Senhora da Luz". Tivesse isso acontecido e reconhecido que fosse o milagre por quem de direito, a serra do Montemuro teria, hoje, mais um fabuloso destino turismo e religioso.
"Foi uma pena" - dizia-me essa pessoa.
Não tendo acontecido isso, o menino perdido fez-se homem, assentou praça, voltou à serra e, como tantos outros, cantador à desgarrada. Na cantoria, pelas aldeias e lugares das redondezas, trazia sempre à baila o seu feito heroico ao toque da concertina. E segundo o seu filho, António da Costa, era comovente, pois fazia chorar muita gente.
Os versos que a seguir reproduzo foram cantados por ele, pelo o menino perdido e contados pelo filho, António da Costa, o perdido, que os memorizou desde tenra idade e teve a gentileza de me ajudar a reproduzir a "estória" com a fidelidade possível. Eis alguns desses versos:
Da idade de cinco anos
Pelo meu pai fui abandonado
Até que cheguei aos anos
De ir servir o Estado.
De ir servir o Estado
Com armas de artilharia
Se eu cá tivesse o meu pai
Teria mais alegria
Teria mais alegria
Lá no mapa de Belém
Nós éramos três irmãos
E nenhum nos dávamos bem
Era António e Raquel
E José Perdido também...
e perdidos ficaram os restantes versos da cantoria. Estes aqui ficam a complementar e a dar sentido ao título GENTE DA TERRA, já que fazer jornalismo local/regional não se resume a dactilografar textos num computador, distribuí-los pelas páginas de um periódico e remetê-los à tipografia, com ou sem fotografias. Fazer jornalismo não se resume a tais tarefas. E quem isso pensa, e não se esforça por fazer melhor com vista a corresponder aos anseios dos seus leitores, está, seguramente, condenado a fechar portas. E eu que há décadas tenho dado o meu contributo à imprensa local/regional serei o primeiro a lamentar que tal aconteça. Por isso continuo na pesquisa e a publicar o que interessa à «GENTE DA TERRA»