HISTÓRIA VIVA
Em 2011, com o título em epígrafe, referindo-me ao sítio da Sobreira, arredores de Castro daire, escrevi no meu velho site «.com» um texto que transpus para o novo site «.pt» em 2013, melhorado e ampliado. Hoje repesco parte dele para inserir a foto de um cruzeiro que, nas minhas pesquisas pelos montes, surpreendentemente, encontrei, neste ano de 2017, perdido e solitário na serra do Montemuro, mesmo ao lado do caminho rural que antigamente ligava Mós a Faifa. Um «cruzeiro» simbolicamente «judaico-cristão», como bem demonstra a «estrela de cinco pontas» ali colocada e invertida. E sabido é que o pentegrama era um símbolo cristão antes da Inquisição o associar à bruxaria e, por isso, o expurgar da simbólica cristã. Ora façam o favor de ler o que então escrevi. Já lá vão uns anitos:
«Ali, naquele local antigamente solitário, ermo de medos e clamor de almas penadas, sítio de morte de homem ou de mulher, lugar de arrepios e de fantasmas, de fazer desviar caminho a quem por lá transitasse sozinho; caminho em que, iniciada a passagem, jamais se podia olhar para trás, sob pena de se ser atacado por forças invisíveis e poderosas, das quais só se podia livrar aquele que soubesse riscar no chão o «sino sem mãos», o «sino-saimão» (sanselimão», saltasse para dentro dele e de lá travasse a batalha, gritando pelo Santíssimo, batendo a torto e a direito.
Isto, tal qual me dizem as pessoas da zona que rondam, neste princípios do século XXI, os 70 anos e mais anos de idade. Daí que aquele lugar tenha permanecido na memória dos povos com o nome de Santíssimo.
Superstição ou realidade o facto é que a descrição do fenómeno fez parte da literatura oral durante séculos, condicionou comportamentos e atitudes, e chegou aos nossos dias com a auréola esotérica, mítica e mística que reveste tudo o que aos olhos do camponês não encontra explicação plausível. Não é propriamente por acaso que o Círculo dos Leitrores acaba de dar á estampa um livro do historiador José Matoso, com o título «Poderes Invisíveis, o Imaginário Medieval».
O registo aqui fica, em tempos de Internet, blogues, twiteres e quejandos que permitem aos jovens conhecer o mundo distante, que vivem outras aventuras e medos. Impõe-se , por isso, que eles conheçam também o mundo rural, próximo ou distante, através dos artefactos existentes naquele morro e também os que persistiram no campo arqueológico do pensamento dos nossos avoengos. Se tal se não fizer, à semelhança dos topónimos rurais ligados à identificação das moitas, herdades, hortas, leiras e pinhais, que, por força de serem, desde longínquos tempos idos, fontes de rendimento e sustentáculos de vida, chegaram até nós, mas condenados estão ao esquecimento por virtude da mudança dos tempos e profissões e abandono da agricultura.
(...)
«Sino sem mãos», «sino-saimão!, mas que sino seria esse»? Perguntei aos meus informantes. Resposta pronta: é uma estrela, que parece um sino, com braços e sem mãos».
Rebuscando na memória o tempo em que eu ouvia a missa em latim terminada com o «Ite, missa est», expressão que nós, mal alfabetizados, atentos à sonoridade dela, ignorando em absoluto a língua de Cícero, traduzíamos por «dita missa és», analogamente conclui que o «sino sem mãos», o «sino-saimão» «sanselimão», a estela, era o «sinal sem mãos», o «sinal de Salomão», o «selo de Salomão», o pentagrama, o hexagrama, o símbolo que, a par de tantas outras siglas, prolifera na face das pedras que dão corpo ao edifício da Igreja do Mosteiro da Ermida, edifício que é uma autêntica Cabala por decifrar. Siglas de pedreiros, apenas? Foi chão que deu uvas.
E a esta luz, aquilo que se nos apresentou acima como superstição, literatura oral que preencheu serões de Inverno e povoou o imaginário infantil e adulto das comunidades rurais circundantes, bem pode encontrar um fundo histórico e uma explicação plausível, que nada tem de esotérico. Os Judeus forçados a abandonar a Tora e o Talmude, obrigados a abraçar a Bíblia de Velhos e Novos Testamentos, tornados, à força, «cristãos novos», teriam naquela colina o seu monte Sião, uma das colinas de Jerusalém, a sua própria Jerusalém, ali, onde, a coberto do escuro da noite, como membros do «povo eleito» continuariam a praticar os rituais da sua antiga religião. E os medos e clamores das almas penadas, que se transmitiram tempos fora, de geração em geração, não eram mais do que os medos e os clamores das almas sofridas, sujeitas aos vexames sociais que D. Manuel I procurou resolver com a sua carta de «graça e mercê», dada em Lisboa, a 26 de Maio de 1517.
E se atendermos à primeira e última sílabas da enigmática expressão «sino sem mão», «sino-saimão» = (Si+ão) parece tudo formar sentido.
Vejam o texto original e também o vídeo alojado no Youtube, em 19-09-2011