Trilhos Serranos

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quarta, 12 junho 2013 20:34

OS NOMES E OS ROSTOS

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De currículo público lacrado, recostado nesta minha cadeira da terceira idade, eu mantenho-me sempre atento às gentes que me rodeiam e comigo falam. Esporadicamente leio os "textos" anónimos que falam tanto da política e políticos locais, que nem todos os galos do campo a anunciarem as manhãs. 

Leio e reflito sobre os NOMES e a razão da sua existência. Não é preciso fazer grande pesquisa para sabermos que os "nomes" servem para identificar as COISAS e as PESSOAS

No  que respeita a cada pessoa, o NOME, desde que lhe é posto, passa a fazer parte de si própria. É o sinal primeiro da sua identidade, expressão da sua existência, marca própria que a distingue de outras pessoas, mesmo entre a multidão dos seus homónimos.

Assim sendo, quando esquecemos ou desconhecemos o nome de uma pessoa, usamos frequentemente, os termos "fulano", "cicrano" e "beltrano". E, para os objectos sem nome, usamos, da mesma maneira, os termos a "coisa", ou o "coiso". 

Vem isto a propósito de, neste princípio do século XXI, tempo de saber e de conhecimento, constatarmos a existência de muitos "fulanos", "cicranos", "beltranos", "coisas" ou "coisos" que, à boa maneira do antigo soalheiro aldeão, onde se passavam a pente de piolho as virtudes e mazelas da comunidade, se entretêm a fazer o mesmo na internet, em blogues e comentários ANÓNIMOS. Ou mesmo o infantário onde cada criança, na sua justificada atitude infantil, recusa assumir a traquinice, levantando o braço para dizer: "não fui eu".

Fazem lembrar ainda a não muito antiga e carnavalesca "Funiladela dos Cabaços" que se fazia noite dentro, nas encostas fronteiriças de qualquer aldeia, ocasião em que se punham a nu, as virtudes e os podres pessoais dos habitantes, sem que fossem identificados os delatores. Era a voz da noite. E por ela ficava-se a saber a vida da aldeia, semelhantemente, ao soalheiro, com uma diferença: no soalheiro as pessoas, ainda que criticassem A ou B na ausência dos visados, todos sabiam quem era quem. De contrário , na "funiladela dos cabaços" tudo era dito sob o manto escuro da noite, sob o ANONIMATO e, sendo a voz distorcida pelo funil, os delatores sentiam-se seguros e livres de serem chamados à responsabilidade sobre o que diziam com verdade ou inventado.

É que, usando deste procedimento, estas pessoas sem nome, com clara vontade de serem protagonistas no domínio da política, da economia e da cultura locais, não passam de "fulanos", "cicranos, "beltranos", "coisas" ou "coisos" que mais não fazem do que mostrarem a incapacidade de assumirem responsabilidades e, consequentemente, incapazes e indignos de lhes ser confiado o destino do concelho. 

E é pena, pois vislumbro, em alguns deles, críticas assertivas, ideias, projectos e opiniões que, tivessem elas NOME, os seus autores bem mereciam ser ouvidos, seguidos e, se calhar, escolhidos. Assim não, pois não creio que ALGUÉM, no seu perfeito juízo, aceite e siga o que diz NINGUÉM

Estranha forma essa de exercer a cidadania. Estranha forma "cívica" e "política" de intervir na "res publica". Estranha forma essa de se dar o contributo ao BEM COMUM, por mais bem intencionado que seja quem assim procede.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.