A foto ao lado mostra um desses momentos. Estacionámos propositadamente junto de uma placa de trânsito indicativa: faltam 10 quilómetros para chegarmos à RÉGUA. Foi uma das nossas viagens, de férias ou de passeio, que a vida nos proporcionou fazer juntos, no verão. Já crescidos, os meus filhos, por força dos estudos, primeiro, e profissão, depois, educados para assumirem a sua autonomia, independência e responsabilidade dos seus atos, ficaram-se lá pela capital e por lá constituíram FAMÍLIA. Ambos me deram descendência e, ainda que agora (filhos e netos) metidos nos seus carros, façam mais uso das autoestradas quando me visitam, posso dizer que eles cresceram a rodar na ESTRADA NACIONAL N. 2 e suas derivadas, tanto ao sul como ao norte do Tejo.
As fotos que se seguem são documentos autênticos que atestam a minha relação com esta via rodoviária no inverno e no verão. Estas últimas tiradas em tempo de neve, elas aqui ficam a recordar o manto branco que cobriu a serra do Montemuro e arredores no ano de 2008.
Em dias diferentes, sozinho na viatura, meti rodas à estrada e fui fazer um vídeo (mais um documento) pois nevões desse volume, só na minha juventude. Para executar tal tarefa fui obrigado a fazer, simultaneamente, três em um: a) condutor; b) operador de câmara; c) locutor. Não sem correr algum risco. Mas cedo aprendi com o meu pai, que «quem não arrisca não petisca». E não arriscasse eu, o vídeo não seria feito nem partilhado com todos os que fazem vida lá pelo mundo das alcatifas e dos ares condicionados, longe da serra, das suas cores, nuances e sabores. Alojado no Youtube, dele foram retirados os fotogramas em andamento que aqui apresento, seja o que mostra o dia em que nevava e me cruzo com outra viatura com as luzes acesas, seja dois dias depois, com o céu limpo e a neve assapada no chão, obrigando ratos e repteis a buscar refúgio nas profundezas.
Só uma delas foi tirada com a viatura estacionada, à margem da estrada. Era o rodinhas, o baixinho, como alguns amigos meus lhe chamavam. E mal ficaria eu se, neste apontamento, não deixasse o retrato daquele que foi meu companheiro de aventuras durante dez anos. Já não é propriedade minha, mas integrado está nas minhas memórias e afetos. É a condição humana desta nossa relação sadia com o mundo, com as coisas e com as pessoas. Elas, mesmo ausentes, com mais ou menos nitidez, com maior ou menor significado, fazem parte de nós, comungam da nossa identidade.
Não fora assim e estes apontamentos não teriam razão de ser. Não passariam de um exercício de escrita. E escrever sem significado, escrever exclusivamente para entretengas não é meu feitio, nem está nos meus propósitos. Sabem-no todos os que me dão provas, públicas ou privadas, de lerem pacientemente o que vou escrevendo e filmando. São poucos, é certo, mas esses me bastam, tanto mais que dispensados estão de frequentar esta página todos os que têm apetência por uma certa imprensa matinal, aquela que substituiu os antigos ceguinhos sempre presentes nas feiras, festas e romarias a cantarem as misérias do mundo: «o pai que violou a filha, o comboio descarrilado, o homem que matou homem, a vaca que caiu ao poço». Temas e leituras que correspondem à exigência do soalheiro e à bitola do falatório de bairro.
É isso! A outro nível de exigência só me leem e apreciam aqueles que, vivendo longe daqui, no país ou no estrangeiro, por força de ganharem a vida, me agradecem que eu leve até eles pedacinhos daquilo que sentem como seu: a nossa serra, a nossa gente e, no caso presente, a nossa ESTRADA NACIONAL N. 2. Todos os que têm a lucidez e a cultura suficiente para saberem que a cidadania, a solidariedade e a política se exercem de formas várias, sem a necessidade de sermos Presidente da Câmara, Presidente da Junta, Regedor ou Cura de Paróquia. E há pessoas que, infelizmente, pensam isso, sem se darem conta da sua tacanhez cívica.