Trilhos Serranos

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quarta, 23 novembro 2016 15:15

ESTRADA NACIONAL Nº 2 (SEXTO APONTAMENTO)

Escrito por 

A ECONOMIA, OS AFETOS, AS PESSOAS E OS POVOS

No último apontamento mostrei a minha relação afetiva com esta via rodoviária que liga Portugal de lés a lés no sentido longitudinal: CHAVES-FARO. Referi os quilómetros que, há anos, rodei sobre ela vencendo a distância que separa Castro Verde/Castro Daire e vice-versa, ao volante da minha carrinha Citroen Dyane. Ilustrei o texto com uma foto  tirada num momento de pausa, à sombra de um sobreiro no Alentejo. Eram os meus filhos mais bebés do que são hoje os filhos deles: os meus netos.

 

Nessa altura, subir e descer a serra do Caldeirão de Castro Verde até Faro, Portimão, Albufeira outras praias algarvias,ou rodar 500 quilómetros de Castro Verde até Castro Daire, essa estrada, quer virado a sul, quer virado a norte, era para mim uma espécie de rio principal onde desaguavam vários afluentes pelos quais eu, virado a norte, impelido pelos afetos e voz do sangue, fazia os desvios necessários para  visitarmos alguns dos meus irmãos e família que moravam em Lisboa (o António), na Caparica (o Nuno) e Santa Iria de Azoia (a Elisa), uma aventura que, lembrando-a com a idade que tenho, jamais faria hoje. Acredite quem quiser: a idade, à medida que os anos vão passando, vai-nos despojando do risco da aventura, da coragem e do gosto de conhecer o mundo, para, sorrateiramente, substituir tudo isso pelo medo,  pelas indecisões,  pelos  receios e até pelo desinteresse do mundo

Mas este apontamento é para dizer que os quilómetros da ESTRADA NACIONAL N. 2 que vão de Castro Daire a Chaves, aqueles que nessa altura não pude conhecer,  não estavam excluídos do meu interesse e desejo de conhecimento. Era tudo uma questão de tempo. E o tempo chegou quando, em 1983, regressei definitivamente ao meu concelho de origem ao ser colocado na Escola Preparatória de Castro Daire. 

Lamego ao Fundo-1994 - rEDZNessa situação,  sempre com a família nuclear dentro da Dyane, mais a cadela Diana que se juntou à prole, de agulha virada a norte, as viagens a Lamego tornaram-se frequentes, bem como às aldeias, cidades e vilas nortenhas, onde houvesse Parques de Campismo.    

Ainda a viver no Alentejo, por iniciativa da minha mulher,  adquirimos todos os apetrechos de campismo (uma tenda canadiana para casal, duas individuais, sacos cama e tudo o mais necessário a esse tipo de turismo cá dentro) que foram estreados no Parque de Vila Nova de Mil Fontes,  situado perto da praia com pequenas lagoas entre areais, um mimo para as crianças brincarem na água em segurança. Sei, com alegria, que netos meus já se foram banhar ali, onde se banharam os seus pais pequeninos sob a vigilância do pai e da mãe.

Já em terras do norte de Portugal, de acordo com as nossas posses e gostos (quantas vezes os gostos são ditados pelas posses?) prosseguimos nessa forma de fazer turismo cá dentro e de conhecer o país, sem recurso a Agências da especialidade, sempre prontas a impingirem o que mais lhe convém, de preferência lá fora. 

Um dos primeiros destinos foi o Parque da Cerdeira, no Gerês. Vários acessos ali confluíam e vários foram osGerês -REDZ acessos que a Dyane (enquanto não foi substituída pelo Fiat Ritmo e este pelo Ford Fiesta) rodou sem se recusar nas subidas,  nem nos trair nas descidas. Umas vezes o trajeto seguido até lá era Castro Daire, Lamego, Régua, Santa Marta, Vila Real, Chaves, Braga, Gerês. Outras encurtava-se caminho indo por Boticas e outras ainda de passagem pelas Fisgas do Ermelo, no Parque do Alvão. De regresso, quase sempre por Amarante, travessia do Marão, Régua, Lamego, Castro Daire, já que, fossem quis fossem os caminhos escolhidos, eles eram como rios afluentes que desaguavam, infalivelmente, na ESTRADA NACIONAL N. 2.

Mas o Parque de Campismo onde montámos tenda várias vezes foi o de Vila Flor, a poucos quilómetros de Mirandela. Ele prestava-se a conhecer as redondezas. Subir aos rebordos daquela caldeira quente e naquele planalto transmontano, terras de cultivo e de oliveiras, estevas floridas, eu e a minha mulher alentejana sentimos e respirarmos um pouco do seu e do meu Alentejo distante. 

Estevas-Mirandela REDZE, acampados nos arredores de Mirandela, obrigatório se tornava descer a histórica linha férrea do Tua, a partir daquela cidade e a ela retornar com a bagagem abarrotada de paisagem histórico-turística, de geografia humana ímpar, pintada com o labor humano visível e presente na imensidade de socalcos que subiam e desciam as encostas, caminhos sinuosos a levarem a quintas, aldeias, casas e casebres dispersas, abrigos de gente e animais.

E não esqueço, aquela vez que, deixando o Parque de Vila Flor, subimos à cidade de Bragança com vista a acamparmos na serra do Montesinho, junto do rio Baceiro.

Não. O sítio não agradou. Sem hesitarmos rumámos imediatamente para o Parque da Cerdeira, no Gerês, já nosso conhecido.

Hesitar por quê? Se eu, durante anos, num só dia,  vencia os 500 quilómetros que separavam Castro Verde de Castro Daire, o que me custava, nessa idade, fazer uma viagem de través, de Bragança até ao Gerês? 

Desta vez coube ao Ford Fiesta romper o trajeto, conhecer as subidas, descidas, curvas e contracurvas das estradas do norte. Fazê-lo, de uma assentada, não é pera doce para grávidas ou para quem enjoa em viagem. Com a responsabilidade de quem tinha quatro vidas nas suas mãos,  respirei fundo quando cheguei a São Bento de Porta Aberta, em Terras de Bouro. Dali ao Parque da Cerdeira, era um salto. Estava em casa. E escusado será dizer que, armada a tenda, não foram precisos comprimidos para adormecer.

Vários foram os Parques de Campismo onde armámos tenda. Lembro os da Praia de Mira, de Braga, da Senhora da Penha, em Guimarães. Sendo que o último onde acampámos foi o Parque de Caminha, Moledo.

Braga-1996 - REDZPara lá chegar coube  ao Ford Fiesta a tarefa de subir e descer Serra de Arga. De Vila Praia de Âncora a Caminha o carro esqueceu o esforço a que  se viu sujeito na travessia da Serra de Arga, do São João d'Arga, tantas vezes referenciado nos divertidos e alegres cantares minhotos. No itinerário, depois de acampados, seguia-se a exploração das praias próximas e tudo o que em redor despertava o interesse de um casal formado em História. E a viagem até Valença, a travessia do rio, a chegada a Tui  e a compra do pechisbeque do costume. No estrangeiro compra-se sempre algo necessário ou desnecessário. Uma simples lembrança. E lembro que a Praia de Moledo estava ventosa e desamparada. 

Esgotado que foi este tempo de férias (quem iria adivinhá-lo?) esgotado estava o tempo desta nossa forma de fazer turismo e de conhecermos o país, em contato direto com a natureza. Conhecermos as diferentes paisagens naturais e humanas que constituem o Portugal que somos. O património histórico natural e construído. Património material e imaterial.

Findo esse tempo, foi o retomar ao ponto de partida. Foi o retomar as estradas que, fosse qual fosse a escolhida, desembocava sempre na ESTRADA NACIONAL N. 2, aquela que, desde o Império Romano,  levava a Castro Daire. Aquela que, por força da modernidade, da construção das vias rápidas e autoestradas, se viu sem trânsito, sem movimento e vida. Mas atrás dos tempos, tempos vêm. E parece que ela está prestes a ser olhada agora como artéria necessária à circulação de sangue novo e dar vida nova às povoações e lugares por onde passa. 

Decorria o ano de 1996. Era o mês de agosto. Regressámos salvos a casa. Digo salvos, diferente sãos e salvos.

Nesse ano, limpa e dobrada a tenda de campismo, ela jamais de abriu. E tal se deveu à ingratidão da natureza. Ela mostrou-se bem pouco reconhecida para quem deu tantas provas de a amar e gostar de usufruir e partilhar as suas belezas numa forma de vida simples: o campismo. Prematuramente, em fevereiro de 1997,  essa mesma natureza (que no seu ventre gera vida, a beleza, a fealdade e morte) resolveu, malignamente, fechar os olhos da grande entusiasta desta forma de passar férias e de conhecer o país fora dos livros: a minha mulher, MAFALDA, mãe dos meus filhos. 

Foram muitos anos de vida a rodarmos todos na "ESTRADA NACIONAL Nº 2" e afluentes, razão sobeja para lhes dedicar algum do meu tempo e, recorrendo às fotografias e à MEMÓRIA, sublinhe, nestes meu APONTAMENTOS, a sua importância histórica na vida das pessoas e na economia dos povos. 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.