O texto que deixei nesta página relativo à multa de €60 euros que tive de pagar recentemente por presumivelmente ter infringido o« artº tal e tantos» do Código da Estrada, levou a que me aconselhassem a recorrer para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), conselhos que me recusei a satisfazer por dever de princípio que, qual «chip» de identificação, me foi introduzido sob a pele e faz parte da minha personalidade e do meu carácter.
Ser consequente connosco próprios nem sempre é fácil e, em boa verdade, nem sempre é possível. Mas quando isso pode ser, mantenho-me fiel ao que sempre fui e ao que publicamente tenho assumido, tanto contra a CENTALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E POLÍTICA DO PAÍS, quanto ao excesso de BUROCRACIA que atrofia o desenvolvimento e tolhe a cidadania, mesmo que certos departamentos sejam criados para manter um certo número de lorpas, em nome da defesa dos nossos direitos.
Veja-se o texto que publiquei no jornal «Notícias de Castro Daire», tal qual se segue:
«BUROCRACIA (*)
Depois do trabalho, o estudo.
Depois do estudo, o trabalho.
Num só dia eu faço de tudo
Num só dia apanho e malho.
Lutando para ser o que não sou, seguindo a natural tendência que só agora se concretizou, trabalho e estudo ao mesmo tempo. E, contra a vontade dos chefes, misturo artigos, decretos-leis, despachos, expediente de secretaria com sonetos, redondilhas, poesia, batalhas, dinastias de reis, nobreza, clero, escravos, magarefes, literatura, história, filosofia, matemática, química, ciência e grandes correntes do pensamento.
Sou um estudante trabalhador, não gosto da burocracia! E, porque antes não pôde ser, tive de esta opção tomar já fora da idade escolar. A sabedoria dos carimbos quis deixar aos burocratas, ciosos de um saber recheado de ofícios, despachos, publicações nos diários oficiais, circulares e notas confidenciais dos chefes zelosos e «normais» sobre os subordinados rebeldes e não capachos.
Férias, praia, lazer, onde estão?
Cansado sim, mas não vencido, a vontade serve-me de aguilhão à recuperação do tempo perdido. E lá foram o primeiro ciclo, o curso geral, o complementar, a universidade, tudo de seguida. Todos me consumiram anos de vida sem de cábulas e cunhas me servir. A minha luta não foi inglória. Estudei a economia, a ordem social dos humanos e dos símios. Casamatas palácios, mosteiros, templos, castelos, sinantropos, pitecantropos, homo eretus, homo sapiens, a vida sob todos os aspetos, muito saber encadernado em livros, sebentas e separatas.
Durante anos, meses, semanas a estudar queimei as pestanas confiante na minha caminhada. E sem dar passo nem cancha à toa, hoje uma batalha, amanhã uma vitória, acabei licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa.
Satisfeito por me ter libertado, do mar de carimbos, da papelada e de toda uma hierarquia incomodada por cada passo que dava em frente, cantei hinos, cantei hosanas à minha libertação. Finalmente mudei de emprego e de Ministério, onde todos os meus colegas e superiores se arrogam o título de doutores.
Satisfeito por me ter libertado duma chusma de mangas de alpaca? Sim, mas que erro meu! Num país de burocratas, onde todos impõem o seu critério - «inda falta esta papelada!» - onde em qualquer ministério, com ministro ou com ministra, um requerimento dirigido a Sexa, pedindo um direito e não um tacho, chega à coisa sinistra de passar um ano sem despacho - e no serviços ninguém se vexa - devo concluir, de bom siso, que não me libertei, afinal da terrível máquina infernal da burocracia. Antes e depois, sempre, enredado estou, numa floresta imensa de papéis onde se misturam artigos e leis porque outra coisa não presta aos seus agentes. Enredado estou, como toda a gente, na sabedoria dos pataratas, já que estes nossos sapiens burocratas, na floresta da burocracia em que vivem, saboreando os papeis, coisas tais, iguais e tantas, só me lembram os primatas a deliciarem-se com o arroto a folhas e plantas, depois de abarrotadas as suas insaciáveis panças.
Depois do trabalho, o estudo.
Depois do estudo, o trabalho.
Num só dia eu faço de tudo
Num só dia apanho e malho.
(*) Texto sugerido e escrito pelo «Simplex» criado em 2006.