Trilhos Serranos

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sábado, 09 julho 2016 16:00

TRÂNSITO EM CASTRO DAIRE

Escrito por 

 

O texto que deixei nesta página relativo à multa de €60 euros que tive de pagar recentemente por presumivelmente ter infringido  o« artº tal e tantos» do Código da Estrada, levou a que me aconselhassem a recorrer para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), conselhos que me recusei a satisfazer por dever de princípio que, qual «chip» de identificação, me foi introduzido sob a pele e faz parte da minha personalidade e do meu carácter.

 

Burocracia-3 - Red

Ser consequente connosco próprios nem sempre é fácil e, em boa verdade, nem sempre é possível. Mas quando isso pode ser, mantenho-me fiel ao que sempre fui e ao que publicamente tenho assumido, tanto contra a CENTALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E POLÍTICA DO PAÍS, quanto ao excesso de BUROCRACIA que atrofia o desenvolvimento e tolhe a cidadania, mesmo que certos departamentos sejam criados para manter um certo número de lorpas, em nome da defesa dos nossos direitos.

 

Veja-se o texto que publiquei no jornal «Notícias de Castro Daire», tal qual se segue:

 

 

 

«BUROCRACIA (*)

Depois do trabalho, o estudo.

Depois do estudo, o trabalho.

Num só dia eu faço de tudo

Num só dia apanho e malho.

Lutando para ser o que não sou, seguindo a natural tendência que só agora se concretizou, trabalho e estudo ao mesmo tempo. E, contra  a vontade dos chefes, misturo artigos, decretos-leis, despachos, expediente de secretaria com sonetos, redondilhas, poesia, batalhas, dinastias de reis, nobreza, clero, escravos, magarefes, literatura, história, filosofia, matemática, química, ciência e grandes correntes do pensamento.

Sou  um estudante  trabalhador, não gosto da burocracia! E, porque antes não pôde ser, tive de esta opção tomar já fora da idade escolar. A sabedoria dos carimbos quis deixar aos burocratas, ciosos de um saber recheado de ofícios, despachos, publicações nos diários oficiais, circulares e notas confidenciais dos chefes zelosos  e «normais» sobre os subordinados rebeldes e não capachos.

Férias, praia, lazer, onde estão?

Burocraia-2 - RedCansado sim, mas não vencido, a vontade serve-me de aguilhão  à recuperação do tempo perdido. E lá foram o primeiro ciclo, o curso geral, o complementar, a universidade, tudo de seguida. Todos me consumiram anos de vida sem de cábulas e cunhas me servir. A minha luta não foi inglória. Estudei a economia, a ordem social dos humanos e dos símios. Casamatas palácios, mosteiros, templos, castelos, sinantropos, pitecantropos, homo eretus, homo sapiens, a vida sob todos os aspetos, muito saber encadernado em livros, sebentas e separatas.

Durante anos, meses, semanas a estudar queimei as pestanas confiante na minha caminhada. E sem dar  passo nem cancha à toa, hoje uma batalha, amanhã uma vitória, acabei licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa.

Satisfeito por me ter libertado, do mar de carimbos, da papelada e de toda uma hierarquia incomodada por cada passo que dava em frente, cantei  hinos, cantei hosanas à minha libertação. Finalmente mudei de emprego e de Ministério, onde todos os meus colegas e superiores se arrogam o título de doutores.

Satisfeito por me ter libertado duma chusma de mangas de alpaca? Sim, mas que erro meu! Num país de burocratas, onde todos  impõem o seu critério - «inda falta esta papelada!» - onde em qualquer ministério, com ministro ou com ministra, um requerimento dirigido a Sexa, pedindo um direito e não um tacho, chega à coisa sinistra de passar um ano sem despacho - e no serviços ninguém se vexa - devo concluir, de bom siso, que  não me libertei, afinal da terrível máquina infernal da burocracia. Antes e depois, sempre, enredado estou, numa floresta imensa de papéis onde se misturam artigos e leis porque outra coisa não presta aos seus agentes. Enredado estou, como toda a gente, na sabedoria dos pataratas, já que estes nossos sapiens burocratas, na floresta da burocracia em que vivem, saboreando os papeis, coisas tais, iguais e tantas, só me lembram os primatas a deliciarem-se com o arroto a folhas e plantas, depois de abarrotadas as suas insaciáveis panças.

Depois do trabalho, o estudo.

Depois do estudo, o trabalho.

Num só dia eu faço de tudo

Num só dia apanho e malho.

(*) Texto  sugerido e escrito  pelo «Simplex» criado em 2006.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.