Trilhos Serranos

Está em... Início Crónicas CUJÓ - MEDICINA CIENTÍFICA - 2
quinta, 12 maio 2016 13:53

CUJÓ - MEDICINA CIENTÍFICA - 2

Escrito por 

 

 VETERINÁRIO CASEIRO

Falei no papel desempenhado pelo meu pai Salvador de Carvalho no que respeita aos primeiros socorros disponíveis em Cujó, nos meados do século XX.

Casa antiga-1 - RedMas injusto seria eu não lembrar aqui o saber e a experiência  daquele senhor da família dos Esteves (julgo que era apelido e não sei o nome da família) que morava naquela casa com o aspeto mais primitivo da aldeia ou nas casas contíguas. Não sei bem. Sei que um grande portão servia de entrada comum, ali, do lado esquerdo, de que vai para a Igreja, depois de passar os tanques dos «Paivas», onde existia uma figueira a desafiar a mão lampeira, já que lampos eram os figos. . A frente da casa, virada para o Moinho da Ponte, ou para o Lamaceiro aqui fica nesta foto.  
Sendo o meu pai «entendido» em pessoas, não o era em animais. E em Cujó, quando adoecia um animal, o seu dono logo recorria ao saber e experiência desse senhor. Creio que eram dois irmãos. Mas deixo isso em aberto, à espera do contributo dos conterrâneos que se lembrem melhor do que eu.

Eu lembro-me de uma vez ele ter ido a minha casa tratar de uma vaca nossa, chamado pelo meu pai. Ele, rodeou o animal,  mirou a vaca no seu todo, abriu-lhe a boca, inspecionou a língua, puxou-lhe as pálpebras para cima e para baixo e, de seguida, mandou preparar uma mistela, não sei com quê. Só sei que levou azeite. Depois de tudo preparado dentro de uma garrafa de vidro, inclinaram a cabeça do animal para cima e com o gargalo da garrafa metido num dos lados da boca, obrigaram a vaca  a emborcar a mistela toda.
Não sei se foi disso ou não. Sei a que a vaca melhorou e dispensou a chamada do veterinário.

oferta-RedzEra assim em Cujó, no tempo de pouco dinheiro e de muito saber empírico. Tempo em que se pagava tudo, ou quase tudo, em géneros e em géneros se contribuía para peditórios da mesma maneira.

Anexo ao «censo» da população manuscrito em 1970, quando a Junta de Freguesia era formada por Zeferino Gonçalves, Francisco Duarte e José Duarte da Silva, aparece uma relação de bens doados, como mostro na foto ao lado. É um documento que me foi oferecido por Zeferino Gonçalves, tal como a escritura dos «prazos» feitos em 1817 (mil oitocentos e dezassete) a José  Pereira Vaz e mulher  (prazos de três vidas, como já falei noutras crónicas) com a assinatura do  protonotário do Convento das Chagas de Lamego.O Zeferino Gonçalves, dizia eu,  oferecendo-me tais papeis acrescentou que a «tenda quer-se na mão de quem a entenda». E ao fazê-lo ele sabia que, mais tarde ou mais cedo, eu iria aproveitar o seu conteúdo para falar de Cujó, a nossa terra.  Não tivesse ele feito isso e tais papeis teriam ido seguramente, parar ao lixo,  sítio que comeu a  história do nosso povo, documentos certamente, de mistura com os baralhos de cartas (ditos livros de 40 folhas que todos sabem ler muito bem desde pequeninos) que, depois de gastos, para nada serviam já. Ontem e hoje.

A sua atitude permite-me, passado tanto tempo,  mostrar aos amigos parte  da HISTÓRIA da nossa terra. No presente a experiência e saber daquele nosso «veterinário caseiro»  e também como os nossos conterrâneos se mostravam solidários perante um qualquer peditório. Cada um contribuía com o que podia e se não havia dinheiro, dava-se 1(um) ou mais litros de milho ou centeio. O texto não especifica o género, mas quem, como eu, viveu esses tempos, sabe que  só podia ser isso ou «feijão», pois vinho só catovo (americano)  e azeite, nem cheirá-lo. Esse só quando, ido de Castro Daire,  chegava o azeiteiro com as cangalhas em cima do macho e, ao som da sua corneta pelas ruas da aldeia, as «mães» corriam até ele com as «almotrigas» debaixo do avental a comprar a quantidade  que pudessem. e necessitassem.

 

Ler 1609 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.