Já vimos o sabonete que a Dona Maria José, pessoa de poucas letras, deu a uma jurista encartada, isto é, à advogada da ré esposa, Drª Joana Sevivas, quando esta insistia que lhe dissesse o número de vezes. Que tinha visto «sim senhora», mas não tinha contado as vezes, por isso não sabia e nem adivinhava sequer se «questã» iria parar ao tribunal, senão «tinha-as contado». Resposta onde vi o assentimento implícito da Magistrada ao dizer-lhe que se adivinhasse «levaria um caderninho e tomaria nota, não era?».
Claro que subjacente a estas teimosas perguntas estava a tentativa de obtenção de prova em tribunal de que, embora por ali passassem as pessoas que, com consentimento meu, utilizavam o logradouro e quintal nas traseiras da minha casa, eu, professor, ligado à caneta e não à enxada, virado para a escola e não para o campo, como proprietário que era não passava por ali e, em consequência, adeus direito de «usucapião» reivindicado nos autos.
A tal respeito, a moeda saiu furada a ambos os mandatários dos RR. É que se a mandatária da Ré pôs o enfoque no «número de vezes» que me viram ali passar, o mandatário do Réu, apesar da testemunha, Leonel Ferreira, antigo proprietário da moradia, ter dito, repetidamente, que 90% da serventia daquela casa se fazia por ali, indagava o porquê de se passar pela «eira» e não pela frente. As respostas saíam prontas e convictas: por ali era mais perto, mais funcional, mais directo.
Os dois mandatários viram goradas as suas tentativas na primeira instância. Mas insistiram na segunda, recorrendo. O caminho escolhido estava errado, pois mesmo que as testemunhas não me tivessem visto lá passar (que não foi o caso) quem demonstrou, juridicamente fundamentado, que a via escolhida para obtenção dessa prova estava errada, foi o Meritíssimo Juiz Desembargador, relator do acórdão saído do Tribunal da Relação do Porto.
Já referi antes o saber e a perspicácia deste magistrado patente no tocante ao conhecimento dos «usos e costumes» rurais. Magistrado cuja sabedoria, seguramente, o obriga a levantar os olhos do enrodilhado símbolo do parágrafo único, (dois «S» entrelaçados) e a olhar a vida, a cultura e a história com gente dentro, nas suas múltiplas formas se ser, funcionais e humanas, num mundo sempre em mudança. E isto bem pode servir de exemplo a muitas pessoas que (juristas e não juristas) nos meus 74 anos de vida feitos já conheci. Pessoas que, agarradas a um parágrafo único, incapazes de estabelecerem a sua conexão com outro e muito menos com a vida, nem se dão conta, tantas vezes, do desfasamento das leis com a vida real e, teimosamente, se agarram ao enrodilhado parágrafo que lhes enche o olho técnico e dali não saem. É assim e mais nada. É assim, pois assim o diz o artigo tal e o parágrafo tal do código tal.
No que respeita às motivações e objectivos dos advogados dos RR, inquirindo se eu passava ou não passava pela eira, eis a magistral lição do Meritíssimo Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto. Para não falhar palavra na transcrição, uso dois excertos do acórdão, em PrtScn, acima e ao lado.
E eu aqui deixo essa lição para que ela sirva a quem de direito, aos que servem o Direito ou que do Direito se servem, sempre no ensejo de que nos nossos tribunais se faça «UMA MELHOR JUSTIÇA».
(continua)