Trilhos Serranos

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domingo, 02 fevereiro 2025 17:24

DOCENTE NA ESCOLA E FORA DELA-2

Escrito por 

CULTURA POPULAR ALENTEJANA

 No apontamento anterior referi-me circunstanciadamente ao MOTE popular “desta mánica do mundo/quem será o maniquista/onde começa o movimento/não alcança a nossa vista” e prometi trazê-lo glosado em DÉCIMAS pelo poeta popular Francisco Augusto Galrito, escritas em ortografia atualizada, e, pela fonética e grafia,  atribui a sua autoria original a um pastor ou agricultor alentejanos que não pastoreavam nem lavravam no campo das LETRAS, mas pastoreavam e lavravam fundo no campo do PENSAMENTO.

 

É o que vemos, mais abaixo, na primeira coluna da esquerda, reservando a segunda para outra obra sua que, surpreendentemente para mim, ele me dedicou no seu TERCEIRO livro, todos os títulos “A VERDADE DA POESIA” (I,II,III).

A edição é de 1995, v.g. uma dúzia de anos depois de eu ter abalado daquela vila alentejana e regressado ao meu concelho de origem.

Este poeta falecido em 2014, não me lembro de lhe ter agradecido por escrito, em vida, a gentileza de ele ter volvido a sua atenção, sensibilidade e olhar para os meus trabalhos de investigação e defesa do património histórico e cultural como ele tão bem o diz em verso.

Este poeta falecido em 2014, não me lembro de lhe ter agradecido por escrito, em vida sua, a gentileza que ele teve de volver a sua atenção, sensibilidade e olhar para os meus trabalhos de investigação e defesa do património histórico e cultural, como ele tão bem o diz em verso.

Não me lembro, digo bem,  de lhe ter agradecido, pela mesma forma, em letra redonda pública, mas, agradeci-lhe, pessoalmente, em 2009, quando visitei aquela vila para participar num coloquio sobre a “FONTE DE MILAGRE” tratada no meu livro “HISTÓRIA DE UMA CONFRARIA», que muito trabalho deu às “Justiças da Terra” (Executivo Municipal), ao Priorado de Santiago e a todas as instâncias judiciais no tempo, até D. João V, junto do qual funcionavam os Tribunais do Desembargo do Paço e Desembargo da Consciência.

CAMINHS DE FERRO0000 - Cópia 2 - CópiaE disse-lhe que a DÉCIMA que me tinha dedicado, estando eu ausente daquela vila, havia tanto tempo, sem esperar de mim, seguramente,  algo em “troca”, figurava no meu “curriculum vitae” profissional (online) ao lado das OPINIÕES de ACADÉMICOS e POLÍTICOS de projeção pública e institucional, como sejam o Dr. Francisco Cristóvão Ricardo (meu ex-professor de LITERATURA, entretanto falecido), o Dr. Manuel da Costa Pinto (clérigo, entretanto falecido) o Doutor Amadeu Carvalho Homem (Professor da Universidade de Coimbra, que presumo e desejo de boa saúde), Dr. Fernando Amaral (advogado, ex-presidente da Assembleia da República, entretanto falecido), Dr. João Duarte de Oliveira (advogado, ex-Presidente da Câmara e da Assembleia Municipal de Castro Daire, entretanto falecido), Professora, Drª Maria da Conceição Campos (investigadora, ensaísta e escritora, entretanto falecida), Dr. Arménio de Vasconcelos (advogado, museólogo, poeta, entretanto falecido), Dr. Manuel de Lima Bastos (advogado, escritor aquiliniano, com quem troco correspondência de vez em quando), entre tantos outros pessoas que, generosamente, me prendaram com os seus pareceres públicos e me incentivaram a prosseguir a saga iniciada nos difíceis trilhos do pensar e do agir, em benefício do saber e do conhecimento humanos

E ainda que todos merecessem, humanamente,  que os seus ROSTOS  figurassem neste meu APONTAMENTO, optei por deixar, exclusivamente,  o daquele cidadão que, entre licenciados, engenheiros e doutores, em verso popular tão bem delineou o retrato das minhas vontades, postura cívica e relacionamento que mantive com todos aqueles que me transmitiam os saberes que escapavam às minhas leituras académicas. 

 

 

GALRITO-FICHA POLICIALUm cidadão simples, habilitado com a 4ª classe da Escola Primária,  sem galardões académicos, poeta sem ser “fingidor”, possuía outros galardões de CIDADANIA, outras credenciais cívicas, recebidas, em cerimónia oficial, no “DEPÓSITO DE PRESOS DE CAXIAS”, em 1947 e 1949. E se atentarmos na CALIGRAFIA patente no seu nome registado no cabeçalho do diploma que, então,  lhe foi conferido, e bem assim na fotografia das três posições (frente, esquerdo e direito) não nos é difícil aquilatar da “pompa e circunstância” que rodearam as suas chegadas e a saliva dos  AGENTES POLICIAIS, face à “reincidência”  do “agraciado”, um jovem lobo ibérico de dentes arreganhados, acoitado nas recônditas charnecas do distrito de Beja, concelho de Castro Verde. Território propício para a reprodução da “espécie” era mais fácil caçar um lobo solitário do que fazer montaria a uma alcateia inteira.

São documentos bem guardados na Biblioteca Nacional da Torre do Tombo (online) difícil mercadoria para os vendilhões na FEIRA DA LADRA, ou outras feiras de província, onde já vi CRUZES DE CRISTO e TORRES DE ESPADA, a par de MEDALHAS alusivas a escritores de renome. O ano passado adquiri, na FEIRA MEDIEVAL DE MÕES,  a MEDALHA com a efigie de Trindade Coelho, no anverso e no reverso a sua BIOGRAFIA resumida.

Trindade Coelho - CópiaQue mais não seja, para descargo da minha consciência, os humildes versos de Francisco Augusto Galrito, face à tabela de valores que uso na calibragem das relações humanos, não ficaram fora dos pratos da balança da justiça, a par de outras pessoas amigas, sem distinção de LETRAS e TRETAS.

Assim sendo, à laia de última vontade minha, uma espécie de “item”  testamentário, aqui deixo a todos (a maior parte deles já falecidos, como vimos) a minha GRATIDÃO pelas palavras amigas e pelos juízos de valor que, livremente, expenderam sobre a minha pessoa e obra. Sei que estas minhas palavras tresandam a léguas o meu estado de alma. Elas não precisam explicação. Nem os meus amigos precisam que eu faça um desenho.

Dixit.

MOTE

Desta máquina do mundo

Quem será o maquinista

Onde começa o movimento

Não alcança a nossa vista

I

Este mundo onde vivemos

É deveras complicado

Há tantos anos estudado

Nunca mais o entendemos.

Poucas luzes dele temos

O saber não é profundo

Não se sabe ainda tudo

E, nem ao mesmos os sábios

Nos mostram os astrolábios

Desta máquina do mundo.

II

Esta imensa engrenagem

Onde nós estamos metidos

Move-se em rodos os sentidos

Como grande carruagem.

Com muita ou sem bagagem

Por cá anda o artista

Com macaquinhos na crista

A ver se consegue descobrir

Quem nos está a conduzir

Quem será o maquinista?

III

Quem seria o arquiteto

Desta obra colossal

Onde a vida é real

Onde tudo tem aspeto?

Não está tudo descoberto

E eu tenho no pensamento

O real pressentimento

D’onde isto poderá vir,

Mas nao chego a discernir

Onde começa o movimento.

IV

Vem a noite e vem o dia

Vem a chuva e o vento

Tudo tem acolhimento

Sob o Sol da alegria.

Será tudo fantasia?

Mas muita gente acredita

Que isto é obra bendita

Mas não tem disso a certeza

E a sua profundeza

Não alcança a nossa vista.

 

 

Francisco Augusto Galrito, Castro Verde, glosando o MOTE sobre a 

Mánica do mundo” de que já falei antes.

MOTE

«O zeloso Doutor Abílio

Pode abalar descansado

Quando a Castro regressar

Verá o moinho restaurado»

I

«Sendo um homem de cultura

Anda sempre no respigo

Procurando o qu'é antigo

Muitas vezes na leitura.

Doutras formas ele procura

Pedindo a outros auxílio

Para lá no seu domicílio

Estudar nosso património

Porque é homem idóneo

O zeloso doutor Abílio».

II

«Ele em Castro se interessava

Por tantas coisas antigas

Não se poupando a fadigas

Quando na vila morava.

Pró Largo da Feira olhava

Ficando muito desolado

Ao ver o moinho degradado

Mas alguém lhe disse então:

Está breve a restauração

Pode abalar descansado».

III

«E o Doutor muito animado

Abalou para sua terra

Ficando assim à espera

Do que ficou acordado.

E lá foi entusiasmado

Com o que fez despertar

E no moinho sempre a falar

Quando saiu deste povo

Na esperança de o ver novo

Quando a Castro regressar».

IV

«E abalou com saudade

Desta vila alentejana

Lá para terra transmontana

Onde passou a mocidade.

E lá nessa localidade

Estará sempre lembrado

Do que lhe foi afirmado

De maneira tranquila

Quando voltar a esta vila

Verá o moinho restaurado».

 

 

Francisco Augusto Galrito (in «A Verdade da Poesia» (Vol. III), Castro Verde, 1995, ed. do autor) 

Com efeito, em 2009 retornei aquela vila e tive o gosto de ver o moinho de vento restaurado e requalificado todo o espaço da grande FEIRA DO CRASTO, a feira de outubro, restauro e requalificação pelas qual me bati na ASSEMBLEIA MUNICIPAL (como membro eleito nas listas do Partido Socialista)   e no «DIÁRIO DO ALENTEJO» de que fui assíduo colaborador.

No “Campaniço” n 96, de 2014 (Boletim Informativo da Câmara Municipal de Castro Verde) a D. Ana (de Castro Verde) dedica 5 quadras à MORTE, deste meu amigo. Transcrevo a primeira:

Morreu Francisco Galrito

Homem muito inteligente

Que rimava muito bem

Para agrado da nossa gente.

E a  Câmara Municipal de Castro Verde, fez uma edição póstuma de alguns dos seus trabalhos com o título “PROSA E POESIA” com a seguinte referência:

Francisco Augusto Galrito foi um dos poetas mais marcantes da poesia popular do concelho de Castro Verde. Editado após a sua morte, este livro reúne prosa e poesia. São décimas sobre diversos temas, textos de prosa subordinados ao título “Em Procura de Pão e Trabalho” e Contos. Uma escrita sobre a condição social e as vivências de outros tempos”.

Posto o que imaginem os meus amigos, tendo ele sido tão objetivo e rigoroso no traço que deixou sobre o meu “perfil cívico» captado na passagem por Castro Verde, quão rigoroso  e incomodativo não seria ele na flor da idade, a proclamar a “VERDADE DA POESIA” vivida naqueles tempos em Portugal inteiro. Daí o MÉRITO que lhe foi reconhecido no «DEPÓSITO DE PRESOS EM CAXIAS», como vimos mais acima. Gostei de ser seu amigo e de o ter por amigo.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.