A guerra não chegou ainda a esta terra quente e abrasadora. Cá, como se
diz e eu já vi, não chegou a civilização, o combóio, a automotora, algo
que deslize sobre carris como em Moatize, a vinte quilómetros daqui, onde
há minas de carvão.
Abeiro-me do Zambeze, rio cheio de jacarés com os olhitos de fora, atentos
a quem passa. Corro alguns perigos! Mas não. Não vou à caça. Não me meto na
savana à procura de palmarés. Não vou caçar troféus para exibir aos amigos
dos outros e meus. Vou sondar os segredos, a magia e os medos da noite
africana.
Longe ruge o leão. Perto chora a hiena, volta e meia a rondar a casota, aldeia, a palhota grande e pequena: o desatento mufana bem pode servir-lhe de ceia. Algures, o tambor, no seu rufar constante é o coração palpitante da noite fascinante de quem a vive e a sente: tantam...tum...tantam... tantam...tum...tantam..
Longe, muito longe, no firmamento eterno, estão os astros celestes. Que imensidade! Penetrar no escuro quente de uma noite destas é voltar ao útero materno, ao berço da Humanidade.
Tambores... tambores... tantam...tum...tantam.. tantam...tantam..
É batuque? É mensagem? Que queixumes, que dores, que apelo, que açoite, que sinal propagam, que parto anunciam a esta hora da noite?
Nada sei de comunicação. Nada sei de semiótica. Para mim, ignorante, esse som distante é somente animação: é corpo bamboleante, a cheirar a catinga.
É corpo que não se cansa, que se contorce, que ginga, que salta, que dança a dança erótica da iniciação, do casamento, da tradição tribal banta em estranho movimento. É dança que embebeda, que inebria, que encanta (do
terreiro ninguém arreda) que põe os dançarinos, velhos e meninos em delírio, delírio profundo, e nesse seu estado os antepassados trazem do outro mundo, regressados por essa via ao seio da tribo, ao seio das seitas, retornados do exílio, sem passaportes carimbados, os espíritos que não mentem, o passado recriam e os vivos aliviam das angústias e maleitas que bamboleando sofrem, que bamboleando sentem.
Tambores... tambores... Tantam...tantam..
É batuque? É mensagem? Que queixumes, que dores, que apelo, que açoite, que sinal propagam, que parto
anunciam nesta hora da noite?