A HISTÓRIA E A CULTURA
3 de setembro de 2015
NAU "HISTÓRIA"
Não. Não é a Nau Catrineta que tem muito que contar. Não ando metido em cruzeiros turísticos a passear, nem, à maneira moderna, a exibir, no Facebook, as farroncas de Fernão Veloso, sempre à frente, nas suas aventuras por novos mundos, costumes e gentes. Lembram-se?
A HISTÓRIA E A CULTURA
3 de setembro de 2015
NAU "HISTÓRIA"
Não. Não é a nau Catrineta que tem muito que contar. Não ando metido em cruzeiros turísticos a passear, nem, à maneira moderna, a exibir, no Facebook, as farroncas de Fernão Veloso, sempre à frente, nas suas aventuras por novos mundos, costumes e gentes. Lembram-se?
"Disse então a Veloso um companheiro
(Começando-se todos a sorrir):
"Oulá, Veloso amigo, aquele outeiro
É milhor de decer que de subir."
"Si, é (responde o ousado aventureiro);
Mas, quando eu pera cá vi tantos vir
Daqueles cães, depressa um pouco vim,
Por me lembrar que estáveis cá sem mim."
(Canto V, 35)
Antes pelo contrário, embarcadiço na nau "HISTÓRIA" integrada na frota "Expansão Portuguesa em Moçambique" construída, tábua a tábua, pelo Capitão-de-Mar-e-Terra, Alexandre Lobato, tenho navegado nas águas do Índico, nos anos que vão de 1498 a 1530, na companhia de Camões e outros mareantes saídos das docas, da ralé, do clero, da nobreza, governados e governantes. E nessas águas e terras distantes, também encontrei um Veloso, não o Fernão, das fanfarronadas cantadas pelo nosso vate maior, mas o Gaspar que foi alcaide-mor da capitania de Moçambique.
Homem diligente, pronto a socorrer as naus da Índia e as gentes que ali chegavam e condições deploráveis ou carregadas de especiarias, pronto estava igualmente a regressar ao Reino bem "abotoado" com o produto do contrabando da mercancia que, todos os dias, no mar e em terra se fazia.
Mas nisso não teve do seu lado Cristóvão de Távora, empossado em cargo superior. Com razão ou por cabala, acompanhado de João de Lemos, escrivão de Sofala, mandou tirar uma devassa geral na qual achou tão culpado Gaspar Veloso que o mandou prender e sequestrar toda a sua fazenda, substituindo-o, então, no cargo por Jorge Figueiredo que era escrivão.
Chegado ali Fernão da Alcáçova, Cristóvão de Távora mostrou-lhe a devassa, sublinhando que o estado da feitoria era uma "casa de pimenta que aqui está de partes onde estavam umas jarras de cânfora da qual fazenda ele tinha a maior parte roubada".
Devassa feita, papelada lida, apurados os factos, reais ou aparentes, não isentos de intriga, seguramente, não eram muito diferentes os homens de antigamente, dos homens de hoje, do rouba, ensaca e foge. 1517 era o ano. E Veloso, no ledo engano de enriquecer como tantos que, com treino, nas naus, nas caravelas, nos bateis sem quilha faziam contrabando no mar e na terra, ficou preso na ilha, à espera de ser recambiado para o Reino.
O evento deu-me ocasião para glosar Camões, naquele passo do «aventureiro Veloso», assim:
Disse então a Veloso um companheiro
(começando-se todos a sorrir)
De alcaide passaste a prisioneiro
Sabes agora o que é descer e subir.
Sim, respondeu o ousado aventureiro
Mas quando vi tanto ladrão por aí
À solta, eu pr'a cadeia depressa vim
Por me lembrar que estáveis cá sem mim.
Abílio/setembro2015
NOTA: publicado no FACEBOOK