Trilhos Serranos

Está em... Início Crónicas CACIQUISMO 2
sexta, 16 agosto 2013 12:50

CACIQUISMO 2

Escrito por 

Neste ano de 2013, ano de eleições autárquicas, reportando-me ao entrecruzar de objectivos programáticos dos vários partidos concorrentes às cadeiras dos órgãos municipais e de freguesia, em 8 de Agosto do corrente ano, escrevi o seguinte na minha página do Facebook, com remissão para o meu site:

«(…) como as intenções e objectivos genéricos expressos nos programas se entrecruzam e misturam, à semelhança dos elementos que integram as listas do PSD, do CDS, do PS  (em eleições passadas e presentes), seria bom que se aclarassem ideias e valores, já que os partidos políticos, em geral, e em Castro Daire, em particular, deixaram, há muito, de serem instituições agremiadoras de pessoas identificadas com o mesmo ideário político e social, para serem unicamente trampolins de pessoas que deles se servem para atingir os seus fins e interesses pessoais. Depois queixam-se da Democracia Representativa chegar ao que chegou e do descrédito dos políticos».

É claro que este apontamento solto, feito ao correr do teclado, pouco mais é do que o ingrediente de uma saborosa refeição que merece ser servida na bandeja mental que lhes estava subjacente, ou seja, o pensamento de Fernando Pessoa, relativo ao pensar e ao agir das pessoas «sensíveis e inteligentes». Ora veja-se o que ele escreveu em 1915, em «O Jornal», a esse propósito:  

«Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido uma ou mais vezes, ou que se contradiga frequentemente (…) se há facto estanho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentada sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também com o nosso corpo e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural (…) O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório:  é republicano de manhã e monárquico ao crepúsculo; ateu sob um sol descoberto e católico  ultramontano a certas horas de sobre e de silêncio;  e não podendo admitir senão Mallarmé àqueles momentos do anoitecer citadino em que desabrocham as luzes, ele deve sentir todo o simbolismo uma invenção de louco quando, ante uma solidão do mar, ele não souber de mais do que a "Odisseia". Convicções profundas só as têm as pessoas superficiais (...)».

 Pois bem, face aos tempos que correm e à mobilidade dos nossos protagonistas políticos, ao nível nacional e local, hoje estão no CDS, amanhã no PSD, depois no PS; hoje no MRPP, amanhã no PSD, hoje no PC e logo a seguir,  de acordo com a sua  «sensibilidade e inteligência» no partido que lhe garanta um lugar ao sol, com esta dissertação de F. Pessoa, explicadas ficam as minhas palavras acima escritas.
Palavras essas que vieram na sequência de outras escritas, em verso, postas no dia 4 do mesmo mês, no espaço «comentário» da página de um amigo, à laia de complemento ao poema de Fernando Pessoa, alusivo a D. Sebastião:

«Sou louco, sim…
(…)
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia
Cadáver adiado que procria».

E eu ironicamente acrescentei:

Ser louco é coisa boa
Não o ser é coisa má
Todos querem ser Pessoa
Pois ser louco é que dá!

E concluo: se a coerência, no dizer de Pessoa, é uma doença e a volatilidade política e religiosa são sintomas de sanidade mental, em obediência à «sensibilidade e inteligência», eu recuso-me a entrar na moda,  prefiro ser coerente, recuso o subtil engano de querer ser Pessoa e prefiro ser efectivamente pessoa, sem ser pessoano.

 

Ler 1199 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.