sábado, 04 março 2017 21:29
Escrito por
Abílio Pereira de Carvalho
JOÃO RATINHO
DESPEDIDA
Conheci-o há muito tempo, no Café Central, no seu local de serviço. Baixinho, bem disposto, sorridente, gordinho, tinha para com o cliente um trato fidalgo, educado e sempre diligente. Corria a servir as mesas a contento de toda a gente e toda a gente, com carinho, o tratava por João Ratinho.
Conheci-o há muito tempo, no Café Central, no seu local de serviço. Baixinho, bem disposto, sorridente, gordinho, tinha para com o cliente um trato fidalgo, educado e sempre diligente. Corria a servir as mesas a contento de toda a gente e toda a gente, com carinho, o tratava por João Ratinho.
Sabendo-me ligado aos jornais perguntava-me em verso, o que eu queria e, por essa via, não tardei a conhecer a sua veia poética repentista. Deixado o Café Central, onde era empregado, veio a gerir, por conta própria, um Café seu, ali junto às instalações da Santa Casa da Misericórdia. Fui lá algumas vezes e, fosse lá, fosse na rua, todas as vezes que nos encontrávamos, sempre afável, ele já sabia que o nosso cumprimento habitual,teria de ser sempre em rima:
Como vai, o meu amigo?
E que tal vai você?
Se se encontra comigo
Vou tal como se vê.
Um dia, estava eu sentado num dos bancos do Jardim Municipal, e ele passou por ali. Cumprimentou-me como era costume e eu disse-lhe usufruía o aroma das tílias em flor. Sorriu-me e atirou assim de repente:
Diz-me que está aí sentado
A aproveitar-se do aroma da tília
Mas estaria mais consolado
Se fosse para junto da Otília
Não curei de saber se era só rima ou se havia malícia na quadra. Mas ele era assim. Sempre que nos encontrávamos o cumprimento era feito em rima, fosse quadra completa ou não. E à rima, naquele voz baixinha, juntava o sorriso afável de sempre. Ultimamente encontrávamo-nos do Restaurante Fim do Século. Sentava-se naquela mesa solitária junto à coluna, perto do balcão de entrada. Perguntei-lhe, um dia ao passar: esta sozinho, Senhor João?
Sozinho, sozinho não.
A mesa está guarnecida
Olhe, ali tenho o pão
E aqui tenho a bebida.
Ontem, tomava eu o pequeno almoço na Pastelaria Charme, que frequento ultimamente, e soube da má notícia. Já não vamos cruzar-nos mais nas ruas da vila, nem usar a poesia como cumprimento. Faleceu de repente e vai hoje a enterrar. Em consciência eu devia-lhe este registo. Tinha-o como amigo e como amigo dele me despeço, assim, em prosa, quando devia ser em verso.
Publicado em
Crónicas
Abílio Pereira de Carvalho
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.