Trilhos Serranos

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quarta, 06 janeiro 2016 10:29

MORREU O REI

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Numa tertúlia de café, já lá vão muitos anos, um colega meu estudante, quando andávamos em redor das dinastias, da cronologia dos reis, da hierarquia como estava organizada a nobreza e o clero, da queda da Monarquia e da implantação da República, defendeu, convictamente, que todo o português era MONÁRQUICO, mesmo os que se diziam REPUBLICANOS. E o mesmo acontecia com os que se diziam ATEUS, pois também eles, lá no fundo, eram bons CRISTÃOS. 

Para muleta das suas convicções recorria eloquentemente à imagem das duas pirâmides que coexistiram durante séculos, lado a lado ou sobrepostas, enquadrando hierarquicamente o CLERO, NOBREZA E POVO e moldando o pensar e o agir dos membros da sociedade portuguesa, do topo à base. Foram séculos na roda do oleiro a moldar a mentalidade, o pensamento, os valores, a incutir o olhar para cima, o prostrar de joelhos, a vassalagem, a subserviência, mãos postas, a obediência, a assimilação do vocabulário e do gesto condizentes com o modelo: Rei é Rei! Jesus é Rei, a sua mãe é Rainha, padroeira de Portugal, e as figuras que, por qualquer razão, se elevam acima do cidadão comum, REIS ou PRÍNCIPES são. Dando valor às palavras, nunca esqueci de todo a convicção desse meu amigo. E, assumindo-me eu republicano, nascido em 1939, aos 74 anos de idade, não me custa muito reconhecer que não era totalmente destituída de sentido a observação desse meu amigo. É que, tendo eu lidado com "chefes" e "chefinhos", conhecendo eu governantes, chefes de família, autarcas, directores de serviços e outros concidadãos ligados à política e à cultura, que, visivelmente, cultivavam esses valores, autênticos "reinóis de taifas" nos domínios ibéricos a que tiveram acesso, não tenho outro remédio senão reconhecê-lo, sob pena de omitir ou negar a minha experiência de vida, fora dos livros.
É vejam só, eu próprio, levado na onda, chamei REI ao EUSÉBIO e bem podia ter-lhe chamado PRESIDENTE. Mas se calhar, sei lá, é por estar descrente nesta REPÚBLICA que me parece já não ser a minha.

 

NOTA: publicado há dois anos no Facebook.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.