Trilhos Serranos

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domingo, 12 julho 2015 14:00

OS ANINCÚS

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Quando me criei, em Cujó, não havia energia elétrica. Mal caía a noite, fosse em trabalho ou fosse para divertimento num qualquer serão, todos nós, os habitantes, novos e velhos, rompíamos os tamancos a dar pontapés no escuro. Não sei se devo a essa realidade o facto de, ainda hoje, ter horror ao ESCURO. Só me sinto bem em lugares bem iluminados e, de certo modo, acompanhado de pessoas que resplandeçam alguma luz.
PirilampoHavia um sítio dentro dos limites da freguesia de Cujó muito dado a ANINCÚS (pirilampos, em designação mais académica, pois nem todos os dicionários registam esta entrada) e todas as vezes que lá passava, aquilo parecia-me uma noite de ESTRELAS CADENTES. Era depois de se passar a Touça, (atrás do Santo António) mais propriamente ao fundo do RISCADO, junto aquele regato que desagua no Rio Mau, um pouco a jusante do sítio do pisão e de dois moinhos que actualmente já não existem. Eu passava lá frequentemente de dia, a caminho dos lameiros, com as vacas e algumas vezes de noite, quando ía ao moinho ver o estado da moenda.
E no meio daquele pirilampar nocturno eu matutava na vida daqueles bichinhos, a acender e a apagar, a piscar-piscar tal qual algumas estrelas que, na noite escura, me faziam negaças, como que a jogar comigo às escondidas. E, ao mesmo tempo que me interrogava sobre o "mistério" de que eram dotados (ALUMIAR A NOITE) pensava, cá para mim, que deviam ser muito infelizes, naquele seu inconstante SER e ESTAR. O nome não ajudava muito a resolver o meu espanto e as minhas interpelações. Então "anincú" era lá nome que se pusesse a um bichinho capaz de rasgar o lençol de breu que nos envolvia, ainda que só por momentos?
Como não fazia ideia nenhuma da forma e da cor de tão misterioso insecto, uma noite, vendo que um deles pousou ao meu alcance de mão, acendi um fósforo e fui observá-lo de perto. 
Constatei, para espanto meu, que se tratava de uma espécie de mosca e que a luminosidade fluorescente residia na parte traseira do abdómen, daí resultando que, ao fechar as asas, qual interruptor eléctrico, apagava as luzes, se calhar uma forma hábil de escapar aos predadores.
Pequeno ainda, sem leituras esclarecedoras, concluí que, naquele pequeno gesto de abrir e fechar as asas, havia alguma inteligência ou um claro instinto de defesa. A partir dessa conclusão infantil, sem explicação de cientistas e/ou especialistas na matéria, passei a admirar os ANINCÚS.
Atitude diferente tenho para com certas pessoas que, ignorando, seguramente, a existência e o comportamento do SER e ESTAR desses insectos, procuram imitá-los e, nestes começos do século XXI, tempo de luz elétrica e de conhecimentos, abrem as asas, batem as asas, fecham as asas, fazem um estardalhaço dos diabos, e procuram brilhar, por instantes, no ESCURO que nos envolve. Mas há quem se encante com tais fogachos e faça eco do seu deslumbramento no Facebook. É por isso que o FACEBOOK É UMA LIÇÃO.

Abílio/julho/2015

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.