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domingo, 16 março 2014 13:45

TRIBUNAL DE CASTRO DAIRE (8)

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DA FICÇÃO À REALIDADE

PARA UMA MELHOR JUSTIÇA (8)  

4.5 - DESPACHO SANEDOR (2)

Apreciada a forma e a linguagem usada pelas partes, em 1831, retornemos ao meu processo.Quando tomei conhecimento do «despacho saneador» proferido pelo Meritíssimo Juiz da Comarca, em 05-05-2011, Dr. Lino Daniel Ramos Anciães, como já vimos mais acima, fui eu que tive de «sanear» imediatamente um «lapso» nele incluso. Digo lapso com a tolerância com que um ancião, de 71 anos de idade, vê, presumivelmente, um magistrado no início de carreira, que um ancião vê com a complacência que encerra a máxima latina «errare humanum est», apesar de saber muito bem que, na gíria forense, se tratou de uma «choca» e na gíria informática, hoje tão em voga e em moda, se trata de «copy/paste».

Demonstrando: no capítulo dos FACTOS ASSENTES vinha escrito, isto é, vinha ASSENTE, para usar uma a palavra do título, o seguinte:

A- Está inscrita na conservatória do Registo Predial de Castro Daire pela Ap. 1 de 1985/10/03, da ficha nº 101/19850912, da freguesia de Parada de Ester, a  favor do primeiro autor, por compra, a aquisição do prédio denominado Fareja composto por casa de andar e lojas, logradouro e quintal, a confrontar do Norte e Poente com Acácio Cardoso, do sul com Manuel Ferreira Soares e do nascente com o caminho e inscrito na matriz respectiva sob o número 207 (documento, fls 25 e 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

Face ao lapso detectado, isto é, a localização na «freguesia de Parada de Ester», do prédio identificado nos autos, sito na freguesia de Castro Daire, alertei imediatamente o meu mandatário para o facto e ele, habituado que já está, ao que parece, a tais lapsos, disse-me que não tinha importância nenhuma e que tudo se resolvia com um pedido de correcção, o que foi feito.

Mas o meu advogado mandatário não pediu apenas essa correcção. Ele apresentou reclamação da «selecção da matéria de facto assente (…) nos termos do art. 511 nº 2 do CPC, (…) e da levada à base instrutória, por, em seu entender, considerar deficiente a matéria de facto seleccionada em face das reconvenções e excepções deduzidas pelos RR e da decisão de relegar a apreciação das mesmas para decisão final por necessidade de produção de prova».

Na matéria reclamada incluem-se os intens que se seguem, dos quais destaco o que está assinalado do um «L», que respeita ao «saneamento» da «sentença transitada em julgado» na qual se confirmava que a «eira» estava «onerada com servidão de pé e de aqueduto a favor do prédio de José Pereira  da Costa». Assim:


Tribunal Reposta-Saneador-Red
Foi-lhe respondido que se tratava de matéria «instrumental» e, portando, a desnecessidade de estar incluída no «despacho».

           
Pois bem, seja lá qual for a conotação jurídica que tenha o termo «instrumental», a verdade é que, como veremos a seu tempo, a sentença «saneada» foi o «instrumento» basilar que serviu de sustentação ao argumento do mandatário dos RR, Dr. Adriano Pereira, para negar a «servidão» dos AA, de «carro, tractor, animais, água e rego» através da eira. Lá chegaremos.

Mas do «despacho saneador» convém extrair ainda a explicação dada pelo Meritíssimo Juiz sobre o valor atribuído à acção. Tratando-se de uma simples servidão e, portanto, no entendimento do meu mandatário, susceptível de julgamento sumário, para o qual o tribunal de primeira instância era competente, atribuiu-lhe o valor de € 5.001,00, mas os RR, com Apoio Judiciário (nas condições já acima referidas) deduziram reconvenções e, em consequência, upa, upa, pela pena dos seus mandatários, pespegam-lhe o valor de € 30,001,00 que, somados aos primeiros, dá o bonito montante de € 35.002,00.

O leitor, que não é tanso nenhum, sabendo que os RR tinham apoio judiciário, faça, desde já, o seu juízo, independentemente daquele que os juízes venham a fazer mais tarde, em instância própria. Mas demos a palavra ao Meritíssimo:

 «Os autores indicaram € 5.001,00» e «cada um dos réus o valor de 30.001,00 para a respectiva reconvenção» (…) por conseguinte, fixa-se à causa o valor de € 35.002,00 (trinta e cinco mil euros e dois cêntimos», nos termos dos artigos tais e quantos, «todos do Código de Processo Civil» etc. etc. e assim sendo «pelo exposto, determina-se que os autos passem a seguir a forma de processo ordinário e, consequentemente, que se rectifique a distribuição em conformidade, descarregando e carregando os presentes autos na espécie correspondente».

E eis como, admitidas as reconvenções deduzidas pelos RR e estipulado o valor da acção em 35.002,00, o processo cai na alçada do Círculo Judicial de Lamego, com a seguinte explicação do Meritíssimo Juiz da Comarca:

«O artigo 24º da Lei Orgânica e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto nº 303/2007, de 24 de Agosto, dispõe que, em matéria cível a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000,00 e a dos tribunais de 1ª instância é de € 5.000,00.
Por conseguinte, por força dos citados preceitos referidos, atento o valor fixado à causa (€35.002,00) não pode a presente acção seguir a forma de processo sumário, devendo antes seguir a forma de processo ordinário».
 
Entendeu o Meritíssimo Juiz da Comarca dar seguimento ao pedido de RECONVENÇÃO, aumentar o valor da acção, fazê-la seguir para o Círculo Judicial de Lamego, sem que quaisquer sinais de alarme o despertassem para o facto de se tratar de uma aquisição feita muitos anos antes e que a moradia, comprada em semi-ruinas, depois de receber os melhoramentos para se tornar  habitável, queria ser adquirida, por proposta do mandatário do RR, pelo montante  500.000$00» (500 contos) igual a €2.500, moeda actual. Um absurdo, Um estrondoso absurdo. Quando disse isso às pessoas do povo, nem quiseram acreditar. Nem era para acreditar. O leitor, se não tinha entendido, passa a entender, partir de agora, a razão do subtítulo que venho mantendo nestas crónicas: «PARA UMA MELHOR JUSTIÇA». Mas voltaremos a este ponto, lá mais para diante.
 
(continua)
 
 
 
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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.