ARTES E LETRAS
Centenário (sei lá se milenar) ele, o velho castanheiro da LEVADA DE FAREJA, acusando as mazelas das muitas IDADES MÉDIAS que testemunhou no TRIBUNAL DO TEMPO, repelindo as mazelas da lepra tão frequentes nas épocas que atravessou, está a cair aos bocados, podre de velhice. Não tarda nada dele restarão somente as fotografias e os vídeos que eu pus no mundo.
Lorcado, oco por dentro, há muito que o seu cerne foi desfeito em castanhas, consumidas pelos proprietários e passantes. Há anos que dele e do seu estado fiz notícia, sublinhando a sua monumentalidade e o interesse histórico da sua preservação, enquanto exemplar botânico, cujo nascimento remontará, seguramente, aos princípios da nossa nacionalidade. Da sua espécie dizem os sábios que “são trezentos anos a crescer, trezentos anos no seu ser e trezentos anos a morrer”.
Posto em vídeo no YOUTUBE, há bastantes anos, no ano 2018, encontrei, ocasionalmente, junto dele um casal britânico a fotografá-lo e fazer vídeo. E, identificando-me como autor e responsável por tê-lo posto no mundo (em vídeo e fotos) fizeram questão de levar consigo o meu retrato no apontamento digital que fizeram, tal qual eu fiz com eles, cujas fotos aqui reproduzo. (cf. vídeo feito nesse ano, alojado no Youtube)
É. Os estrangeiros vêm de longe apreciar esse MONUMENTO NATURAL e por cá, os nossos responsáveis pela preservação do património histórico edificado, natural, material e imaterial, que se dizem apostados no TURISMO CULTURAL como alavanca do FUTURO concelhio, ali, ao lado de uma uma LEVADA, seguramente única no município pela história judicial documentada que incorpora (envolvendo os moradores de Vila Pouca, de Baltar e de Fareja) não mexeram, nem mexem uma palha nesse sentido. Andam, há muitos anos, por «trilhos» diferentes dos meus «trilhos serranos».
Têm outras prioridades, aquelas que espelham bem (e sem dúvida) o grau de interesses e sensibilidades que os movem nos lugares que ocupam. O historiador regista isso somente e disso somente dá nota destinada aos vindouros.
Certo, porém, é que o destino deste MONUMENTO NATURAL vai ser igual ao da CARVALHA DO PRESÉPIO que, em 1987, não resistiu ao sopro do vendaval que a deitou por terra. Ela, que circulou em postais ilustrados pelo mundo inteiro, como ex-libris concelhio. Foi-se. Foi-se. Foi-se...
E porque assim é, e tal gente temos a comandar os destinos da nossa terra, a zelar assim pelo nosso PATRIMÓNIO NATURAL (veja-se o DERRUBE de todas as árvores - cedros, carvalhos, choupos e outras árvores que davam corpo ao PARQUE “JAE” NO ALTO DE FAREJINHAS) aproveitando uma das minhas passagens por ali, peguei num dos pedaços caídos, carreguei-o às costas para minha casa, disposto a trabalhá-lo, a fazer dele uma peça de arte, com vista prolongar e a manter, desse modo, a sua memória, a sua longa vida para aquem da sua morte certa.
Dito e feito. Três vídeos alojados no Youtube dão conta das fases por que passou essa demorada e imaginativa tarefa. Não perguntem quanto tempo. O CONFINAMENTO é tempo de clausura, mas também de libertação. Mas, no sentido de melhor documentar o “impulso”, do cidadão que se preza de cultivar as ARTES E AS LETRAS, que não se cansa de bradar sobre a defesa do nosso PATRIMÓNIO (qualquer que ele seja) enchi uma arca de fotografias e do granel nela despejado, retirei este alqueire delas, aquelas que aqui, à mancheia, gesto largo, braço estendido, lanço à terra, seguro de que nenhuma delas se vai reproduzir, pois castanhas não são.
O pedaço que trouxe, dado o seu estado de degradação, não resistiu ao jacto de água a que o submeti na limpeza, a fim de, posteriormente, poder meter-lhe o formão, a goiva e o canivete. Partiu-se em dois. E, em vez de uma, duas obras de arte surgiram. Qual delas a mais significativa?
Chamei-lhe ARTE EM MOVIMENTO, pois rodando as peças, observando-as sob diversos ângulos, são inúmeras as imagens que delas emergem, pelo menos tantas quantas permite a fértil imaginação e sensibilidade humana do observador.
Da minha parte, algumas das que vi deixei nos vídeos e outras aqui ficam com vista a “espevitar”, a “despertar” o interesse por tudo o que não se lê no histórico, no “velho e relho” livro de «40 folhas», aquele baralho cuja leitura está tão generalizada entre nós, aquela que formatou a nossa identidade, a nossa forma de pensar, de sentir, de fazer e que “capou” o ensejo de treparmos alguns graus e degraus acima do patim onde nascemos, crescemos e morremos. O patim de GENTE ANALFABETA, mesmo que familiarizada com o ALFABETO. Mas não. Assim é que está bem. E que felizes nós somos e nos sentimos cívica e culturalmente realizados em dar, baralhar, voltar a dar e manusear lestamente os reis, os condes e os duques como se estivéssemos no tempo em que nasceu o centenário (sei lá se milenar) castanheiro que deu origem a esta crónica.
E a fotografia da peça a que dou destaque final, dado o ângulo em que foi captada pela câmara, bem parece um animal selvagem em situação de estertor e de morte com dor. Pedaço de madeira caído desse castanheiro a morrer de velho, essa figura berra, esperneia e torce-se de raiva contra a ideia e a praxis da INGRATIDÃO HUMANA. Durante séculos esse monumento arbóreo pródigo foi a fornecer os seus frutos - as castanhas - aos proprietários e passantes. E, atingida a idade avançada, não vê em seu redor um pingo de respeito, de consideração e de agradecimento. Bem ao contrário. E mal vai a sociedade que assim procede com os seus «gerontes». Uns derrubados intencionalmente, como foi o caso do parque “JAE” no alto de Farejinhas e outros, autênticos bilhetes de identidade da nossa nacionalidade, atirados ao abandono, monumentos sem dono, a cair aos bocados como eram, noutros tempos, todos os leprosos socialmente rejeitados.
É a incongruência da gente da política e da cultura. A mesma gente que, pedagogicamente, em defesa da natureza e da descarbonização atmosférica, vemos a plantar árvores com as crianças em noticiários da televisão e, depois, atitude inglória, assobiando para o lado, autorizam que, de motosserra na mão, se atirem ao chão, cedros, carvalhos, choupos e mais árvores com idade e com história. Um atentado ambiental. A hipocrisia, a falta de cultura e de ciências da natureza que o HISTORIADOR denuncia.