Em 1987, corria o mês de Setembro, publiquei no "Lamego Hoje" (então um jornal mensário) o texto que se segue e que, face ao que se vai vendo por aí no tocante à liberdade do uso de palavra escrita, falada e desenhada (leia-se BD) me parece não ter perdido oportunidade. É que, em todos os tempos e lugares houve sempre quem, por convicção, por conveniência individual, divertimento de grupo (digamos de bando) ou da dita defesa dos valores instituídos (morais, políticos, artísticos e outros) fosse lesto a "cortar" o que de novo ou diferente, surgisse, ou surja. Mas, como o meu texto mostra, ninguém sabe o nome do CENSOR e todo o estudioso sabe o nome do CENSURADO. Assim:
«CENSURA
«Frei Viterbo, um dia, mostrando sanha contra a ignorância que via, traduziu um livro de Espanha e, para publicação da obra traduzida em obra elástica, desabrida, pediu autorização à censura eclesiástica. Todavia, de apurada e treinada memória, o leal defensor dos valores pátrios em uso, indiferente ao curso da história, vendo questionadas, abaladas as doutrinas da " Coroa e do Altar" e também pelos erros ortográficos que a obra continha, sem hesitar disse NÃO, retirando ao pensador a glória de arejar o pensamento luso de então. Hoje, em Portugal, todo o português ELUCIDADO, todo o historiador da Língua e do passado, em geral, conhece Santa Rosa pela obra que fez. Mas, se calhar, do leal censor que, à mingua de ideias, contra o relaxo da grafia e tudo o mais que o livro dizia , sem mais nem meias se impôs, apenas se conhece a prosa que fazia e o classificava: "risco negro que traçava, sem luzimento, pelo meio da folha abaixo, transformando a sua pena, tão pequena, no machado, tão pesado do algoz, degolador feroz do pensamento».
Abílio Pereira de Carvalho, «Lamego Hoje» nº 9/mês de Setembro/1987, p. 11