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terça, 04 fevereiro 2025 12:31

DOCENTE NA ESCOLA E FORA DELA-3

Escrito por 

CULTURA POPULAR ALENTEJANA

Uma das DÉCIMAS de que muito gostei, produto da recolha da CULTURA POPULAR ALENTEJANA levada a efeito quando exerci a docência em Castro Verde, foi aquela que, numa Taverna de CASÉVEL, prolongamento separado, nas traseiras, da mercearia que dava para a rua, espaço retangular, chão inclinado, mesa comprida ao meio, clientes sentados nos bancos corridos que a ladeavam, ao fundo duas bilhas gigantes de vinho, daquelas bilhas que são o “ex-libris” das tavernas alentejanas, o taverneiro/merceeiro encheu a jarra, distribuíu os copos por todos nós, retirou-se para a mercearia, dizendo:

- Sirvam-se, façam um risco na bilha, todas as vezes que encherem o jarro.

 

Nem mais. Esgotada aquela jarra, outra e mais outra se seguiu e de cada uma delas ficou um rsico no bojo da bilha. Não me lembro quantos riscos. No fim de tudo, acertaram-se as contas.

Ao meu lado estava um parente da minha esposa, MAFALDA DE BRITO MATOS LANÇA CARVALHO, de seu nome nome, MANUEL PARREIRA LANÇA RAMOS, de 65 anos, natural de Castro Verde. A ele devo a DÉCIMA que hoje aqui deixo, mas não sem primeiro, passar, a letra redonda, o gesto pitoresco que eu nunca tinha visto e vivido, em alguns anos que já levada de vida, ao norte e ao sul do Equador.

Ele meteu a mão num dos bolsos, retirou uma mancheia de grão de bico torrado e atirou-o pela mesa abaixo, assim como quem semeia milho numa courela. E nós, os clientes, seus amigos, fazendo dos nossos dedos indicador e do polegar bicos de trigueirões, levávamos à boca aquele saboroso petisco, empurrado, guela abaixo, pelo bom e fresquinho vinho das bilhas vermelhas, com torneiras nelas.

De gravador ao ombro, cassete virgem e pilhas novas no sítio, disse ao que ia. E, ajudado por Baco ou não, fiz uma excelente colheita. Deixo hoje aqui o “lamento da mula”, na certeza de que, um estudioso a sério, vê na composição algo mais do que a simples rima e clássico esquema rimático das “décimas”. Nela fica bem clara a identificação de dois montes - REGUENGO e JORDANA - e os trabalhos e tratos a que era submetida uma “besta”, nos tempos em que a terra se lavrava e granjeava “a sangue”. Assim:

MOTE

No Reguengo e na Jordana

Nunca estou sem fazer nada

Ao domingo e à semana

Tomaram-me de empreitada

I

Quando me vi amparada

Numa casa de fartura

Julguei de cavalgadura

Comer e não fazer nada.

Tenho sido bem espancada

Chamam-me dona fulana

Chamam-me puta e magana

Auando me dão de comer

Besta não se pode ser

No Reguengo e na Jordana.

II

Em se acabqndo o trabalho

Começam as romarias

Visitas todos os dias

Que me fazem num frangalho.

Aqui está porque ralho

Porque me vejo cansada

Pois dão-me muita mçada

Só o descanso me tarda

Ou de mulim ou de albarda

Nunca estou sem fazer nada.

III

Durante o verão debulho

Estou metida num inferno

Com os arados de inverno

Ainda é maior barulho.

Se às vezes nego o mantulho

É porque me dá na gana

Parto aquela traquitana

Com que me fazem lavrar

O que me custa trabalhar

Ao domingo e à semana.

IV

Os meus donos muitos são

O meu corpo um só é

Nunca me chegam ao pé

Sem vara, chicote, bordão.

Até do peóprio ganhão

Às vezes sou castigada

Se jogo alguma patada

Ou em morder me descuido

Donos, criados e tudo

Tomaram-me de empreitada.

Nota: dita por Manuel Parreira Lança Ramos, 65 anos, Castro Verde. Atribuída ao “tio Belchior”, Ourique-Gare, C. Verde, falecido. Este “tio Belchior”, de C. Verde, mais Manuel de Castro, de Cuba, foram os poetas populares que, da sua lavra, mais semearam e difundiram, no CAMPO ORAL DAS LETRAS, sendo que os recoletores lhes prestavam a devida vénia, com expressões de reconhecimento e admiração.

A FOTO de rodapé doi retirada e adptada da página de José Guerreiro “ALENTEJO - TERA E GENTE”. Data venia.

Pode ser uma imagem a preto e branco de 1 pessoa e a cavalo










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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.