O texto de João Alagoa, do qual tive conhecimento através de Joaquim Santos e que muito gostei de ler, leva-me a fazer um registo relacionado com o MAINATO que tive durante o pouco tempo que residi numa das habitações dos CORREIOS DE TETE, sita nas traseiras do edifício, cuja fotografia foi posta nesta página, a meu pedido, por mão amiga.
O caso foi assim. Eu e mais outro moço das bandas de Castelo Branco (o nome dele perdeu-se-me num dos becos da memória) deixámos a casa do senhor Mota (o tal barbeiro, que, com a ajuda da esposa, davam hospedagem completa por mil escudos/mês: comida, dormida e roupa lavada) e fomos ocupar a tal habitação.
Ora, por aquelas bandas, nessa altura, se alguma coisa de comum havia entre os "tropas" e os "funcionários públicos" era que, uns e outros, deviam estar sempre prontos a fazer as malas e "marchar" para onde os mandassem. Digo isto para dizer que a troca, apesar de transitória, fazia-nos amealhar uns escudos por mês, mesmo que nos sujeitássemos a ter por cama um "burro de campanha", daqueles que eram usados por alturas de acampamentos, numa montagem de linha telefónica.
A opção levou-nos a contratar um MAINATO e ele veio oferecer-se, mal fizemos constar a nossa pretensão. Era um homem dos seus 50 anos de idade e garantiu que sim senhor, que sabia tudo o que competia a um serviçal desse ofício: casa limpa, roupa lavada, passada a ferro, etc. etc. ao que se somava a incumbência de, agarrar nas marmitas, e ir buscar as refeições do dia: almoço e jantar, à pensão que acabávamos de deixar.
Estávamos avisados de que deveríamos ter cuidado com os MAINATOS que abusassem do álcool, pois isso refletir-se-ia no seu desempenho. Assim, mal se apresentou, fitei-o olhos nos olhos e perguntei-lhe: você bebe? Resposta pronta, olhos nos olhos: bebe sim, patrão, mas só fora de serviço, nunca em serviço.
O homem tinha idade para ser meu pai. Aquela sua franqueza e aquele seu olhar foram a assinatura do contrato. Confiei mais neles do que, ainda hoje, confio em alguns selos brancos de notário. Aceitou ficar por quatrocentos escudos/mês. Começou a trabalhar de imediato. Durante cerca de meio ano ao nosso serviço, nem o mais pequeno reparo. A roupa posta a lavar de manhã, à noite estava lavada e passada a ferro, pronta a vestir, graças também ao clima que a secava em pouco tempo. As refeições sempre na mesa às horas certas. O chão da casa, feito de ladrilho vermelho que só vim encontrar igual no Alentejo, sempre encerado e limpo. Um mimo. Casa de banho limpa que era um primor. Nunca o vi bêbado nem a cheirar a álcool.
Foi um dos homens negros, a morar na cidade do caniço, cuja franqueza e cumprimento do dever me marcou para a vida inteira. Tanto que estou a escrever este texto por ter presente a sua palavra e o respeito por ela. Morava na cidade do caniço e, por isso, texto de João Alagoa, obrigou-me a pôr em letra redonda o que tenho dito muitas vezes numa roda de amigos. Aquele MAINATO, com idade para ser meu pai, sempre nos serviu com prontidão e honestidade, a começar por dizer-me, olhos, nos olhos: bebe sim, mas só fora de serviço.
Se muita gente que anda por aí a governar-nos cumprisse, como ele, a palavra dada, a nossa vida estaria bem melhor.