PRIMEIRA PARTE
Sempre interpelante, no sentido de congregar o saber livresco, académico, com o saber oral popular, constatei não haver pessoa que olvidasse a sua relação afetiva com o “rio dos homens”, com o “penedo da argola”, com o “rio das mulheres” e com os vasos capilares (caminho dos moleiros e outros) por onde corria a linfa que dava músculo e energia ao corpo social vilão.
Visitei o sítio várias vezes, tirei fotografias, fiz vídeos que alojei no meu CANAL do YOUTUBE, desde 2008 (é só navegar nessa plataforma, pesquisando “RIO PAIVA”), mas só neste ano de 2024, orientado pelo meu amigo António Gonçalves, radialista que foi da RÁDIO LIMITE, quando eu era Presidente da Assembleia Geral, dessa Cooperativa Radiofónica, me dei ao trabalho de esmiuçar “in loco” o valor ICÓNICO desse espaço ENTRE-RIOS.
E não deixei de fora a PONTE PEDRINHA como ponto geo-hidrográfico de referência, remontando ao tempo do IMPÉRIO ROMANO. Assim:
Tal foi o desenvolvimento rodoviário levado a cabo pelos romanos no sentido de mais facilmente deslocarem as suas LEGIÕES para manterem em obediência os povos integrados do IMPÉRIO e, bem assim, receberem os tributos estabelecidos, que não faltou lugarejo sem caminho, nem rio sem ponte. E no território que veio a ser PORTUGAL são muitas as PONTES que ainda estão de pé, com os seus arcos redondos, aquela arquitetura identificadora, algumas delas com o nome de PONTE PEDRINHA.
Aos pés de Castro Daire, atravessando o Rio Paiva, permaneceu até ao último quartel do século XIX, uma dessas pontes. Ela foi substituída (1877-1878) pela que existe atualmente no mesmo lugar, mas feita a uma cota mais elevada daquela que substituiu.
Designada PONTE PEDRINHA é bem possível que antes dela a travessia do rio Paiva se fizesse um pouco mais a montante, pois não deixam de ser intrigantes as calhas paralelas rasgadas nos afloramentos rochosos do leito do rio onde as duas margens mais se aproximam, ali, aos pés de S. Domingos, naquele esporão geográfico que obriga o Paiva a fazer um cotovelo. Ali, a alguns metros a montante do sítio onde desagua o rio Paivó, seu afluente.
E ainda que todas as pontes de arquitetura romana sejam feitas de pedra, aquela travessia, aquele passadiço sem arco, presumivelmente de madeira, empresta significado à designação histórica, PONTE PEDRINHA. As traves (vigas) que suportavam o tabuleiro assentavam diretamente nas pedras, nos penedos que, ali mesmo estrangulavam o majestoso rio de montanha, manso de verão e indomável no inverno.

É certo que na margem esquerda do Paiva não se vislumbram sinais de apoio das traves de suporte, mas isso não tira sentido, nem esvazia de função as calhas ali lavradas e que, dadas as suas dimensões de comprimento e profundidade, estão lá para durarem, para vencerem a erosão das costumeiras e volumosas cheias do Paiva. É só ver os meus vídeos alojados no Youtube, nomeadamente os que tem as datas 2008, 2014, 2018, 2023, em tempos de cheias. São documentários com o devido enquadramento geo-hidrográfico, económico, social e funcional.
Aquelas calhas paralelas lavradas nos rochedos naturais e naquele gargalo do PAIVA, ali estão prontas para, em conjunto, desafiarem a imaginação de arqueólogos, historiadores, poetas e curiosos que se permitam vê-las e interrogá-las. E que eu saiba, nunca vi quaisquer interrogações dessas, em livro, estudo ou poema, não obstante termos em Castro Daire um “CENTRO INTERPRETATIVO DO MONTEMURO E PAIVA”.
Mas eu aqui as deixo, depois de demorada maiêutica que, na minha ânsia de saber, apliquei sem sucesso.
SEGUNDA PARTE

Alguns metros a montante da pegada humana lavrada nos rochedos que acabámos de ver, exatamente no sítio onde os dois penedos, um em cada margem, estrangulam o leito do rio, existe um o PONTELO que permite a passagem dos peões que por ali fazem vida.
Três megálitos paralelos e justapostos assentam os seus extremos nesses contrafortes naturais e formam o tabuleiro de passagem sobre a garganta por onde deslizam as águas do Paiva.

O Paivó, não muito longe da nascente e da povoação da Relva, no sítio da Garcia, ao lado de um moinho hidráulico, ostenta um hino à técnica e à inteligência humanas. Um só megálito, com toneladas de peso, faz o tabuleiro de um PONTELO semelhante. Eu o trago à colação, pois toda a obra de arte, simples e tosca, cuja construção não meteu, seguramente, estudos de engenharia e de arquitetura, que não meteu seguramente, estirador, régua, esquadro e compasso académicos, nem cálculos matemáticos de resistência, garantidamente não se dispensou o manejo do guilho e da marra, do ponteiro e maceta de pedreiro. E foram construídas. E uniram-se as margens até então separadas.
A obra ali está. Um pontelo, uma pontinha, uma ponte pequenina, toda em pedra. Uma PONTE PEDRINHA, nome cedido por empréstimo, certamente, à ponte romana que, presumivelmente, viria depois.
Não se vislumbra que nestes “pontelos” tenham passado bigas ou quadrigas romanas enquadradas nas conquistas e manutenção do IMPÉRIO. Mas tanto esta, como a que terá existido alguns metros mais abaixo, cujas marcas ficaram lavradas nos rochedos que vimos, fizeram, seguramente, parte da rede viária que rendilhava o território e davam sentido e substância à expressão “todos os caminhos vão dar a Roma”.
TERCEIRA PARTE
Sítio histórico de passagem de margem para margem, ali, onde o Paivó se junta ao Paiva, a águas destes dois rios, separados ou 
unidos, foram força motriz de moinhos e espaço de trabalho e de lazer humanos. Os moleiros, subindo o caminho a que deram o nome, forneciam a farinha às padarias da vila. Pelo mesmo caminho desciam as lavandeiras até ao “rio das mulheres” e por ele retornavam à vila com as roupas de cama e de vestir, lavadas e coradas de alvura invejável. Por esse caminho desciam e subiam adultos e crianças que, no “rio dos homens” em torno do “penedo da argola” se banhavam e divertiam. Eles que na “goleira”, vencendo a forte corrente das águas entaladas por dois rochedos, passam o teste da virilidade, mostrando, uns aos outros, em compita, quem era HOMEM.
Estou a falar das gentes que, em meados do século XX, davam vida à vila e animavam toda aquela área ribeirinha. Uma área rústica integrada na vida urbana. Linfa que animava o corpo comunitário vilão, de todas as idades e classes sociais.
Depois veio o progresso, o desenvolvimento e com eles o SANEAMENTO BÁSICO e a necessidade de uma ETAR construída na margem direita do Paivó. De seguida veio a Barragem da Mini-Hídrica, feita a montante. E eis que, aquele secular Paraíso Ribeirinho, virou espaço mal cheiroso, fedorento e morto.

Mas, diz o ditado popular, que “atrás dos tempos, tempos vêm”. E, quem sabe se, feita que foi a nova ETAR no ARINHO, desativada que seja, de vez, a velha ETAR, quem sabe se, dizia eu, aquelas infraestruturas desativadas, devidamente requalificadas, respeitando os condicionalismos ambientais dos tempos que correm, possam vir a integrar e a ser a PORTA LARGA DE ENTRADA para o histórico ESPAÇO DE LAZER e TRABALHO de antanho?
E quem sabe se o “rio das mulheres”, o “rio dos homens” e o “penedo da argola” voltam a ser o que já foram, agora, em tempos e termos modernos, sítio de animação, cultura e usufruto das belezas naturais e paisagísticas? Enfim, tenhamos ali um BILHETE POSTAL atrativo de naturais e de forasteiros, o elo de ouro retornado ao cordão de afetos que sempre ligou os naturais do concelho aquele PARAÍSO TERREAL?
Tornada ÁREA DE LAZER em moldes modernos, os naturais e os forasteiros poderão, assim, usufruir não só das belezas naturais e paisagísticas, mas também (lembrando as termas romanas) fazer jus aos conceitos de “tepidarium” (águas do rio Paiva) e “frigidarium” (águas do Paivó) conforme os gostos de cada um. E então, aquela ÁREA DE LAZER, ainda que não esvaziasse de sentido a histórica expressão “todos os caminhos vão dar a Roma”, bem podia dar lugar a estoutra: “todos os caminhos vão dar à nova ÁREA DE LAZER” criada pelo empenhado e esclarecido EXECUTIVO MUNICIPAL, ali, entre o PAIVÓ eo PAIVA, a montante da PONTE PEDRINHA.
A ilustração que se segue não deixa dúvidas. Os nosos AUTARCAS, a partir de agora, podem «não ver, não ouvir, nem ler», mas não podem «ignorar». Tudo «pro bono».