No apontamento anterior usei a foto e duas QUADRAS POPULARES escritas por Carlos Mendonça, herdeiro que era do Solar com o mesmo nome, sito quase defronte dos Paços do Concelho, onde hoje funciona o «Centro Interpretativo do Montemuro e Paiva». TREZENTAS QUADRAS POPULARES datilografadas integram o meu espólio e falam de LAMELAS e de outras terras nossas. NOSSAS TERRAS e NOSSAS GENTES. Julgo ser o único cidadão do concelho que possui a sua fotografia, datada de 1946, (tal qual apresento) graças às diligências que tomei nesse sentido, com vista a ilustrar o produto da investigação que fiz sobre esse SOLAR DOS MENDONÇAS hoje património municipal.
Repito aqui a foto e as quadras para retomar as PEGADAS NO TEMPO E NO ESPAÇO que tenho andado a perseguir. Assim:
Enfim, lá chego ao Comprido,
Passo pela «cabeça», canso as canelas
Mas..chego às duas Lamelas
Cuja dupla, para mim, não faz sentido.
São quase juntas, Lamelas de Cá
Tem de Nª. Sª dos Remédios, santuário
Onde hoje e sempre houve sacrários
Que também petence a Lamelas de Lá.
A sua foto é de 1946, data em que eu tinha 7 anos de idade e andaria na Escola Primária com o retrato de Salazar pendurado numa das paredes com a legenda: DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA. E ao lado de um crucifixo, junto do qual ajoelhávamos e rezávamos antes de começar a aula.
Estaria, pois, com o livro da HISTÓRIA DE PORTUGAL sob o meu nariz, a estudar a cronologia dos nossos gloriosos reis, os seus cognomes, as batalhas travadas com os mouros, e, seguramente, a BATALHA DE OURIQUE e o MILAGRUE de sermos vencedores com 5 CABEÇAS a rolarem no chão, decepadas pela pesada e comprida espada de Afonso Henriques, depois de ver no céu Cristo Crucificado com a legenda «IN HOC SIGNUS VINCES». Vindo do Céu o sinaL de vitória veio em LATIM e, ao que se julga, Afonso Henriques assinava de CRUZ.
E eu, a par dos estudos e as demais crianças da aldeia, não sabíamos LATIM,
mas sabíamos muito bem como rodar os cravelhos ou fazer correr os fechos de CRUZ de madeira que fechavam e abriam as portas das lojas do gado. Tínhamos por nossa conta aprender «a escrever, ler e a contar», a fazer contas de «dividir, de somar e multiplicar» na lousa de ardósia, mas também a contar as cabeças de gado que levávamos e trazíamos dos montes. Às vez traziam mais, se alguma rês adulta paria e outras vezes menos se os lobos, na sua luta pela vida, ferravam o dentes numa delas e nos obrigavam a fazer contas de «sumir». Esses toscos e primitivos cravelhos e efechos de madeira são um hino à inteligência humana. Eles precederam ´seculos os «pins» e os «passwords» dos equipamentos que hoje nos permitem «entrar e sair» nesta grande loja de comunicação à distância, onde os pastores e os rebanhos são distintos daqueles que guardei nos montes, mas sempre prontos a serem tosquiados. Adiante...
A batalha de Ourique, foi em 1139, mas em 1940, arredondando a conta, tinha eu um ano de idade, o ESTADO NOVO, num rasgo de nacionalismo patriótico, ordenou que em todas as freguesias do país fosse levantado um monumento alusivo a esse e a outros eventos históricos relacionados com história pátria. E foi assim que por este Portugal arriba e abaixo se levantaram CRUZEIROS ALUSIVOS, onde figuram as datas de 1139 (em alguns deles arredondou-se para 1140), 1640 e 1940.
Mas freguesias havia e há que incluíam diversas povoações e desprovidas de verbas para levantarem um monumento em cada uma delas, decidiram satisfazer a vontade do Governo Central, escolhendo um sítio equidistante de umas e de outras ou, à falta dele, a cota orográfica mais elevada entre elas, por forma a que todas vissem o monumento à distância e nele se sentissem representadas.
Os tempos eram paupérrimos vivia-se uma economia agro-pastoril e, em redor de casas, aldeias e vilas, todos montes, outeiros e demais elevações de terreno estavam rapados de mato, fosse por neles pastarem os rebanhos, fosse por serem eles que forneciam aos habitantes os matos para estrumes e lenhas. A serra sempre foi uma fonte de energia. Dela se extraíam as lenhas e o carvão para aquecimento, tal como atualmente dela se extrai, através dos geradores eólicos, a energia que alimenta lareiras, televisões, telemóveis e demais tecnologia disponível à informação, entretenimento e cultura. Uma mudança «milagrosa» e assinalável em tão pouco tempo. E os montes, de roçados e carecas que eram, passaram a ter cabeleiras desgrenhadas de matos e silvas.
Conheço três casos no concelho de Castro Daire onde as Juntas de Freguesia, gerindo os parcos recursos que tinham nos seus cofres, recorreram ao princípio acima enunciando. A Freguesia das Monteiras decidiu erigir o CRUZEIRO na povoação das CARVALHAS, o povo que fica geograficamente entre as aldeias da RELVA e MONTEIRAS, com o EIDO ao lado. A Freguesia de Mões, optou por escolher o monte sobranceiro à vila, à cota de 709 m de altitude, levantado ali a ver VILA BOA e arredores, assente em degraus octogonais sobre um penedo lajeado de raiz. Sobre este monumento farei uma crónica e vídeo à parte. E a «Freguesia de Lamelas» escolheu o ALTO DA CABEÇA, à cota 773 m, sobranceiro a LAMELAS DE CÁ, e visto por tudo em redondo, inclusive Braços e Vila Pouca, que, segundo a tradição oral, também usufruíam daquele baldio em tempos idos.
De todas as obras alusivas ao evento da INDEPENDÊNCIA E RESTAURAÇÃO, não sendo a mais artística é, de todas, a mais volumosas em forma de CRUZEIRO. Constituído por vários corpos em formato quadrado, na face virada a NASCENTE tem gravada a escopro o ano de 1139, seguido da inscrição: «VIII CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA». Na face virada a POENTE o ano de 1640 e a inscrição: «III CENTENÁRIO DA RESTAURAÇÃO». Na face virada a NORTE temos : «AVE, CRUX SPES UNICA» e na face virada a SUL, a legenda: «A CRISTO PORTUGAL AGRADECIDO 1940».
Atualmente rodeado de pinheiros passa despercebido à maioria das pessoas e convencido estou haver professores e jovens na freguesia que ignoram a sua existência. Sei lá se até mesmo autarcas! Mas a quem não passou despercebido, há anos, foi ao antigo Presidente da Junta da Freguesia de Castro Daire, António Vicente, que me levou a vê-lo e a limpeza que mandou fazer em seu redor na mesma altura que ordenou pôr a descoberto o sítio da Fonte Santa, no Monte da Lapa, escondida entre matos e silvedos, já por mim referida em texto e em vídeo, com vista a que o atual EXECUTIVO MUNICIPAL não deixe perder uma «água pública» e a ponha ao serviço do público. E também não é ignorado pelo senhor Narciso Pinto, a quem sempre recorro quando preciso de localizar o que, sendo do meu conhecimento, se me esfumou da memória. Foi o que fiz desta vez. E ele, sempre prestável, conduziu-me ali com a afabilidade que toda a gente lhe reconhece. (Ver link de vídeo anexo no fim do texto)
A HISTÓRIA é uma permanente descoberta. Nunca é um livro fechado e acabado. Cabe, pois, a cada um de nós, que ainda mantemos de pé este pedaço de Portugal periférico, registar as MEMÓRIAS que até nós chegaram por forma a permitir que os vindouros prossigam a investigação e, com isso, enriqueçam a HISTÓRIA LOCAL de modo a termos um melhor esclarecimento do nosso passado coletivo através dos traços físicos e mentais deixados pelos nossos antepassados em pensamentos e obras.
link do vídeo
https://youtu.be/Gyp7MoBGXDA