Resistiu, até mais não. Não havia alternativa. A Constituição, a Lei Fundamental saída da Revolução dos Cravos, com as suas remodelações posteriores, tem muita força. Por isso é que se chama Lei Fundamental.
E chegados aqui, ele foi a tomada de posse de António Costa e a assinatura do Presidente. Ele foi a promessa monocórdica de ministros e secretários de estado de cumpririam com "lealdade as funções confiadas". Ele foi o desfilar de sorrisos e o esgar "mascado" e impaciente do Presidente, Aníbal Cavaco Silva. Dos ingredientes do prato podia constar um desmaio, dada a contrariedade visível no seu rosto. Não desmaiou. Não podia desmaiar. Havia que dar ainda o último recado ao Governo empossado e, em tom de ameaça, lembrar que só o poder da dissolução da Assembleia estava cerceado. Os outros mantinham-se todos intactos. Um discurso histórico que fica para memória futura. Feito num momento em que, como respondeu o Primeiro Ministro, o bom conselheiro não era o "despeito e o desforço" mas a pacificação, o sarar das feridas e não salgá-las.
Mas não vamos tão depressa. Ainda continuo a ouvir os compromissos de honra dos governantes e o seu desfilar à frente do Presidente. E eu divertia-me. Tinha em mente o convencimento de Ricardo Costa, irmão de António Costa, dito num "Expresso da Meia Noite": nunca se formaria um Governo à esquerda. Tinha em mente a crónica que sobre isso escrevi com o título "IRMÃOS ASSIMÉTRICOS" título sugerido pelo comunicado da Presidência da República referindo-se aos acordos conseguidos entre PS, PCP, BE e PEV. Publicada aqui mesmo nesta página. É só navegar.
E, com tais aperitivos, tinha boas razões para saborear o resto da refeição. Tive o cuidado de accionar o botão de gravação e a luzinha vermelha confortava-me. Estava tudo a ser gravado. E eu a divertir-me, a deglutir garfada após garfada, até ao momento em que a boca se me secou de comoção. A maçã de Adão subiu e desceu umas quantas vezes. Perdi o riso e ar de gozo. Foi como se uma espinha se me tivesse atravessado na garganta. Foi naquele momento que vi uma cidadã invisual (no vulgo cega) aproximar-se da mesa para assinar o auto de posse como Secretária de Estado da Inclusão de Pessoas com Deficiências. E que excelente trabalho da jornalista de serviço da RTP3. Sem atropelos da cerimónia, deixando ouvir os compromissos, a trazer até nós, de forma resumida, os dados biográficos dos empossados.
A emoção não me torvou a razão. E devo esclarecer dois tópicos da minha reacção emotiva.
Uma pobreza de espírito que aqui de deplora e condena. Incrível neste princípio do século XXI, coincidentemente com XXI Governo Constitucional.
SEGUNDO: ligado com a anterior, esclareço que durante o meu estágio profissional (já lá vão tantos anos), num dos cursos de formação realizado na cidade de Évora, tive como colega de formação um professor invisual total, junto do qual me sentei, não apenas nos restaurantes onde íamos comer, mas também nas mesas redondas onde se discutiam as questões em estudo.
Lembro-me de uma sessão de Linguística e Semiótica. A bibliografia tinha sido aconselhada antes e eu, como era meu hábito, nunca gostei de ser apanhado descalço, nos caminhos onde me meto. Estudava-se o tema em grupo e depois era um porta-voz escolhido pelo grupo de estudo, que, dizia aos restantes formandos o resultado apurado. Azar dos azares era quase sempre eu a vítima encarregada de transmitir à plateia o resultado das nossas reflexões.
Aconteceu que, no decurso destes trabalhos, eu constatei que o meu colega invisual estava umas léguas à minha frente, no domínio da matéria em apreço. Eloquente, de palavra fácil e dicção invejável, oratória impressiva, quando chegou a vez de escolhermos o porta-voz do grupo, eu antecipei-me mostrando a minha indisponibilidade e sugerindo que fosse o colega. Os outros, que já me conheciam de outras andanças (cheguei a ser apelidado por "papa cursos" por frequentar todos eles) nem vacilaram. E foi aquele nosso colega, invisual total que nos representou e a todos nós deu uma lição de SEMIÓTICA. Há quantos anos foi isso, senhores!
Face a todas estas lembranças de caminhos andados, como podia eu deixar de me comover, face à tomada de posse daquela Secretária de Estado de Inclusão, confiante no trabalho que ela vai desenvolver, mas também pela carga simbólica que ela transporta para o país e para o mundo? Como podia não escrever estas linhas protestando contra aqueles que, desgostosos por verem os seus amigos e correligionários arredados, LEGITIMAMENTE, do poder, têm o desplante de ofenderem uma SENHORA a pretexto de minimizarem as escolhas do Primeiro Ministro?
E não falo de uma aluna que tive, já em Castro Daire, também ela de acentuada deficiência visual (já faleceu) que me deu mostras bastantes de ter a vista tolhida, mas que tolhido não tinha o cérebro. Aliás, penso mesmo que cérebro tolhido têm todos aqueles que tais fotografias montaram e tais ditos escreveram nas redes sociais.
À falta de razão e fundamentos democráticos e constitucionais, ironizavam com a cor de António Costa, da Ministra da Justiça e, na malha caía também um cidadão em cujas veias corre sangue cigano, dizem.
Adivinha-se de que banda ideológica soavam (e continuarão a soar) tais horripilantes trombetas. São "bocas" da direita. Não de toda a direita esclarecida e humanista, mas da direita trauliteira, racista, semi-analfabeta, gente do soalheiro aldeão retrógrado que ainda não ascendeu à geografia física e humana do globo terrestre.
Para esses, a dificuldade de conviverem com a democracia, com outras raças, gentes, religiões e culturas (veja-se a questão dos REFUGIADOS) ganha força a expressão muito portuguesa "a coisa tá preta".
E eu direi: tá preta, tá.
A esquerda, maioritariamente assente na Assembleia de República, pôs fim à CEGARREGA barulhenta e colorida da direita e dos seus jogos interpretrativos do voto popular e do articulado constitucional.
Voltando ao acto de posse deixei propositadamente para o fim a referência ao Secretário de Estado da Indústria: João Vasconcelos. Apertei-lhe a mão há muitos anos, no Gafanhão, na Casa Museu MARIA DA FONTINHA fundada e dirigida pelo seu pai, Arménio Vasconcelos. Não conheço o seu curriculum, tal como não conheço os dos outros novos governantes. O destaque que aqui lhe dou deve-se exclusivamente ao facto de ter convivido com o seu pai, nestas terras de montanha e de com ele ter trocado impressões sobre política, história e cultura, durante alguns anos, coisa bastante rara por estas bandas da serra do Montemuro. Foram tempos idos, mas desses tempos ficou o vídeo que alojei no Youtube, cujo link é bem digno de para aqui arrastar. Eu aqui o deixo. https://youtu.be/21lLEnRhNcA em homenagem ao Pai e ao Filho, esperando que Espírito Santo e que o Penedo da Saudade, sentinela a vigiar o curso do rio Paiva, aflorando numa das vertentes da serra de São Macário, a ambos ilumine tanto no que respeita à Arte, à História, à Cultura, à Agricultura e à Indústria, pois, para bem do país e das regiões, bem carecemos do desenvolvimento de todas elas.
Abílio, 27/11/2015