Ansioso de informação, ávido em compreender este meu país e as suas gentes, abanquei frente ao televisor e aguentei horas seguidas a ver e ouvir os interrogatórios sobre o caso BES (canal 219) e também os ESPECIAIS do CANAL 8 a esmiuçar as contas do AMIGO de SÓCRATES e os empréstimos que ele lhe fez.
Depois de tanto aguentar e de ler, ouvir e ver ali o meu país, comecei a sentir náuseas. Primeiro, uma espécie de vómitos, logo seguidos de uma flatulência intestinal que, com receio de levantar voo como um balão e bater com a cabeça no tecto, resolvi AREJAR (fixem bem o verbo), não a ver o CANAL 4 (casa dos segredos) onde me perderia no paradoxo irresolúvel de ouvir professores universitários dizerem que os alunos chegam à Universidade sem saberem ler e escrever e os políticos a chorarem a perda da "geração mais qualificada" de todos os tempos.
Assim como assim, para AREJAR, dizia eu, deambulei, ao acaso, pelas páginas do FACEBOOK. E vejam bem a feliz coincidência ou o meu fedorento azar: caí no PEQUENO/GRANDE vídeo que partilhei neste meu mural a mostrar uma jovem a aliviar-se dos gases intestinais enquanto joga no computador e a consolar-se mais com o PUM...PUM...do que com os resultados do jogo a correr no monitor.
Apesar de ser um vídeo que contabiliza milhões de visitas, foram poucos os meus amigos facebookianos que se mostraram agradados com ele. Muito poucos lhe colaram o seu "GOSTO", o que muito estranhei, face aos tempos que correm, tão propício a MERDAS, a analogias, comparações e outras figuras de estilo económico, literário, político e musical.
Ora como o FACEBOOK É UMA LIÇÃO e eu estou sempre a aprender VENDO, OUVINDO E LENDO o que nele se proclama e/ou silencia, a primeira coisa que me ocorre dizer é que não duvido que todos esses meus amigos, ainda que o tenham visto, fingiram ignorá-lo, mesmo que ele mais não mostre senão a coisa mais natural do mundo. Eles, que se peidam como toda a gente, não ousaram associar o seu nome à CORAGEM E NATURALIDADE com que aquela moça (por sinal bem apetitosa) se ALIVIAVA do ar incómodo que lhe transtornava o tempo de lazer. E isso me fez lembrar aquela pergunta de algibeira que corria entre os estudantes de MEDICINA, quando o MÉDICO PROFESSOR, de formação marxista, lhes pedia para darem a definição de PEIDO. Todos ficavam embasbacados, sem resposta, até o professor lhes ensinar que "era o grito de libertação do ar oprimido". E lembrei-me também do significado que lhe davam os ADULTOS da minha infância quando a destroncar uma árvore ou a deslocar um penedo agarrado ao solo, puxa daqui, tenta dali, vira para acolá, diziam com a maior das naturalidades: "já deu o peido-mestre", significando com isso que o problema estava resolvido.
Face a esta realidade falada e sonora do quotidiano e ao comportamento silencioso dos meus amigos, resolvi elaborar um texto sobre o PEIDO, indistintamente de ele ser feminino ou masculino. É o que estou a fazer, acrescentando: tirante as anedotas atribuídas a Bocage e abordagens brejeiras disponíveis na Internet, não conheço muitos intelectuais que se tenham debruçado sobre tão INCÓMODA e MAL CHEIROSA figura, mas o certo é que o PEIDO mais não é do que a coisa mais natural do mundo vivo, uma reação orgânica saudável, um consolador alívio para quem se peida.
E há peidos de toda a maneira e feitio. Diferentes no tom, no som e no cheiro. Há aqueles que são redondos inodoros como ovos sem casca, PUM e já está. Há secos e molhados, fedorentos, uns sonoros a imitar morteiros em dias de romaria e missa cantada, por alturas de "toque a Santos" PUM, PUM, PUM e outros repartidos, fragmentados, TRU...TRU...TUTUTU, tipo foguetório miúdo, sinal de sardinheiro que chegou às aldeias com peixe fresco. Há também os que imitam o assobio do marinheiro aninhado na palma da mão, som regulado com a abertura dos dedos viiiiiiiuuuuuuviiiiiuuuum. E os "peidos rasgados" cuja sonoridade faz lembrar o gesto do comerciante de panos que, começando o corte da peça com a tesoura, acaba por separar as duas partes trrrrrtrrrrrrrr, à força de pulso, após o que entrega a parte vendida ao cliente e enrolara a outra para arrumar na prateleira. E há também aqueles que, recusando-se a deixar o ninho quentinho onde nasceram, se põem a brincar nas curvas e contracurvas das tripas, rugindo como trovoada distante e fazendo torcer de cólicas o seu hospedeiro. Muitos desses cobardolas só desaparecem à força da farmacopeia científica ou artesanal, desde os comprimidos mais bem estudados em laboratório específico, aos chás caseiros, herança da sabedoria dos nossos antepassados pré-históricos.
Descrever todos os peidos nas suas variantes coloridas, sonoras e malcheirosas é tarefa impossível. Mas direi ainda que a par de uns sonoros, tonitruantes, carregados de personalidade, inteiros como bárbaros, sem medo de enfrentarem o mundo, outros há, cobardolas, tímidos e silenciosos, envergonhados, que só se dá por eles quando são denunciados pelas pituitárias, sentinelas sempre atentas ao meio ambiente, poluído ou purificado. São os "peidos descidos à corda", como dizia um jovem da minha terra quando, numa roda de amigos decidia entre ficar incomodado ou incomodar os outros. Decidia sempre pela segunda hipótese.
E creio que chega. Para quê desenvolver mais esta narrativa cujo protagonista toda a gente conhece? Toda a gente, repito. Mesmo assim aqui vos deixo, meus amigos e amigas, este meu alívio intelectual, mesmo que nos meios intelectuais e finos, de esmerada e decorosa educação, corra o risco de ser comparado a um alívio intestinal. Não me importa. Pensado, dito e feito, vou largar o Ipad e pegar no comando da TV para, mais aliviado mas desgostoso, saltitar entre o CANAL 219, o CANAL 8 ou o CANAL 4. Por eles passa o meu país, neste Dezembro de 2014.
PUM...PUM...PUM..
NOTA: Ver também o vídeo no Youtube onde se declama o poema «Linha Reta» de Fernando Pessoa.