O Facebook tem sido para mim uma plataforma de leitura, de estudo humano, de dúvidas, interrogações e algum entretenimento. Espaço democrático e amplo, ágora grega dos nossos tempos, onde toda a gente pode exprimir livremente a sua opinião e os seus gostos e desejos. Autêntico confessionário onde os crentes correm a expor os seus pecados e virtudes diários. Desnudam-se todos, gente exótica de povos ditos «civilizados», gente aborígene de povos ditos «primitivos». Coexiste aqui gente livre e libertina com puritanos que gritam aqui d'el Rei em defesa dos valores instituídos e quase perdidos. Mortos-vivos fechados em catacumbas, grupos secretos, iniciados e treinados para dizerem mal dos ausentes, impossibilitados de ripostarem aos mexericos contra eles que dão felicidade aos iniciados admitidos na seita. Coexistem igualmente surdos-mudos com seres bem falantes, oratória fácil, tribunos encartados no saber político e/ou académico, no saber das ciências e das letras, relação de professores com alunos e vice-versa, banca de trabalho de poetas e escritores, onde todos expõem, escutam e auscultam assuntos sérios, bibliotecas de sabedoria, como marca distinta de estantes vazias ou recheadas de banalidades e coisas fúteis. A felicidade está ao alcance de cada mão, segundo o seu desejo, a sua opção.
Batem à porta. Entre se faz favor. Entram uma, entram duas vezes, deixam sinalização, não entram mais ou entram silenciosos, não dizem nada, pois a intenção única era entrarem e bisbilhotarem. Perfis esotéricos, penumbras, contornos de figuras humanas, fantasmas, flores, animais, tudo. Capas de por-do-sol, quadros de pintores célebres, arte religiosa e profana, rascunhos de lápis sem fama ao lado das fotos de família, espaços vazios, mudança hoje, mudança amanhã, sempre a mudar, procura de identidade, insatisfação, insegurança, inconstância que de tanto mudar vira constância. Batem à porta, entre, a casa é sua, mas nunca mais há sinal do «amigo» que pediu para ser amigo. Porta aberta e ala que se faz tarde, isso basta, passatempo garantido, nada que dizer, nada que dar, nada que aparecer, só ver para depois contar. Soma-se mais um número ao número de amigos em competição com o número de outros amigos. Isso é que conta para a conta. Quanto maior o número, maior a importância. É o tempo dos números, como no princípio e não o verbo. Mas que coisa estranha é o ser humano. Família sob o mesmo tecto, surda e muda, cada elemento no facebook a dedilhar e a conversar com amigos que nunca viram, nem nunca se verão. Sinais dos tempos. Quadrícula de correio aberta «gostava de encontrá-lo», resposta imediata «é fácil, todos os dias estou ali». Não. Ninguém aparece, não era esse tipo de encontro. Tanta oferta, tanta procura. Assédios interesseiros, calculados, com e sem sucesso. Carências afectivas autênticas, solidão confessada, de trevas e penumbras rodeada, à procura de vida e de luz. Uma mesa infindável de iguarias, de cores e sabores. Refeições pesadas e refeições ligeiras. Cada um come do que gosta. Fica de pé, refeição rapidinha, ou cozido à portuguesa, chouriça e salpicão juntinhos antes da sesta. Partilhas que voam de banda para banda, pousam, ficam, alojam-se ou sacodem-se por incómodas. Links reenviados, recebidos e remetidos imediatamente para o lixo, tal como chegaram. Às vezes dói fazê-lo, mas nem sempre, quanto se conhece o useiro e vezeiro, que é expedito em «reenvios». Está na fase de consumo e não da produção. Consome pronto a vestir, usa, vê e aí vai, toma lá, gostes ou não. Revolucionários, sentados no sofá, fazem revoluções reenviando textos e links bombásticos a favor da sua ideologia. Batem palmas. Metralha sobre os adversários. Mais uma quadrícula de comunicação aberta, «olá!». Não há resposta. «Olá!» A não resposta dá desistência. Pintinha verde, sempre em linha, a lidar com o verbo, mas um verbo não dá lugar a outro verbo.
Neste mare magnum, livre e democrático, as vagas possantes não se desligam da espuma que se desfaz a cada instante. Há de tudo, como nas farmácias de antigamente. Publicidade exótica e erótica. Mamas, "cuzes" e também santinhos e cruzes. Até futebol e a troca de galhardetes coexistem com altos graus e gurus de saber, seguidos por exércitos de acólitos que deixam a pegada sinalizada com apoios verbais escritos ou, mais comodamente, com o "gosto", polegar virado para cima. Borboletas que tão leves aparecem quão leves se vão. Mostram-se, ali estão, existem e de se mostram ficam felizes. Que linda! Mas que jeitoso! Piropos para todos os gostos que incham o ego ou a ega de quem os receba. Piropo relho e velho, ao longo das vidas, não se olham ao espelho, para testar a mentira ou a verdade ouvidas. Há de tudo. Daqui, do Taiti, beijinhos para ti e para todos. Isso é que é vida! Crise? É só para alguns. Olha a troika! Imagens de longe e de perto que dizem muito, e palavras que dizem nada ao mais esperto. Sítios atraentes que obrigam a paragem e contemplação e outros de fugir a sete pés. Foi um ar que lhes deu. Deles nem registo, nem memória. Vêem-se, abala-se e pronto. Páginas constantemente agitadas por aragem fresca, cérebros informados e inquietos, rebuliço permanente a par de folhas paradas, amarelecidas, outonais, sem sinal de bulirem dias e semanas, até meses. Mas estão lá. Marcam a existência. O vento impulsivo da vontade de mostrar a existência, o vento que as atirou para ali, esmoreceu, amainou, desapareceu. Gente que não era gente tornou-se gente e cansou-se de ser gente. A pressão atmosférica exerce-se noutros sítios. Nada de novo, visitas para quê. Já ninguém as vê. A par das folhas mortas, folhas depressivas, das quais, hoje e amanhã, foje qualquer mente sã, e também páginas alegres explodindo vida, música e cor. Rios onde se fazem pescarias abundantes e se ouve a poesia das águas a deslizarem nas pedras dos açudes. Águas vivas. Nascentes lacrimejantes de sede e de dor que dá dó, só de vê-las e ouvi-las. Bolinhas verdes alinhadas na vertical, dia e noite, sinalizam disponibilidade para contacto. Quadrícula aberta «Olá!», resposta negativa «mais tarde». Desilusão, frustração. Outra vez. Insiste uma, duas, três vezes. Nada. A bolinha continua, a quadrícula não abre mais. Desistiu. Bolinhas amarelas com olhos, nariz e boca, simbolizando estados de alma: riso, choro, rosto macambúzio, contente ou assim-assim. Palavras para quê? As bolinhas, o traço da boca e dos olhos dizem tudo. Palavras para quê? Desabafos tristes, conversas alegres, gargalhadas de estrondo. Facebook? É tudo isto. Montra, vitrina, autêntico álbum de fotografias de família, de estados de alma, de amigos, de sítios, pessoas, viagens e espaços de férias onde foram felizes, partilham a felicidade e gozo com os amigos e amigos dos amigos. Tudo muito viajado. Um oceano de gente e de vida em movimento. Com as crianças cuidado, os menores podem afogar-se. E as meninas e meninos de CORO ponham-se ao largo antes de corarem. Facebook? A sala da humanidade actual. Sofá de psicólogo ou de psiquiatra, que ouve, o sofá, depressões, derrotas, vã glórias de conquistas, coisas com nexo, sem nexo, mas sempre com sexo. Frustrações e realizações que atafulham o corpo e a alma, que determinaram ou condicionaram o comportamento, que formataram o carácter e a personalidade que no facebook expõem, enigmas pitonísicos que só pitonisas entendem, tão lógicos e elaborados, tão bem fundamentados, tão falhos são de fundamento e de lógica que por muito, por pouco ou por nada escapam ao entendimento de qualquer leigo. Viva o Facebook!