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terça, 16 novembro 2021 15:46

POMBEIRA

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PASSADO E PRESENTE

Deambulando pelos meus arquivos fotográficos, relembrando passeios que fazia pela serra do Montemuro e povoações, nos tempos em que era acompanhado pela minha esposa, MAFALDA, sempre em estudo, fui parar à Pombeira, ali mesmo atrás de Lamelas. Assim:

 

PombeiraNo tempo em que a Pombeira se ouvia e via a descer pela ravina, naquela encosta à nossa frente, a água, no inverno muita, no verão nem tanta, refulgia como roupa branca pendurada no estendal natural que por ela subia e descia, nesta vertente da serra do Montemuro.

Refulgente, o sol a dar-lhe do nascente, não havia gente que por ali cirandasse, que não parasse a vê-la e a ouvi-la. Toda a gente, sem distinção, sensível ao ambiente, em silêncio, caldeava o pensamento e sentimento e apreciava a arte, a sinfonia da água e do vento que só ali se via, que só ali se ouvia e jamais em qualquer parte. A cascata, a água, o vento e os aromas em redor, eram uma obra de arte, um monumento, apreciado por passante, feirante, pastor e lavrador. 

POMBEIRA-C.DAIREDepois veio o progresso, assim dito nos anais da civilização. A barragem, feita a montante, estrangulou o ribeiro Vidoeiro e secou a cascata. Para junto da Ermida, ao pé do rio Paiva, em tubagem moderna, para quem não saiba, desviou a água cantante, a cantilena, aquela sinfoia eterna, que encantou gerações e gerações de gente e de vida.

Durante anos, de comunhão com a minha mulher usufrui a beleza deste quadro da natureza. De balcão, sem enganos, no alto de Lamelas, pés no chão, voluntariamente silenciados, chegava até nós a melodia dessa tarde ou dia, sempre diferente, vinda de todos os lados. E do caminho, envolvente, chegava o aroma quente da erva, da urze e do rosmaninho.

POMBEIRA-MOTA

Agora, resta a espinha dorsal da cascata descarnada, desse monumento natual que correu mundo em postais ilustrados. Dela ficou o nome. Mais nada. E até o vento, até a aragem que no vale corre, a barragem estrangulou. O progresso, sem piedade não trouxe mas levou toda aquela musicalidade. E mal vai o mundo quando em nome do progresso tudo se mata, tudo morre.

E é seguro, que neste quadro natural do Montemuro, ele não levou apenas a água (muita no inverno, no verão nem tanta) pois levou também roupa branca que drapejava refulgente ao sol nascente, fosse qual fosse o dia - mas que inveja - esse encanto da gente que olhava e via, pois há quem olhe e não veja.

QueiróDuante anos seguidos, eu e a minha mulher, fomos clientes assíduos e seguros deste concerto orquestrado pela natureza. Sons, cores e odores. Ele era as águas prateadas a luzirem em queda. Ele era o vento soprando vale acima, vale abaixo, batendo de encosta em encosta. Ele era, para quem gosta, ouvir sem cansaço nem fastio o hino da natureza, ali, naquele vale profundo, que dava vida à serra do Montemuro desde o princípio do mundo.

Era a POMBEIRA e eu a canto assim pela vez PRIMEIRA.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.