ABRIL
Neste mês de Abril
Passados
Quarenta anos da revolução dos cravos
Como posso cantar glórias e hinos
Se nos tempos que correm
Em torno de mim dobram os sinos
A chorarem os que famintos morrem
E a cantarem os que morrem empanturrados?
ABRIL
Quem viu um botão de rosa a abrir
Tornar-se rosa e deixar de ser botão?
Quem, na sua vida, algum dia
Da natureza viu tal magia?
Vi eu.
E quem tal não viu nem viveu
Quem não viu um botão de rosa a abrir
E tornar-se rosa o botão
Não,
Não viverá Abril.
Dele ouvirá falar na história
Mas nunca terá na memória
O entusiasmo
E a alegria de viver contra o marasmo
E o silêncio vividos até então.
Não,
Não é lição
Nem é sentença
Sequer.
Mas quem não viveu tal
Criança, homem ou mulher
Para seu mal
Não saberá o que é ser pertença
Daquela maré de gente
Daquela multidão
Imensa
Que nas colónias e no continente
Cantava até à rouquidão
A Grândola Vila Morena.
Isso para seu mal.
Mas, para seu bem
Também
Não sentirá o ruir dos sonhos
De todas as Marias, Manéis e Tonhos
(Um dos quais era eu)
Despertados do morféu
Onde dormíamos a noite serena.
Abílio/13 Abril, Anno Domini 2014