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sábado, 13 fevereiro 2016 17:51

TRINITÁ, O CAWBOI INSOLENTE

Escrito por 

 

O FACEBOOK É UMA LIÇÃO

ORA ENTÃO DIGA LÁ AO QUE VEM...

Calado, deitado no sofá, mãos cilhadas na nuca, cotovelos afastados à semelhança da proa e da ré de um barco rabelo atracado, desgrenhado o cabelo, queixo ferrado no peito, ao jeito de Trinitá, o cawboi insolente, perna cruzada, tornozelo com tornozelo, estendido na padiola puxada para cá e para lá pelo seu cavalo, um regalo, ouço a voz amiga do psiquiatra, aquele médico (um tanto ou quanto quadrado) que há anos me me trata das maleitas da mente, aquele que entra em nós e como nós sente, aquele que tudo faz para me tirar das nuvens, para me fazer descer do céu à terra e, na terra pensar e agir como toda a gente: diga!?

 Digo o quê? Diga ao que vem, o que você sente, a razão por que não sai daqui, noite e dia a fazer-me companhia, olhos espetados em mim, nessa sua obsessão doentia de não fazer mais nada, de vir aqui mostrar que existe, fotografia sobre fotografia, deitado, de pé, de frente, de lado, e fazer deste sofá mais seu do que meu, pois já só a si tenho por cliente. Digo o que me vai na mente? Sim! De que me serve dizê-lo? Para se rir de mim? Mas digo: é tudo uma confusão. Um turbilhão de relâmpagos na escuridão assalta-me a cada momento e nada entendo do que penso, do que escrevo e do que digo, zzzzzzzzzzzz,.. ....zzzzzzz, são rasgos de luz, em xis, em zzz, na vertical, na perpendicular, em cruz, de todas as formas e feitios... zzzz ..em todas as direcções...zzzzz..são rios de ideias sem destino e sem tino...zzzzz....zzzzzz.... Olhe, sou como o Alísio, pensei num poema e fizio. Devo estar louco. Dorme pouco? Nada. Noites seguidas neste estado, nem a dormir, nem acordado, perdido nesta trovoada, neste ribombar do mundo, um tolo no meio da ponte, sedento à procura de uma fonte, de poesia, de literatura, de Camões, Bocage, Antero, poetas que eu quero e que as agências de rating actual remetem para o lixo, querem algo sem entendimento, prolixo, a dizer tudo e a dizer nada, assim como eu...ai de mim coitado. Toma xanax ou mezinha que o valha? Sim e, quando calha, tudo a dobrar, mas nada produz efeito. Levanto-me, retorno ao leito e dou comigo a magicar, a dedilhar o teclado, nada sai escorreito. A escrever, quer você dizer? Qual escrever, qual nada! isto não é escrever, nem rabiscar, nem poetar, nem prosar, nem versejar, pois não alinhavo um pensamento, uma frase, um verso, com princípio, meio e fim. Nada tem sentido, nada que em mim preste, sentado ou na cama. Será delírio? Como se chama? Abílio, vossemecê bem sabe? Pois sei, mas é um teste e verifico que ainda se lembra do seu nome. Receita minha: não é grave o mal que o consome, podia ser pior. Ponha-se lá de pé! Olhe cá para mim! Está-me a ver? Deixe essa mania de escrever. Basta-lhe saber quem é. Com que então, Trinitá, o cawboi insolente! Nada mau. Tau...tau...tau...Disso não se esqueça. E Apareça, apareça sempre!

Abílio/fevereiro/2016

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.