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segunda, 28 março 2022 08:16

DESCOLONIZAÇÃO (1)

Escrito por 

FORMAÇÃO E QUEDA DE IMPÉRIOS

 Neste anos de 2022 a Rússia, comandada por Putin resolveu pôr em prática a sua política de expansão imperial e daí rsultou a GUERRA com a UCRÂNIA. E como nestas coisas de formação e queda de impérios não há inocentes, sendo certo que quem mais sofre não são os seus mentores, mas as vítimas deles, eu, ao ver tanta destruição de habitações e os seus habitantes em fuga, adultos, crianças, cães e gatos, achei oportuno trazer a este meu site ativo um poema que escrevi e publiquei há muito nos jornais e no meu meu velho site desativado. Escrevi-o em Lourenço Marques, em 04 de novembro de 1974.

Há pegadas de vida que jamais esquecem e quando as vemos repetidas, perguntámo-nos, como é que a barbárie pode vencer a civilização?

 RETORNADOS

Debruçado

Na minha varanda

Voltada para a rua

Em Lourenço Marques

Vejo o mundo apressado

Confuso, cada um na sua

A correr de lado para lado

De banda para banda.

 

contentores-1Carros, camionetas, camiões

Carregados de mobílias

Roupas, almofadas, colchões

Mesas, cadeiras, famílias

Inteiras refugiadas

Dos subúrbios da cidade

Chegam de todas as partes

Temerosas da fúria exaltada

Da multidão  negra excitada.

 

Confrontam-se negros e brancos.

Será racismo ou será ódio recalcado

Pelo tempo, nunca ultrapassado

Por colonizador e colonizado

Apesar de conviverem nos bancos

Dos jardins, nas ruas e esplanadas?

 

Na confusão passam ambulâncias.

Ouvem-se sirenes estridentes

A caminho do Hospital.

Há feridos, fruto da intolerância

Da caçadeira e da catana.

Não se toleram as gentes

A descolonização vai mal

E o que se vê não engana.

A cidade é o castelo medieval

Que oferece alguma segurança.

 

É o prólogo da debandada,

Tempo de arrumar a trouxa e partir

Como alertaram atempadamente

Os  poetas-cantores de Abril

Que os governantes não viram,

Não escutaram,

Não leram,  ignoraram.

 

contentores-2Muita habitação  abandonada

O cais abarrota de contentores,

Malas, embrulhos, num repente.

Barcos e aviões cheios  de gente

Que vai e não volta a vir:

Operários, enfermeiros, doutores

Funcionários, domésticas, lavradores

Crianças, meninos, brancos

Novos, velhos, mulatos

Civis, militares, polícias

Criadas, criados, senhores.

Serventes, negros assimilados,

Cães, pássaros e gatos,

Receosos de perseguição e sevícias.

 

É o retorno ao retângulo

À beira mar plantado

Território donde partiu Gama

De muitos outros acompanhado

A caminho da Índia sem tormenta.

É o século dezasseis ao invés

Já ninguém por aqui se aguenta

No império de lés a lés.

 

Tudo, tudo se vai embora

E o Adamastor  mostra agora

O seu  rosto verdadeiro.

Vinga-se do pioneiro

Que um dia se atreveu

A dobrar o Boa Esperança:

O navegador Bartolomeu

Cantado por Camões.

Vinga-se das gerações

Que aqui fizeram vida

Aqui buscaram pão e guarida

Sem pensarem na contradança.

 

Abílio-descolonizaçãoMuito tempo é passado.

Correram rios de História.

E ao herói, ao descobridor

Ao santo, ao político, ao mentor

Que com artes e manhas

Construíram um império,

Ufanos de batalhas e façanhas

Todas cobertas de glória

Cantando e ocultando fortuna...

Sucede o vencido, o paupérrimo

O incauto,  o despido retornado.

 

São milhares! Tanta gente

Sem perceber coisa nenhuma

Do passado e do presente.

 

ABÍLIO-L.MARQUES, 04.11-1974

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.