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quarta, 26 outubro 2016 11:28

CASTRO DAIRE - ESCRIVÃO E TABELIÃO

Escrito por 

ANTÓNIO JOSÉ LOUREIRO DE ALMEIDA

Na crónica anterior sobre o "PELOURINHO DE CASTRO DAIRE" aludi ao tabelião Inocêncio Teixeira do Amaral, em cujo escritório, em 1863, foi feita a escritura de compra das três casas contíguas ao adro da Igreja pertencentes a António José Monteiro Lemos,  José o Ferreira Simões e João da Cunha,  para se arranjar espaço suficiente com vista à construção do Hospital da Misericórdia. O negócio, devidamente autorizado pelo Rei, foi feito tendo  o primeiro morador recebido 72$00, o segundo 60$000 e o terceiro 55$000. Refiro isto tudo, circunstanciadamente, no meu livro «Misericórdia de Castro Daire» , editado em 2000, nas páginas 38-39.

Tabelião-1880-Redz

Trago hoje novamente o nome deste tabelião a capítulo,  devido ao facto de ser por 1-Leitão - Redzmorte dele que foi nomeado para o mesmo cargo, em 1880, escrivão/tabelião, António José Loureiro de Almeida, de cuja CARTA DE NOMEAÇÃO me foi gentilmente cedida fotocópia pelo se sobrinho, Engenheiro António Poças Caramona,  juntamente com a fotografia que aqui se publica pertinentemente.

Este senhor Engenheiro António Poças Caramona, sabendo-me envolvido na investigação e divulgação da HISTÓRIA LOCAL  e seus protagonistas, teve não só a gentileza de me levar a ver a velha moradia da FAMÍLIA LEITÃO (de que ele foi herdeiro),  mas também,  a meu pedido, ceder-me esses os dois documentos dos quais me sirvo para ilustrar este texto. E se o leitor pensa que são documentos sem importância para o estudo do nosso passado, está enganado. Se pensa isso é porque não está habituado a ler a "história com gente dentro". É que uma simples CARTA DE NOMEAÇÃO  fornece-nos informações preciosas não só sobre as andanças pessoais do nomeado, mas também sobre os rigorosos registos da nossa Administração, Central e Local, da época. E não se pense que a vida era fácil, para as pessoas ditas de "sociedade". Em documentos deste género, passados em nome de Sua Majestade, registam-se as «franças e araganças» vividas pelos detentores de cargos públicos. Este é uma espécie de passaporte pessoal, onde se espelham os passos do nomeado, o seu vencimento,  os emolumentos pagos, registos feitos nas repartições competentes, inclusive na TORRE DO TOMBO e as comarcas por onde ele arrastou a vida no a desempenho do seu ofício. 

No caso presente, António José Loureiro de Almeida,  ocupando, em Castro Daire, o lugar deixado vago por óbito de tabelião Inocêncio Teixeira do Amaral, em 1880,  aqui  permaneceu  até 1886, ano em que foi transferido para a Ilha se São Jorge, onde foi exercer idênticas funções. E só regressou de lá em 1890, não para tomar assento em Castro Daire novamente, mas sim em Tabuaço. Acompanhemos, por momentos  este profissional da justiça através dos registos deixados nesse documento "aparentemente" insignificante:

2-Leitão - Reuz"Por decreto de vinte de setembro de 1890 houve por bem Sua Majestade El-Rei  nomear a título de reintegração para ofício de Escrivão e Tabelião do Juízo de Direito  da Comarca de Tabuaço a António José Loureiro de Almeida que tendo sido transferido por decreto de dezasseis de Dezembro de mil oitocentos e oitenta e seis, de idêntico ofício na Comarca de Castro Daire para outro idêntico na Ilha de São Jorge foi exonerado deste último por decreto de vinte e três de Junho de mil oitocentos e oitenta e sete. Pagou de pronto os direitos de mercê, adicionais e selo que se liquidou dever do referido ofício, lotado em trezentos mil reis, na importância de treze mil setecentos e cinquenta e dois reis, correspondentes à melhoria de vinte mil reis, como constou de um conhecimento em forma expedido em oito de Julho de mil oitocentos e noventa e um, pela recebedoria da receita do distrito administrativo de Lisboa. E para firmeza de tudo o referido se lhe passou a presente apostila que será registada e averbada nos lugares competentes. Paço em cinco de Setembro de mil oitocentos e noventa e um.

Alberto António de Novais Carvalho" 

O leitor reparou no volume de informação que se encontra neste registo? Por ele sabemos que, depois de assentar arraiais em Castro Daire, em 1880, por cá permaneceu até 1886, ano em teve de fazer as malas e embarcar para a Ilha de São Jorge  e dali, feitas as malas novamente, em 1890 rumar para Tabuaço. A profissão assim o exigia.

Face a esta romagem, o leitor parou um bocadinho, recuou aos fins do século XIX,  colocou-se no lugar deste romeiro e sentiu que para ganhar a vida (como tantos outros por esses tempos fora) não teve outro remédio senão abandonar a sua zona de conforto por dever de ofício? Lembrou-se, só por momentos, dos transportes da época e dos meios de comunicação existentes? Viu-se, por ventura, metido na mala-posta puxada a cavalos, com bagagem e tarecos pessoais indispensáveis dentro, a caminho de Lamego e  Régua, estrada de terra batida, lombas e solavancos, sair dela e esticar as pernas nos escassos minutos das mudas dos cavalos e prosseguir viagem, ouvindo as pragas e os palavrões  do cocheiro (vernáculo herdado por alguns dos atuais taxistas seus sucessores no ofício, a guiarem os potentes cavalos escondidos sob o capô dos seus Mercedes, como foi «ouvisto» na Televisão na recente manifestação que  eles fizeram em Lisboa contra a Uber) e o estalido do chicote para, chegado ao destino, entrar num barco e rio Douro abaixo até ao Porto. Chegado ali, ala para Lisboa, e a seguir Atlântico dentro metido num vapor até à Ilha de São Jorge? Se não pensou, pense. Se tem dificuldade em deslizar no fio cronológico do tempo, nas estradas e águas da história, não está em condições de interpretar o passado, de meter-se na pele dos nossos avós, de compreender o presente e de atribuir a todos eles, independentemente do estatuto social que tiveram, ofícios que desempenharam, os benefícios e as regalias que usufrui. 

3-Leitão-RedzMas passemos a outro registo de não menor importância no «curriculum vitae» deste escrivão e tabelião, relativo ao seu regresso a Castro Daire, cujo labor notarial se encontra no «Arquivo Distrital de Viseu».

«Sua Majestade El-Rei, atendendo ao que lhe representou António José Loureiro de Almeida, que era escrivão e tabelião do Juízo de Direito da Comarca de Tabuaço, houve por bem, por decreto de vinte e quatro  de setembro de mil oitocentos e noventa e dois, transferi-lo para idêntico ofício vago na Comarca de Castro Daire, por óbito de João Teixeira. Não pagou nem deve os direitos de mercê deste ofício lotado em trezentos mil reis por estar encartado em igual lotação do ofício de Tabuaço acima mencionado como declarou o Ministério da Fazenda em quinze de Julho de mil oitocentos e noventa e três. Pelo que se lhe expediu a presente apostila que será registada e averbada nos lugares competentes. Paço, em quatro de novembro de mil oitocentos e noventa e três.

António Azevedo Castelo... (Ilegível)" 

Vemos assim que, António José Loureiro de Almeida, chegado pela primeira vez Castro Daire  em 1880, para ocupar o lugar do titular do cargo, Inocêncio Teixeira do Amaral que falecera, cirandou por outras terras e só regressou ao seu primeiro posto de trabalho em 1892, depois do lugar ficar vago, também por óbito do, então, titular do cargo, João Teixeira. Desta vez tomou posse sem pagar quaisquer impostos por virtude de «estar encartado em igual  lotação do ofício de Tabuaço».

São retalhos de vida pessoal. São retalhos de história nossa. De posse destes documentos, como profissional do ofício, era meu dever divulgá-los e comentá-los. É o que acabo de fazer. A História Local não dispensa registos assim, sejam eles ligados a gente grada e seus ofícios, seja ligados aos ofícios dos ferreiros, sapateiros, agricultores, relojoeiros e outros, todos eles nobres e respeitáveis. É o que tenho vindo a fazer por escrito e em vídeo, seja na imprensa, em livros, neste site, no Youtube e até no Fecebook. Faço-o sem esperar, mas agradecendo o favor daqueles que, lá de longe, na emigração, me vão dando sinais de lê-los e de interpretá-los. 

Pelourinho-1-2-3-Rez

 NOTA: Este texto foi enviado por correio eletrónico ao Dr. Rui Braguês, vereador do Pelouro da Cultura do Executivo Municipal de Castro Daire. Para que conste publicamente.

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.