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sexta, 30 setembro 2016 13:29

CUJÓ - AFONSO HENRIQUES, HISTÓRIA E LENDA

Escrito por 

CUJÓ E AFONSO HENRIQUES

Nós, nascidos e criados em Cujó, desde cedo aprendemos que o MANCÃO fica lá em cima, no alto, naquele outeiro, onde se cruzam o caminho que de Cujó leva às Monteiras (atualmente uma estrada asfaltada) e o velho caminho de terra batida que, de Farejinhas, passando pelo Chão do Irão acima, leva a Várzea da Serra e a Lamego.

Mancão-2

Nesse cruzamento existe um cruzeiro e dali se vê  a povoação da Relva e a ermida de Santa Luzia, situada no outeiro oposto fronteiriço,  freguesia de Monteiras. Entre os dois outeiros corre o rio Paivó que, nascendo no Monte dos Testos, desce em direção ao sítio da Louçã e, no seu percurso, rega lameiros, terras de semeadura e faz girar alguns moinhos. Estes montes, sempre foram "corridos" por ribeiros, rios e gentes, como bem rezam as Inquirições de D. Afonso III, do ano de 1258, onde esses topónimos são referidos.

E também aprendemos que, virados a sul, vemos, a olho nu, a vila de Mões e, no sentido oposto, fora do alcance da nossa vista, mas por nós conhecida por ser trajeto obrigatório "pedibus calcantibus" em direção à Senhora do Remédios,  em Lamego, fica a aldeia de Várzea da Serra, terras estas (Mões e Várzea da Serra) que pertenceram a Egas Moniz, Aio de Afonso Henriques.

Na escola primária obrigaram-nos a decorar o nome dos reis de todas as dinastias e o nome de todos os rios de Portugal. O Paivó não fazia parte dos livros. Esse era por nós conhecido, porque nele íamos tomar banho, na Galboeira, e o nome nos era ensinado pelos nossos pais, que o aprenderam dos nossos avós, transmitido assim de geração em geração. Esses nossos avoengos sabiam mais de Geografia e de Hidrografia locais  do que muitos académicos diplomadas pela Universidade de Coimbra.

Mas nos livros de história, o nome de Afonso Henriques e do seu Aio Egas Moniz, eram  aqueles que primeiro se aprendiam, não só por ser ele o Primeiro Rei de Portugal, mas também devido àquela edificante atitude do Egas Moniz ir de "corda ao pescoço" resgatar a palavra não cumprida do seu "criado", junto de Afonso VII, primo de Afonso Henriques.

Aprendemos as valentias e as façanhas desse nosso Primeiro Rei, aquele que de uma assentada só, na Batalha de Ourique, fez rolar pelo chão as cabeças de "cinco reis Mouros". Ora tomem lá!

O que não nos ensinaram foi que esse rei, esse herói, esse "mata-mouros" tinha nascido de "pernas coladas às costas", tolhido, manco, coxo,  doença de que veio a curar-se, dizem alguns, através de um milagre realizado no Mosteiro de Cárqure, mosteiro existente no outro lado da serra do Montemuro, a ver o Douro, onde Egas Moniz, seu Aio, o levou e donde ele, depois de feito o milagre, saiu a saltar que nem um cabrito montês.

Especula-se muito sobre isso. Que o rei Afonso Henriques que estudámos no Ensino Primário, esse valentão, não é o verdadeiro filho do Conde D. Henrique. Tendo este nascido aleijado, enfezado, terá morrido e Egas Moniz, homem sabido,  tê-lo-á substituído pelo próprio filho, da mesma idade, ou pelo filho de um pastor transmontano, num dia que ia a caminho de Chaves. Pois. Isso não nos ensinaram, na escola. Não vinha a propósito. Mas, seja como for, Egas Moniz era dono e senhor da maior parte destas terras em redondo, desde Viseu a Lamego, incluindo Cujó e Monteiras.

No meu livro "Afonso Henriques, História e Lenda", editado em 2010, digo o seguinte:

"Afonso Henriques andou por aqui (...) pois ninguém pode deixar de admitir que sendo ele "criado" por Egas Moniz não deixaria de acompanhá-lo nas deslocações que fazia pelas suas terras e honras espalhadas pela serra (...) Afonso Henriques andou, seguramente, por estes caminhos, por estas serras, por estes montes". (pp 130-131)

Foi em 2010 que escrevi o texto para aqui repescado seis anos depois. A que propósito? Poderão perguntar-me. E a minha resposta é simples, pois resulta das investigações que fiz posteriormente, correndo povoações, montes, ermidas e cruzeiros concelhios. Numa dessas minhas deambulações  vim a encontrar no adro da ermida de Santa Luzia, freguesia de Monteiras, um marco de pedra, coberta de líquenes, patine de séculos, que na face superior , (ver foto) tem inscrita a palavra "MACO". Desse "monumento" fiz o vídeo que alojei no Youtube, mostrando e comentando o achado. (ver link no fim deste texto)

Luzia-2 - Cópia 2

 

Face às inscrições, conclui que se nasalarmos a letra "A" da palavra "MACO", obtemos a palavra "MÃCO=MANCO", nome que imediatamente relacionei com "MANCÃO", pois trata-se de dois nomes aproximados existentes em dois outeiros próximos fronteiriços um ao outro: o das Monteiras coroado pela ermida de Santa Luzia e o de Cujó, por um cruzeiro trevolado, símbolo cristão pouco vulgar no topo dos montes, onde é muito mais vulgar e frequente a cruz latina de topos quadrados.

Como historiador não vou afirmar que Afonso Henriques, o "manco", ou o "mancão" passou por aqui, antes de receber o milagre em  Cárquere, que o pôs mais ágil do que um cabrito e, já adulto, capaz de manejar a espada melhor do que eu manejava a aguilhada, antes mesmo de manejar a caneta. Mas como não tenho "tolhida" a imaginação e procuro nexo entre as coisas, não posso ser acusado de ocultar os resultados da minha pesquisa e as reflexões que elas me permitem. As palavras não caem do céu como a chuva e a neve. Elas carregam em si um significado qualquer, por mais oculto que ele esteja.

Fique, pois, cada um na sua. Eu, assim penso e assim faço os meus registos, permitindo que outros, depois de mim, cheguem a conclusões fundamentadas que a história  exige, mesmo aquela que, seguramente, se perde nas teias da LENDA.

Link do vídeo..... https://youtu.be/1ZLPyS6UBn4 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.