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sábado, 14 janeiro 2023 14:01

CASTRA CASTRORUM

Escrito por 

APRENDER NOS LIVROS E FORA DELES

O título em latim usado nesta crónica fui buscá-lo ao Boletim Informativo que foi fundado em Castro Verde pelo Dr. José Francisco Guerreiro Colaço, boletim onde, enquanto docente que fui naquerla vila,  colaborei, até retornar ao meu concelho de origem: Castro Daire.

A profissão obrigou-me a saber e a ensinar o que era a ROMANIZACÃO em todo o território que constituiu o IMPÉRIO ROMANO. E o professor João Inês Vaz, falecido prematuramente, arqueólogo que foi, ex-governador Civil do distrito de Viseu, meu amigo e camarada no Partido Socialista, deixou na monografia “CASTRO DAIRE”, editada em 1986 pela Câmara Municiplal, matéria bastante sobre as marcas dela existentes no concelho. Em boa verdade, fora as pesquisas feitas por conta própria, a ele devo muito do que sei sobre os artefactos romanos que lhe serviram para dar corpo ao CAPÍTULO  dessa MONOGRAFIA, feita conjuntamente com os Drs. Alberto Correia e Alexandre Alves.

denário Tibério

De todos esses artefatos destaco a moeda romana encontrada em Mões, na Portela, à qual ele se refere assim:

Trata-se de um denário de prata, cunhado em Lugo e datado da época de Tibério que reinou entre 14 e 37 d.C. A moeda apresenta no anverso uma cabeça laureada à direita e a legenda TI CAESAR DIVI AVG F AVGVSTVUS. No reverso tem gravada uma figura indecifrável e a legenda PONT MAXIM”.

E conclui: “é mais uma prova da romanização destes lugares no século I da nossa Era.” (pp. 110) E na página seguinte estampa a imagem da moeda. O seu anverso, reverso e legendas.

Lamas-1Não vou discorrer sobre a INSCRIÇÃO existente no penedo de LAMAS DE MOLEDO, nem sobre o troço da ESTRADA ROMANA que, pela parte poente, circunda o morro onde se alcandorou o velho “crasto” celta, romano, medieval e tempos fora, que se tornou o casco da nossa vila, sem sinais de muralhas e de opidum antigoSobre isso já deixei matéria bastante impressa, digital e em vídeo, lamentando eu nesses meus trabalhos, claro está, que desse troço de ESTRADA ROMANA (o mais extenso que se conhece nas redondezas geográficas)   devidamente requalificado, se não tenha feito dele um atrativo turístico, nestes tempos em que tanto se fala de TURISMO CULTURAL. Sim, muito se  fala, mas tão pouco se faz.

E não discorrendo eu sobre isso, pois seria fazer “chover no molhado” o que me leva então a revisitar a matéria da ROMANIZAÇÃO no concelho de Castro Daire?

 

E.Romana8É simplesmente o facto de mostrar uma verdade de La Palice: a história, seja ela local, nacional ou universal, é sempre uma obra inacabada, uma obra em aberto. E toda e qualquer abordagem feita, por mais fundamentada que seja academicamente, a descoberta de documentos ou artefactos novos, podem alterar o que foi “dito e feito” ou, simplesmente, complementar e consolidar tudo isso, até que novas descobertas e abordagens apareçam.

E esses documentos e artefactos podem resultar da laboriosa e cansativa investigação académica, ou do cansativo e laborioso trabalho do camponês de poucas letras que, cavando a sua horta ou a sua leira, deixando nelas o seu suor, se dá conda da enxada ter batido em algo estranho. E, sentindo isso, curva a espinha, mete os dedos na terra e, num rompante, sem esperar, tem na mão uma RELÍQUIA HISTÓRICA.

 

 

 

Relva.Reduz2RelvaRedz-1Aconteceu na Relva, freguesia de Monteiras, com o senhor Agostinho Miguel que, no ano de 2007, andando a cavar o seu quintal, junto da sua residência, no sítio do «Oradouro», encontrou um molde céltico lavrado em xisto, partido ao meio por golpe de enxada ou ferramenta semelhante, sobre o qual já escrevi e publiquei uma crónica ilustrada. (Ver fotos ao lado)

Aconteceu também, recentemente, com o senhor Agostinho da Silva, de Lamelas, que passeando-se no sítio denominado a QUINTA, descobriu, em 2022, a peça que me levou a escrever esta crónica, cuja ilustração ponho mais abaixo. Peça de que farei, posteriormente, um vídeo.  (ver foytos mais abaixo) 

É uma peça, cujo metal de cunhagem ignoro, pois não sendo especialista na matéria, tão só conhecedor de que, na antiguidade, tanto as moedas, como as medalhas, podiam ser cunhadas usando variados metais e ligas, nomeadamente, o ouro, prata, cobre e níquel, ferro, estanho, platina, chumbo e zinco.

Por isso, não me atrevo a dizer qual o metal ou liga em que ela foi cunhada. Mas, mesmo assim, arriscaria ser bronze prateado. Tem sete centímetros de diâmetro e exibe, a olho nu, os maus tratos dados pelo tempo e trambolhões sofridos serra abaixo, por caminhos, cômaros, lameiros, rios e ribeiros.

Dito isto, seguindo o método do professor João Inês Vaz, passo a descrever:

 

 

 

Denário-2anversoDenário-1-reversoNo anverso mostra uma cabeça com capacete e penachos seguramente identificado com a “guarda pretoriana”. E no reverso uma águia bicéfala tendo no centro um escudo, esquartelado, cujos elementos em cada quartel não consegui decifrar. No topo, entre as cabeças de águia, está uma coroa e um furo, este feito posteriormente, sinal evidente da peça ter sido utilizada como adorno pendente.

Assim sendo, temos mais uma prova metálica (mais medalha pendente do que moeda) a testemunhar a presença dos romanos neste concelho.

E sabendo nós que o Imperador Constantino pôs fim à GUARDA PRETORIANA no ano de 312, ciente das ameaças que esse corpo militar representava no império (fez cair alguns imperadores) podemos concluir que esta PEÇA terá sido feita antes desse ano e, perdida ou deitada fora, por inútil, caída ali mesmo ou ali chegada por arrastamento, peça de aluvião, bem andariam os responsáveis pelo Pelouro da Cultura Municipal, se procedessem à sua aquisição com vista a guardá-la e expô-la no MUSEU com o zelo que merece todo e qualquer DOCUMENTO HISTÓRICO.

 

Pretorianos

Abílio/janeiro/2023

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.