Uma multidão de criados, assim alumiados, serviam donas empoadas, saias rodadas e armadas, seus maridos e filhos de punhos e peitilhos rendados. Boa cama e boa mesa, sempre pendente no tecto, atento a toda a gente, conversas e movimento. Servi gerações de senhores e servos. Mas, o mundo é feito de mudança. Há quem viva e há quem morra. E os rendimentos dos meus donos, provenientes de primícias e foros, foram-se com a porra dos tempos e das modas. Acabou-se a mesa farta, a tripa forra.
Fui apeado do tecto onde passei anos de vida. E apagado sem piedade, fui remetido prá sucata. Mas, sorte a minha. Não sei se por caridade, se por ver em mim algo que presta, algo de útil que em mim resta, sei lá, peça de antiguidade, passou por mim um poeta, mente sana, aquele que - a todo o fruto da inteligência humana, mesmo descartável e inútil que seja - atribui serventia, vida e sentimentos. Comprou-me. Restaurou-me. Pendurou-me. Pendente e restaurado, deu-me novamente olhos e voz de gente. Não é miragem. E para que se veja, longe da antiga criadagem, devolveu-me a luz da glória, as páginas de HISTÓRIA, o codicilo de testamento destinado a alumiar o tribunal do tempo.