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domingo, 25 agosto 2013 20:37

ALFREDO MORGADO, DE LAMELAS

Escrito por 

Nesta minha saga de não deixar no esquecimento as pessoas que, fazendo pela sua vida, como é legítimo, levaram longe o nome do nosso concelho, sempre por boas razões, transcrevo do meu livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», editado em 1995 as palavras que ali deixei sobre o cidadão empresário, senhor Alfredo Ferreira Morgado. Ora veja-se:

 1 – VELAS

Alfredo Morgado, jovem, curioso e observador, não esqueceu o «modus fasciendi» e o tipo de ferramentas utilizadas que vira na velha «fábrica» de Albino Cereeiro, onde aprendeu a arte.
Em 1975 foi à Alemanha, à cidade de Fulda, para ver as novidades técnicas aplicadas ao fabrico de velas. Mete na bagagem alguns catálogos de Arthur Weissbach, com nomes, categoria, modelos e descrição de várias máquinas. Mais informado sobre o assunto segue  dali para a França com destino à firma da «Viúva Júlio Dinis e Filhos», regressando depois a Portugal sem dar por perdido  o tempo e as despesas que gastou nas viagens. Ele estuda. Ele informa-se. Ele tornou-se conhecedor de todas as técnicas e segredos do ofício. 

Ao ser entrevistado para efeitos deste trabalho, avivam-se na sua memória, as palavras parafina, estearina, ácido esteárico e outras matérias destinadas  ao  fabrico  de velas. A sua cabeça retém de cor nomes de produtos químicos, tabelas, pesos e percentagens. Ele estudou a evolução das técnicas do fabrico da vela na História. Sabe que a agulha do pinheiro foi o pavio utilizado pelos povos primitivos na manufactura de velas. Sabe que a resina preta ou pez, o sebo e a cera de abelha, envolvendo fios de cânhamo ou de outras plantas, foram recursos utilizados pelo homem em busca de iluminação esporádica e transportável. Sabe que, no século XVI,  Brez  introduziu   os   moldes  na manufactura das velas e daí para a frente o seu aperfeiçoamento nunca mais parou até se chegar às máquinas automáticas e complicadas do seu tempo.

Nos catálogos de Arthur Weissbach figuravam o desenho e a descrição em língua francesa, inglesa e alemã da  «Kerzenzug-maschinen», uma máquina que ele logo pensou construir a partir do modelo e da literatura anexa.

Alfeedo MorgadoAssim o pensou e assim o fez. Era uma  «máquina de estirar» com dois cilindros que incluía no seu funcionamento o consumo de vapor gerado por uma caldeira e também um ventilador. Accionada por motores eléctricos, com correias de transmissão e carretos de desdobramento, os pavios a passarem de um tambor ao outro, a produção deixava de ser manual, de tipo intermitente, e passava a ser automática, de tipo contínuo.

A experiência não resultou 100%, mas na sua oficina, em Lamelas, uma «Kerzenzugmaschinen», (made in Lamelas), testemunha ao visitante curioso, ou ao investigador da arqueologia industrial, a capacidade de iniciativa, a imaginação e persistência de Alfredo Ferreira Morgado.
Mas não só. Um olhar em redor logo depara com três «trançadeiras» de pavios, sem as quais era impossível fabricar velas, a não ser que se comprassem mechas feitas. Sem as quais era impossível dar luz ao povo, às capelas e às igrejas. São autênticas peças de museu que aguardam um museu condigno para as receber. 
Sensível à sugestão que lhe fizemos para as ceder gratuitamente para um museu do trabalho, um museu de tecnologia industrial, para não pensarmos somente nos museus da arte com pinturas ou esculturas de artistas consagrados, disse que sim, que as cedia de boamente. Em Castro Daire, contudo, não há, nem se vislumbra vir a haver, um museu com essas características, por isso, nada melhor que recolher as peças na Escola Preparatória, pois, ainda que fora do seu complexo fabril, não deixarão de ser observadas pelo corpo docente e pelos alunos, nem estes ficarão sem resposta às perguntas que elas lhes suscitarem. Ainda bem que assim foi, pois foi por falta de iniciativas destas que, tantas outras peças levaram descaminho, nomeadamente um «torcedor» manual de fabrico caseiro, quando foi substituído por aquelas «trançadeiras»

E foi assim que Alfredo Morgado Ferreira abastecia a «Casa Balula» de Viseu, a «Discomer» de S. Pedro do Sul e tantos outros distribuidores espalhados pelo país inteiro. Velas com marca própria - uma Virgem Santa carimbada - eram inconfundíveis pelos seus acabamentos. Não tinham aspecto de fusos como muitas outras. Com a mesma bitola a todo o comprimento, bico arredondado, faziam jus a Castro Daire e ao seu produtor.

Hoje não fabrica. Entrevistámo-lo em 1994. A electrificação das nossas aldeias, a exigência cada vez mais notória das populações por uma melhor qualidade de vida, o reconhecimento das vantagens que se tiram de um simples interruptor que, com um pequeno gesto, põe a casa iluminada, os melhores meios de transporte, imobilizaram-lhe as máquinas e remeteram a luz mortiça da vela, cuja produção em série chega das firmas especializadas, quase exclusivamente, para os templos e procissões. Mas até nos templos o tempo vai impondo os seus ditames. Em muitas igrejas também a luz da lâmpada eléctrica vai tomando o lugar das velas de cera e lamparinas de azeite.

Como fabricante de velas, o reinado de Alfredo Morgado Ferreira acabou na passada década de oitenta.

2 - FABRICO DE ENSEBITE

Um pouco à margem dos objectivos deste trabalho, que visa essencialmente as técnicas e equipamentos industriais (artesanais e mecanizados) que passaram para o domínio da arqueologia, não é despiciendo referir ainda que a actividade de Alfredo Morgado Ferreira não se ficou pelo fabrico de velas. Nem a elas se dedicou exclusivamente quando estava no auge da produção. Desde 1967 que possui a patente nº 137.272 para o fabrico de «ENSEBITE», registada nos Serviços competentes. Pedido o seu registo em 1966, ele é feito em 21 de Setembro de 1967 e posteriormente revalidado até 1997.

E é assim que da sua oficina artesanal têm saído, durante todos estes anos, algumas toneladas desse produto. Manufacturado em barras, estas são destinadas às regiões do Douro e do Dão. Produto preferido a muitos outros pelos vinicultores e armazenistas, dada a prova que tem dado como bom vedante que é para o vasilhame. Nos rótulos que envolvem as barras colocadas no mercado, lê-se o seguinte:

a) ENSEBITE

 Mastic sintético para vedação de vasilhame. Substituto do sebo com alto poder de aderência e vedação para cubas, tonéis, pipas, etc. Não é comido pelos ratos, não tem cheiro, não comunica gosto ao vinho e não seca.

b) ENSEBITE

 Sempre o melhor. Fabricado por: Produtos CASTRO, tel. 33293  CASTRO DAIRE –PORTUGAL. Peso aproximado: Vermelho 375g. Amarelo 250g

Segue-se no mesmo rótulo um rectângulo de publicidade, fazendo-se eco da qualidade do produto, aconselhando o seu consumo a todos os vinicultores. Termina com a identificação de alguns dos seus componentes, que vêm a ser:   Cn. H2n + 2 sólidos e líquidos

3 - FABRICO DO CORAMIDO

Mas não paremos por aqui. Sob o telhado que cobre a vasta área dos seus domínios sai ainda um outro produto. É o «coramido», corante destinado a «queijos, pastelaria, confeitaria e doçaria».
Na base do seu fabrico está a Orellana importada do Brasil. A marca gravada nas embalagens de plástico transparente leva consigo, dentro de um círculo, outra referência importante: o monograma do fabricante seguido do nome de CASTRO DAIRE, em letra maiúscula.
Com código de barra e tudo, como mandam as normas da CEE e não tarda que uma nova máquina de embalagem venha a fazer parte do equipamento que já possui.

Abílio/Agosto/2013

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.