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sexta, 27 março 2020 17:00

MUNDO DOENTE (5)

Escrito por 

LANTERNA DE DIÓGENES

No meu vídeo alojado no Youtube, no dia, mês e ano - 25-03-2020 - com o título «FAREJA - TERRA E GENTE” (2)», feito na sequência de outros dois alguns dias antes sobre os “CASTANHEIROS CENTENÁRIOS” - o das “CHÃS” eo da “LEVADA” - passeando-me nos diversos caminhos que se cruzam no espaço sito entre Vila Pouca, Braços, Castro Daire e Fareja, um autêntico pulmão verde sobre o qual já fiz também vários vídeos ilustrativos disso mesmo, via neles a rede viária entre todas estas povoações nomeadas, em tempos idos, tal como em idos tempos palmilhei, durante anos, na companhia da minha esposa, em tempo de lazer.

DIOGENS-1 - Cópia

Mas, nesse vídeo, aludi à figura do filósofo DIÓGENES, aquele que, em vez de chafurdar na agitada vida citadina, depois de se desfazer de tudo o que entendia ser supérfluo na vida, resolveu sair da cidade de Atenas e meter-se num BARRIL onde vivia só com os seus pensamentos.

E esta minha remissão aquela forma de viver por opção própria está, seguramente guiada pelo sentimento de clausura a que todos estamos sujeitos no cumprimento das diretrizes que decorrem do ESTADO DE EMERGÊNCIA decretadas pelo governo devido ao CORONAVÍRUS que, nestes anos de 2019/2020, sem ser convidado, resolveu aparecer na festança e, assumindo o papel de lavrador serrano experimentado, entrou milheiral dentro e se pôs-se a “arralentar” os caneiros que julga estarem a mais. E para robustez e vida longa de uns, vai de sacrificar os outros.

dIÓGENS-25 - CópiaMas voltemos a DIÓGENES. A sua filosofia era ensinar pelo EXEMPLO. Pugnava por levar uma vida independente e  simples, ligada à natureza, contra as “luxúrias da civilização” que vestiam o mundo do seu tempo.

E ciente de que o “exemplo” levava a melhor sobre qualquer “teoria”, saía esporadicamente do seu barril e qualquer ágora lhe servia para desancar as instituições e os valores sociais vigentes, enredados na corrupção.

Os meus tempos de estudos liceais, com os autores de COMPÊNDIOS alinhados com o “pensamento único e institucional”, não eram muito propícios a “filosofias libertárias” e “anarquistas”. Daí que tivesse até um colega formado em FILOSOFIA, que ignorava, em absoluto, a figura de DIÓGENES.

Estranhei o facto e concluí que, diferentemente dele, nos caminhos da HISTÓRIA por mim percorridos, me cruzei algures (não me lembro em que fontes, foram tantas onde bebi) com a estranha e extravagante figura que um dia negou a Alexandre, o Grande, as benesses que este lhe foi oferecer à sua morada. Eu explico melhor.

 

 

ALEXANDRE Alexandre, depois de conquistar e dominar todos os territórios que incluíam a Grécia, de visita a Atenas, soube da existência do solitário “pensador” a morar dentro de um barril. Foi lá conduzido e chegado à fala com DIÓGENES disse-lhe quem era. Que ele pedisse o que necessitava para uma vida melhor, que ele, IMPERADOR, satisfaria o seu pedido. E foi então que ele, o filósofo, metido no seu barril, estendeu o seu bordão e encostando-o à armadura de tão importante figura lhe disse, em falas mansas: “sim, então afasta-te para o lado porque me estás a tirar o sol”. E voltou a enroscar-se no barril como cão fiel aos ideais que preconizava.

E por aí se ficou. Mas, em abono da verdade, devo advertir os leitores que não encontrarão a versão da visita que aqui deixo escrita em lado algum. Tomei a liberdade de escrevê-la, por conta própria, sem a intenção de trair ou adulterar a sua essência histórica ou lendária, já que em HISTÓRIA e LENDA se enreda a vida de DIÓGENES.

E mais duas atitudes suas, para mim muito simpáticas, retive eu na memória. Não sei mesmo se, de algum modo, elas influenciaram ou influenciam atitudes minhas ao longo da vida. Uma foi aquela de ele se dirigir à fonte mais próxima para matar a sede e ver uma criança a beber “usando as mãos em concha”. Ao presenciar tal jeito, retirou do seu bornal a “escudela” que costumava usar para esse efeito, atirou-a fora e afirmou convicto; “possuo um objeto supérfluo”.

LANTERNA - CópiaConsequente na forma de pensar e viver, a CORRUPÇÃO dava-lhe volta aos miolos. É que a sua opção de se autoisolar da “polis” não o tronou um ser antissocial, contrário à natureza humana. Não. Essa foi a forma para ele interferir na mudança da sociedade do seu tempo. Por isso, quando lhe dava na gana, desenroscava-se do barril e, fora dele, esticava as pernas, bocejava, agarrava no seu bordão e na “lanterna” que lhe alumiava os pensamentos e a vida. Assim artilhado deslocava-se à cidade de Atenas e cirandava pelas ruas de lanterna acesa. Face a tão excêntrica atitude, os demais atenienses perguntavam-lhe o por quê disso. Ele, com a maior das naturalidades respondia que “andava à procura de um homem honesto”.

Digamos que ele não conhecia a “Banda Desenhada” da Mafalda, nem a vinheta onde ela diz, mais ou menos isto: “se não posso mudar o mundo, dou-lhe um pontapé para ele mudar de rumo”.

Acreditem se quiserem, dos quilómetros de escrita que já pus no mundo, tanto em verso ou em prosa, sempre esteve presente ideia de o levar a mudar de rumo. E pelos visto chegou quem conseguisse isso, em tão pouco tempo e em silêncio. Aviões np chão, comércio fechado, estradas vazias, escolas e univewrsidades silenciadas. Foi do OITO ao OITENTA num ápice.

Quem era, pois, este homem de que vos falo e que se tornou para mim uma daquelas figuras simpáticas com quem me cruzei nos caminhos do estudo e do pensamento? Ora leiam:

BIOGRAFIA - CópiaBem, hoje a resposta é fácil. Perguntei ao DR. GOOGLE e ele, prontamente, nos forneceu, não só os traços BIOGRÁFICOS de DIÓGENES, mas também as ilustrações que dão cor e saber a este meu apontamento. É só observar e ler o que, «data vénia», repesquei da lá.

AMARALMas se repesquei de lá essas informações e ilustrações, o mesmo fiz do meu site “trilhos serranos” relativamente ao texto que se segue, mostrando que essa genial figura me acompanhou na vida e me alumiou alguns caminhos, no momento certo. Assim:

Em 2004, dei o título “LANTERNA DE DIÓGENES” a uma crónica que escrevi sobre a figura do Dr. Fernando Amaral, publicada no meu velho site “trilhos serranos”, texto que transcrevi para o atual site em 11 de Dezembro de 2019, com o mesmo título. E é bom de ver que nisto de, em 2004, (ilustração ao lado) eu ter ido buscar o exemplo de DIÓGENES para título de uma crónica, desalinhado estava com os evidentes sinais de  CORRUPÇÃO e OPORTUNISMOS POLÍTICOS que ultimamente têm estado muito em voga.

Bem, e tudo isto, este meu recuo a DIÓGENES e ao seu BARRIL, vem no tempo em que, por imposição do CORONAVÍRUS sermos obrigados a permanecer fechados no nosso casulo habitacional, sob pena de incumprimento do que foi estabelecido pelo governo declarando o  ESTADO  DE EMERGÊNCIA, a fim de combater o invisível e traiçoeiro inimigo.

Foi devido a isso que lembrei DIÓGENES no vídeo a que aludi no começo deste apontamento. Ali digo a viva voz: “neste estado de clausura já me perguntei vezes mil, o que pensaria DIÓGENES metido no seu barril?” E acrescentei: “bem lembrado, se o COVID me atacar, onde vale mais morrer num hospital, com todas as burocracias e regras exigidas, ou dar o último suspiro num castanheiro entocado? Bem lembrado...”

E eu não tinha visto, nem ouvido, ainda aquele cirurgião espanhol, num dos canais televisivos, a dizer que face ao quadro dramático vivido no seu hospital, o corpo médico se via no doloroso dilema de ter de optar por “deixar  ir” os infectados com mais de 70 anos e tentar salvar os mais novos.

Eis o “arralento” da “malta grisalha” de que falei no meu “ MUNDO DOENTE. (2)”.

Bruxo, eu? Não.  É só ter dois dedos de testa, estar de bem com a consciência, aceitar com naturalidade as lições da história, certos de que não há calamidades naturais, políticas e sociais sem vítimas. Azar meu ou sorte a minha. Tenho 80 anos de idade e (para além do que já deixei escrito nas crónicas anteriores)  vi a minha companheira de vida  - MAFALDA - morrer  de cancro aos 49 anos. Menino ainda, vi e ouvi morrer um jovem, em Cujó, a pedir ao meu pai: “ó tio Salvador, não me deixe morrer”.

Chamava-se Mário, rondava os 20 anos de idade e, atacado pela tuberculose, tísico, já nem a pele esticava para permitir espetar uma agulha de seringa para receber a injeção de penicilina. Esse fármaco que só 13 depois de ser inventado, apareceu no mercado, em 1942,como  “primeira forma injetável para uso terapêutico”.

O Mário faleceu, talvez porque “apesar da penicilina ser um fármaco extremamente eficaz contra diversas doenças, e a primeira defesa real contra infeções causadas por bactérias, mostrou-se curiosamente ineficaz contra a tuberculose”.

Castanheiro-abílio-1 - CópiaEste apontamento, escrito no “meu juízo perfeito” é uma espécie de CODICILO TESTAMENTÁRIO. Jamais acomodado ao mundo em que vivo, travei muitas batalhas e julgo ter saído vencedor de todas elas. Sozinho e com a ajuda da ciência. Primeiro uma cirurgia a uma fístula coccidinia. Tinha 22 anos. Depois as batalhas anuais contra o paludismo, em Lourenço Marques, usando Resoquina e/ou Camoquina. Depois a cirurgia feita no Hospital S. Bernardo, em Setúbal, que envolveu a “remoção glândula parótida”. Entupida resolveu deformar-me o rosto com um caroço no lado direito. Depois foi o cambate conta a hipertensão e subidos níveis de colesterol. Mais um indutor do sono. Um felizardo. Três comprimidos por dia, aos 80 anos de vida. Mas, desta idade, incluído no grupo etário que o CORONA escolheu para petisco, não lhe vou fazer frente. E muito menos com as armas e nos espaços que a CIÊNCIA MÉDICA e HOSPITALAR disponibiliza para tal. Não. Pois que venha. Ele, tirando a minha ausência enquanto vou buscar os alimentos ou os remédios (ou ainda o passeio solitário ocasional ao pinhal) ele, dizia, encontrar-me-á sossegado nesta minha morada ou, entocado num castanheiro, como Diógenes no seu barril. Sossegado.

E, de pensamento enredado em poesia, aqui reponho os versos que escrevi outro dia, deixando transparecer o meu estado de espírito, a filosofia, que sempre moldou a minha maneira de ser e estar na vida, como está patente em todos os textos que escrevi sobre o drama do século. Este é o QUINTO. Não contagiar terceiros (familiares inclusive) com os meus MEDOS, DORES E DOENÇAS.

CORONA

O gaijo anda por aí

A matar muita gente

E bem pode chegar aqui

Sorrateiro ou de repente.

Mas, venha ele como vier,

Se em mim encontrar ninho

Para o que lhe apetecer

Ó pobre dele coitadinho

Pois comigo vai morrer

No crematório torradinho

Estou eu de quarentena

Em minha casa fechado

O gaijo, em sinistro fado

Ciranda por todo o lado

E, de este, oeste, sul e norte

No mundo, sem distinção,

De raça, cor ou religião,

Espalha a dor e a morte.

O gaijo que muito mata

É mau! Mas é democrata.

Abílio/22/03/2020

Veja o vídeo.

 https://youtu.be/Ug2mhEo2Qkw

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.