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quinta, 20 junho 2019 11:56

CASTRO DAIRE - TRANSPORTES RODOVIÁRIOS: TRENS, CARRETAS E DILIGÊNCIAS

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TRÉNS, CARRETAS E DILIGÊNCIAS

Tendo estado a falar dos TRANSPORTES RODOVIÁRIOS, em Castro Daire e como  já falei da EMPRESA GUEDES e da «GARAGE CLEMENTE» que antecedeu aquela na fita do tempo, neste meu andar «ócêtrás», isto é,  relatar a história no sentido inverso da ocorrència dos factos que lhe dão corpo,  mal andaria se, falando dos transportes MOTORIZADOS, apagasse aqueles que os precederam durante séculos e séculos. Aqueles onde os animais, nomeadamente, bois, vacas, cavalos, machos, mulas e jericos tiveram um papel relevante, enquanto companheiros do homem no trabalho e no entretenimento.

Vou socorrer-me, também aqui, do que já deixei escrito no meu livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», editado em 1995. E aqui se aplica também a letra da canção: “eu vim de longe, de muito longe...e o queceu andei para aqui chegar”.

Eis, pois, o que deixei escrito nesse livro, sem as ilustrações que hoje aqui trago, todas elas registadas poeteriormente. É que, nesse tempo (1995, ontem mesmo) não se manipulava a IMAGEM com a facilidade que fazem hoje as crianças e os adultos através da tecnologia dedilhada, polegares incluídos. Assim:

 

 AS ALQUILARIAS

 

cavalos“Não. Não é fácil fazer a história dos transportes públicos rodoviários, quando queremos identificar os pioneiros que se dedicaram a tal empresa na área de Castro Daire. Neste, como noutros domínios, onde as fontes escritas escasseiam e, por isso, os arquivos se apresentam pouco mais que mudos, calcorrear o passado não se faz sem tropeções e muitos passos em falso. Hoje associa-se o conceito de "tranportes públicos" rodoviários a veículos motorizados, mas  não era assim nos tempos idos. Então havia os coches, as diligências, os trens, os landeaux, os carros de bois e tantos outros meios de transporte puxados por animais, geralmente cavalos, muares e asininos.

Com o reduzido,  se não ínfimo apoio documental escrito, é tarefa árdua deslindar os nomes dos primeiros empresários, o volume dos seus negócios e trajectos percorridos. Mas as dificuldades, são também desafios. Elas espevitam a imaginação e obrigam o investigador  (o historiador) a mudar de rumo em busca de novos caminhos, de novas fontes, quando as portas mais fáceis se encontram fechadas ou as informações orais colhidas não são coincidentes, revelando-se o mais das vezes contraditórias apesar da idoneidade dos anciãos que as prestam.

Santo Estêvão-1 - Cópia 2Quis o destino, no entanto, que alguns jornais, que se publicavam em Castro Daire, desde o fim do século passado, século XIX, até meados do século XX, chegassem aos nossos dias em arquivos particulares, desse modo, à falta de arquivos empresariais específicos, serem o único recurso seguro a que se pode deitar mão com vista a fazer-se luz sobre o problema. O importante era que esses jornais tivessem sido veículo de notícias ou anúncios reportados ao assunto.

Havia que folheá-los um a um. Havia que estar atento aos títulos "desastres", "acidentes", "tragédias" "transportes" "passeiose quejandos. E tal como o caçador define o alvo para acertar a pontaria, o investigador (historiador) selecciona a matéria de investigação. E os títulos lá estavam à espera de leitura. Não com a frequência com que  aparecem hoje na nossa imprensa diária  mostrando o que se passa nas nossas estradas em resultado da velocidade e do progresso, mas para informarem de "acidentes" ou "desatres" de tipologia bem diferente: acidentes em pedreiras, em minasquedas de árvores, pancadas e facadas ou, então, carros de «bois a irem por ribanceiras abaixo».

Todavia "quem porfia sempre alcança".

(...)

Estamos no tempo em que os "ralys" fariam parte do futuro. Eram coisas do porvir. Nessa altura as corridas do gênero faziam-se não sobre quatro rodas, mas em cima de gericos e bicicletas. O jornal  “A Voz do Paiva”, nº 452, de 24 de Maio de 1908, informa o público leitor que a Comissão Organizadora das Festas do Presépio e Santo Eufémia incluiu no programa "corridas de gericos e bicicletas"

Cópia de 117-1787 IMG - CópiaO primeiro prémio constava de uma medalha de ouro, no valor de 2$250 reis, e era destinado ao indivíduo que se apresentasse "mais bem vestido" e com o gerico "mais bem engalanado". O segundo prémio era uma medalha de prata para o melhor corredor de bicicleta, e o terceiro,  uma garrafa de vinho do Porto, para o mais rápido corredor de asinino.

A avenida das Acácias (actualmente aquela que fica à frente dos BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS) era o palco onde se travaria a competição entre os burriqueiros e ciclistas. Estes tinham de mostrar o que valiam, pedalando até à Ponte Pedrinha.

Novidade,   nesse   tempo,  era  também  um  passeio a Mões., de "landeau", claro está, ainda que se fosse ali a convite do comendador Oliveira Baptista para se saborear um delicioso jantar, em sua casa.

 Chegados que somos ao ano de 1909 o jornal  nº 487, de 24 de Janeiro, anuncia os dois primeiros carros de aluguer, ambos com "praça" em Alva. Um era propriedade de Manuel Maria Barros que alugava "para todos os pontos viáveis um carro de duas rodas puxado por um cavalo por preços módicos". Os interessados tinham de concertar-se com Manuel de Almeida Feijão. O outro proprietário era João José de Lacerda.  Este "aluga em Alva um carro de quatro rodas puxado por um cavalo por preços convidativos para todos os pontos viáveis". O filho, Júlio de Almeida Baptista, é que tratava do negócio.

IMG 1924 - CópiaComo se vê, os animais continuavam a ser a força de tracção utilizada nos transportes e também na lavoura, pois a vila revestia-se de características vincadamente rurais no princípio do século. Uma notícia de 1911 lembra às autoridades a necessidade de regulamentarem a tiragem dos estrumes das lojas, pois  era impossível passerar-se na estrada em virtude do mau cheiro que exalavam os estrumes remexidos. O cheiro impestava a estrada e "toda a vila". (221).  São também frequentes as notas da redacção  alertando as autoridades para a "chiadeira" dos carros de bois. Assim: "é tempo de fazer entrar os lavradores na ordem", tal como terminava uma das notas publicada no jornal nº 504, de 23 de Maio de 1909.

Os escribas do tempo, conhecedores da realidade que os cercava, habituados a verem os féretros a caminho do cemitério em cima de carretas, não desperdiçavam as novidades que se íam registando no mundo acerca dessa matéria. E o uso introduzido nos Estados Unidos da América de conduzir os mortos em automóvel passou a letra de forma, com notícia de caixa alta, acompanhada da pertinente nota irónica: "até os mortos acompanham o progresso das civilizações",  que  é  como  quem  diz:  o  que os mortos têm na América, não têm os vivos em Castro Daire. Decorria o ano de 1909.

 

 MANUEL NICOLAU

 Em 1910, na "Voz do Paiva" aparece pela primeira vez um anúncio que aponta claramente a existência de um proprietário vocacionado para a exploração de transportes públicos puxados a sangue. A redacção era aseguinte:

 

AO  PÚBLICO

cavalos-3 - Cópia "Manuel Nicolau participa ao público que faz carreira directa desta vila a Vizeu todos os dias de mercado pelo preço de 500 reis. A saída é da rua Comendador Oliveira Baptista às três horas da tarde".

 Não era, evidentemente, transporte motorizado. Partir de Castro Daire às três horas da tarde com o objectivo de se ir mercadejar a Viseu no dia seguinte, só podia ser um carro puxado a bestas. Solitário, sem que qualquer outro anúncio similar aparecesse a denunciar concorrência no ramo, este anúncio repete-se sistematicamente em todos os números de "A Voz do Paiva" que preenchem o  ano de 1910.

E até prova em contrário, devidamente fundamentada, podemos dizer que estamos na presença do pioneiro que tinha o monopólio semanal da carreira entre Castro Daire e Viseu, usando a sua alquilaria.

Poderá, com toda a legitimidade, pôr-se a questão de haver pessoas que tinham as suas alquilarias a fazer transportes diários ou semanais para fora de Castro Daire sem usarem os jornais como suporte de publicidade.  Não se nega  essa hipótese”.

O resto já sabemos. O livro onde escrevi isto está ESGOTADO. Foi editado pela Câmara Municipal. O conteúdo e o trabalho que me deu não devem merecer interesse,  para se proceder a uma segunda edição. Outras prioridades se impõem certamente.  




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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.