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quinta, 29 novembro 2018 10:18

A MENINA E OS SEUS “TRÊS VINTÉNS”

Escrito por 

OS· TRÊS VINTÉNS 

Os meus filhos sabem do meu gosto pelos filmes te cawboys e, de quando em vez, prendam-me com alguns dos clássicos passados a DVD. Eles sabem que a minha leitura ultrapassa a "fita" do saque dos revólveres, tau, tau, tau e já está. O mais rápido fica vivo, sopra na ponta do cano e arruma a arma.O outro fica a cargo cangalheiro city.

Em face dessas minhas outras leituras, pergunto quem não se lembra da "dentadinha" dada na moeda por qualquer um dos figurantes ou protagonistas a certificarem-se da qualidade do metal que recebiam em troca do serviço? Quem não se lembra daquela cena do filme "ACONTECEU NO OESTE", quando o bandido Cheyenne (Jason Robards) na casa da ex-prostituta, Jiil MacBain ( Cláudia Cardinale), vendo o interior da moradia todo do avesso, baús escancarados, gavetas abertas, tudo fora do lugar, perguntou se ela não teria andado à procura de umas "rodinhas, daquelas que atiradas ao chão faziam "tim! Tim!".

Ora esta cena traz-me sempre à lembrança dinheiro "metal sonante", assim designado, frequentemente, nos documentos históricos assinados por senhorios e enfiteutas, manuscritos de arrendamentos, de emprazamentos, de obras, de impostos e até foros postos à cobrança, em arrematação. Foros pagos em géneros, convertidos em "metal sonante". Tim! Tim! E é aqui que entra o mealheiro e a sua inconfundível ranhura por onde se metem as moedas.

Aconteceu que uma menina,, filha de enfiteutas, se lamentava à mãe de não possuir um mealheiro como a sua amiga, filha do senhorio, de seu nome D. Zé Cartaxo. A mãe de tanto ouvir os lamentos da filha disse-lhe que ela também tinha um mealheiro, com ranhura e tudo no seu baixo ventre. E já tinha lá TRÊS VINTÉNS. Era uma espécie de "bolsinha", um segredo, e advertiu-a não tentasse abri-la com o dedo, nem a deixasse abrir a ninguém a não ser quando já tivesse um namorado. Um dia faria uso da bolsinha e do dinheiro, e saberia o gosto que isso lhe daria.

A mocinha ficou com aquilo na ideia até que lhe apareceu o filho de D. Zé Cartaxo e lhe falou em namoro. Veio à fala a questão da bolsinha e dos três vinténs e ele disse à garota que também tinha três vinténs, mas andava preocupado com medo de perdê-los, pois não tinha bolsinha. Se ela podia guardá-los na sua . Que sim, porque não? E assim foi.

Nesse dia a menina chegou a casa toda eufórica e disse à mãe que já estava mais rica. Já tinha seis vinténs. Como? Perguntou a mãe. Tinha os dela e os do filho de D. Zé Cartaxo que lhe enfiara os seus pela bolsinha abaixo.

Só não sei é se passado 9 meses houve gente NOVA. E se a bolsinha virou bisalho, igual aqueles que os nossos navegantes e exploradores usavam quando rompiam e rasgavam oceanos e neles levavam o metal sonante para compras e corrupção.


Os meus amigos (aqui no Facebook) já devem ter reparado que os meus textos têm sido escritos segundo as regras da ortografia em vigor até 2015. Esclareço que isso se deve unicamente ao facto de ainda não ter importado para o meu PC o programa conversor do "novo acordo ortográfico". E rio-me (não daqueles que comigo fizeram a quarta classe e por aí ficaram, sem contacto com a grafia usada por D. Dinis, Camões, Gil Vicente, Camilo, Eça, Aquilino Ribeiro, etc, etc,) daqueles que agarrados à etimologia, dizem cobras e lagartos, fazem uma zoeira que nem mosquitos por cordas, contra o "Novo Acordo Ortográfico". Alguns deles reconhecidamente intelectuais, supostamente conhecedores da EVOLUÇÃO da LÍNGUA como organismo vivo. A esses, tão agarrados ao "princípio" das coisas, para lá da ORTOGRAFIA, eu gostava que me explicassem a origem da expressão linguística portuguesa "ter os três vinténs", "perder os três vinténs", "tirar os três vinténs". Conheço uma a explicação numismática, mas essa deixo-a para depois. Agora cabe o repto lançado a todos esses especialistas da língua que fazem um escarcéu dos diabos terçando armas em favor de Egipto contra Egito.


Falei em D. Dinis e na grafia do seu tempo. Pois foi nessa grafia que ele poetou, que fez versos de amor, mas também conferiu "cartas de privilégios" aos seus súbditos. Uma delas proibia a alta nobreza, isto é, os "ricos-homens", de se aposentarem no concelho de Castro Daire. Só em caso extremo podiam fazê-lo e incorreriam em crime de lesa-majestade se atentassem contra os interesses dos seus habitantes.


E o que é que isto tem a ver com os "três vinténs", expressão sobre a qual tenho vindo a especular? A resposta pode estar nas queixas apresentadas nas cortes pelos procuradores dos concelhos sobre o comportamento, bem pouco nobre, do uso e abuso do direito de aposentadoria, quando esses senhores, e sua comitiva, se deslocavam aos seus "domínios" e, no que tocava a satisfazer as suas necessidades, apetites e caprichos e ia tudo a eito. Entenderam?


No post anterior trouxe à colação a carta régia de D. Dinis proibindo os "ricos-homens" (leia-se ALTA NOBREZA) de se "aposentarem" em Castro Daire, só o podendo fazer por razões de força maior e sem quaisquer prejuízos para os seus habitantes. Face a este registo histórico, e constatando nós a existência de algumas casas brasonadas no concelho e na vila, qualquer cidadão, minimamente interessado em saber a HISTÓRIA LOCAL e não apenas em dela falar sem fundamento, se interroga QUANDO e COMO essa NOBREZA se instalou nestas terras. Se possível quem foram os primeiros a fazé-lo.


Desenvolvi alguma pesquisa sobre o assunto e dele darei conhecimento no livro que estou a fazer com o título "Castro Daire, Clero, Nobreza e Povo". Mas agradecia todas as achegas no sentido de melhor ESCLARECIMENTO da questão. Isto porque já verifiquei que alguns "amigos" meus encontram resposta pronta para tudo na Internet. E assim sendo, muito agradecia que me fizessem chegar todas as informações de que disponham ou às quais tenham acesso e me estarão vedadas a mim, por aselhice minha, seguramente. 
E outra coisa agradeço: sendo a pergunta objectiva, não venham desta vez falar-me dos "três vinténs", pois o título visa somente fazer a ponte entre este "post" e o anterior.

O Facebook é uma lição

NOTA: publicado no Facebook em 29-11-2013 e 30-11-2013 e ainda 01-12-2013, migrados para este site hoje mesmo. Ver data supra.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.